Serpente Emplumada: FEBRES DE SÃO TOMÉ

23-05-2011
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1Veio do mar aquele que um dia roubou um pedaço de mim. Parti sem saber meu destino.- Dona este é o caminho da Boa Morte- E depois sr Manuel?- Dona depois é o cemitério de São João- Me deixe ficar por aqui Manuel, se boa é a morte- Dona o doutor vai saber que malária é essa que lhe morde a almaEntre o hospital da cidade de São Tomé e a casa de Daio não sei o que aconteceu. Ouvi o médico cubano segredar que o meu mal só ocupava lugar. Na esquina da dor quase atravessei a morte. 2Na ilha, na casa de Jesus Nosso Senhor há uma porta de entrada e outra de saída. Tão perto uma da outra – por vezes quem entra esbarra em quem sai. Entrei na casa de Deus - saí em busca de um atalho.As estradas de São Tomé apodrecem – o alcatrão luta contra os buracos.- Dona – cuidado! Maria deitou-se com José, veja só o pecado...Quem me mandou sair do santuário?- Se aquiete homem, também me deito com Cristo e ninguém me leva ao inferno...- Dona – cuidado!As estradas de São Tomé morrem devagar – preguiçosas.3Desço a rua do Quilombo, viro à direita passo o Papa-Figo, para trás um horizonte perdido. Na minha frente o mar. Daio está no Passante- Branca, branca....Queria que minha a cor fosse como a de Daio – negra.- Branca, branca...4Procurei em Daio meu amor perdido noutra ilha. Vi a malária matar os corpos jovens de São Tomé. Tantos brancos ousaram inventar a sina daqueles que a cor ditou a dor. A branca histérica pregou que o racismo não existe. O preto desviou o olhar - sofreu em silêncio.- Dona fique por cá...Os olhos de Daio não mentem. Vejo nele a memória do seu povo. Cada grito calado, cada lágrima contida. Um dia matam todos os africanos.Quero de Daio a revolta escondida. Lamento constante. Resistência passiva.- Dona fique por cá...Quis de Daio cada carinho roubado. Daio triste olhou o vazio. Procurei uma chama, calor de um tempo passado. Daio triste olhou o vazio.- Dona fique por cá...- E o que tem essa ilha perdida para além das tristezas vividas?- Não tem passado. Minha geografia – o vazio.No regresso à casa, Lisboa quero-te de novo vestida de véu e grinalda!Mostra-me que também aqui é possivel amar.Tenho sono. Saudades de São Tomé.Diz-me Cleo se o teu planeta é melhor do que este que destruímos com tanta pressa?.


1Veio do mar aquele que um dia roubou um pedaço de mim. Parti sem saber meu destino.- Dona este é o caminho da Boa Morte- E depois sr Manuel?- Dona depois é o cemitério de São João- Me deixe ficar por aqui Manuel, se boa é a morte- Dona o doutor vai saber que malária é essa que lhe morde a almaEntre o hospital da cidade de São Tomé e a casa de Daio não sei o que aconteceu. Ouvi o médico cubano segredar que o meu mal só ocupava lugar. Na esquina da dor quase atravessei a morte. 2Na ilha, na casa de Jesus Nosso Senhor há uma porta de entrada e outra de saída. Tão perto uma da outra – por vezes quem entra esbarra em quem sai. Entrei na casa de Deus - saí em busca de um atalho.As estradas de São Tomé apodrecem – o alcatrão luta contra os buracos.- Dona – cuidado! Maria deitou-se com José, veja só o pecado...Quem me mandou sair do santuário?- Se aquiete homem, também me deito com Cristo e ninguém me leva ao inferno...- Dona – cuidado!As estradas de São Tomé morrem devagar – preguiçosas.3Desço a rua do Quilombo, viro à direita passo o Papa-Figo, para trás um horizonte perdido. Na minha frente o mar. Daio está no Passante- Branca, branca....Queria que minha a cor fosse como a de Daio – negra.- Branca, branca...4Procurei em Daio meu amor perdido noutra ilha. Vi a malária matar os corpos jovens de São Tomé. Tantos brancos ousaram inventar a sina daqueles que a cor ditou a dor. A branca histérica pregou que o racismo não existe. O preto desviou o olhar - sofreu em silêncio.- Dona fique por cá...Os olhos de Daio não mentem. Vejo nele a memória do seu povo. Cada grito calado, cada lágrima contida. Um dia matam todos os africanos.Quero de Daio a revolta escondida. Lamento constante. Resistência passiva.- Dona fique por cá...Quis de Daio cada carinho roubado. Daio triste olhou o vazio. Procurei uma chama, calor de um tempo passado. Daio triste olhou o vazio.- Dona fique por cá...- E o que tem essa ilha perdida para além das tristezas vividas?- Não tem passado. Minha geografia – o vazio.No regresso à casa, Lisboa quero-te de novo vestida de véu e grinalda!Mostra-me que também aqui é possivel amar.Tenho sono. Saudades de São Tomé.Diz-me Cleo se o teu planeta é melhor do que este que destruímos com tanta pressa?.

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