UMA REFERÊNCIA NA INFORMAÇÃO ALPIARCENSE: A PEÇA DO RALÉ – JOVENS COM (MÁ) AMBIÇÃO

23-01-2011
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Por: Anabela MelãoO meu muito querido avô Zé Melão tinha coisas tão engraçadas. Nem a minha avó e muito menos a minha mãe o entendiam ou lhe achavam grande graça, tal era a sua originalidade e sentido satírico. Diz-se que uma vez andava para cá e para lá, como que à procura de alguma coisa, e lhe perguntaram o que procurava ao que respondeu: uma peça. A peça do ralé. Nunca ninguém entendeu a piada, mas a vida tem vindo a dar-me umas ideias.Estava na segunda numa reunião de militantes com um Ministro do actual Governo, quando reparo que, a um canto, fosse o que fosse que aquele dizia, estava um jovem, naturalmente com ambições (não que seja contra a ambição, mas gera-me algum vómito, a “má” ambição) a substituir, um dia – se Deus tiver distraído - a cadeira que aquele desocupará (pelo andar da carruagem, será, mais coisa menos coisa, pelos setenta anos!), acenando a cabeça em sistemática concordância, como se fosse um pêndulo (embora me lembre sempre daqueles cãezinhos que se usavam na parte traseira das viaturas e que diziam que sim que sim durante toda uma viagem, nem que ela durasse o prazo de rodagem).Reparei, por acaso, que, às vezes, o Ministro se perdia na resposta, ou porque se esquivava a uma resposta concreta ou porque nem se lembrava da pergunta, e que, o jovem insistia em concordar, em dar o seu sinal afirmativo, a todas as declarações, como se bebesse daquela douta sabedoria e autoridade, e herdasse aquela habilidade para tornear, para ziguezaguear, qual aprendiz de feiticeiro!Temos Ministro, pensei, o rapaz vai longe! Naquela engrenagem (que a política é isso mesmo), aquele jovem e a sua obediente e subserviente cabecinha eram, nem mais nem menos, do que “a peça do ralé”, porque são estas “peças” que permitem que tudo se encaixe, tudo role, na perfeição, naquela rotineira dinâmica, e a engrenagem nunca mude nem se revitalize.Mais uma vez, compreendi o que o velho dizia, pela Rua dos Pardais adiante, abaixo e acima, como se procurasse a filosofia na ponta da enxada – a peça do ralé. Ele, que nunca foi peça de nenhuma engrenagem, porque era um homem sobre o qual ninguém conseguia exercer qualquer tipo de autoridade, ciente de fazer o que bem lhe dava na gana, farto da incompreensão dos outros, de ser um homem fora da conjuntura, alguém que não andava pelas regras do sistema, provavelmente, também, admito, pode ter chegado, já cansado, a procurar a tal peça que tão bem encaixava nos outros e que ele nem pressentia nem percebia, e, talvez, se a encontrasse, tentasse ver se lhe servia.Nunca a encontrou, foi sempre um homem diferente, com graças incompreendidas, um homem livre e um avô maravilhoso. O Zé Melão nunca encontrou – graças a Deus a peça do ralé – eu também não e agradeço-lhe por isso. Olhei para aquele jovem e só consegui pensar que o avô também usaria a tal peça e que pertenceria a uma qualquer engrenagem e que ele herdou aquele conformismo, aquele assentimento, aquela reverência. Obrigado, avô, não sei se a peça existiu nem conheço a quem serviu. Lá, por Vale de Cavalos, ninguém é de mau feitio mas também ninguém é de lamber botas. O meu avô era original, único, diferente, excepcional. Era peça fora do ralé. Tinha mau feitio e rogava pragas ao prior, tomava demandas ao feitor, e jamais baixava a cabeça. Também eu lhe herdei as manias, sempre soube que era e quero continuar a ser uma peça fora do ralé. Obrigado, avô.


Por: Anabela MelãoO meu muito querido avô Zé Melão tinha coisas tão engraçadas. Nem a minha avó e muito menos a minha mãe o entendiam ou lhe achavam grande graça, tal era a sua originalidade e sentido satírico. Diz-se que uma vez andava para cá e para lá, como que à procura de alguma coisa, e lhe perguntaram o que procurava ao que respondeu: uma peça. A peça do ralé. Nunca ninguém entendeu a piada, mas a vida tem vindo a dar-me umas ideias.Estava na segunda numa reunião de militantes com um Ministro do actual Governo, quando reparo que, a um canto, fosse o que fosse que aquele dizia, estava um jovem, naturalmente com ambições (não que seja contra a ambição, mas gera-me algum vómito, a “má” ambição) a substituir, um dia – se Deus tiver distraído - a cadeira que aquele desocupará (pelo andar da carruagem, será, mais coisa menos coisa, pelos setenta anos!), acenando a cabeça em sistemática concordância, como se fosse um pêndulo (embora me lembre sempre daqueles cãezinhos que se usavam na parte traseira das viaturas e que diziam que sim que sim durante toda uma viagem, nem que ela durasse o prazo de rodagem).Reparei, por acaso, que, às vezes, o Ministro se perdia na resposta, ou porque se esquivava a uma resposta concreta ou porque nem se lembrava da pergunta, e que, o jovem insistia em concordar, em dar o seu sinal afirmativo, a todas as declarações, como se bebesse daquela douta sabedoria e autoridade, e herdasse aquela habilidade para tornear, para ziguezaguear, qual aprendiz de feiticeiro!Temos Ministro, pensei, o rapaz vai longe! Naquela engrenagem (que a política é isso mesmo), aquele jovem e a sua obediente e subserviente cabecinha eram, nem mais nem menos, do que “a peça do ralé”, porque são estas “peças” que permitem que tudo se encaixe, tudo role, na perfeição, naquela rotineira dinâmica, e a engrenagem nunca mude nem se revitalize.Mais uma vez, compreendi o que o velho dizia, pela Rua dos Pardais adiante, abaixo e acima, como se procurasse a filosofia na ponta da enxada – a peça do ralé. Ele, que nunca foi peça de nenhuma engrenagem, porque era um homem sobre o qual ninguém conseguia exercer qualquer tipo de autoridade, ciente de fazer o que bem lhe dava na gana, farto da incompreensão dos outros, de ser um homem fora da conjuntura, alguém que não andava pelas regras do sistema, provavelmente, também, admito, pode ter chegado, já cansado, a procurar a tal peça que tão bem encaixava nos outros e que ele nem pressentia nem percebia, e, talvez, se a encontrasse, tentasse ver se lhe servia.Nunca a encontrou, foi sempre um homem diferente, com graças incompreendidas, um homem livre e um avô maravilhoso. O Zé Melão nunca encontrou – graças a Deus a peça do ralé – eu também não e agradeço-lhe por isso. Olhei para aquele jovem e só consegui pensar que o avô também usaria a tal peça e que pertenceria a uma qualquer engrenagem e que ele herdou aquele conformismo, aquele assentimento, aquela reverência. Obrigado, avô, não sei se a peça existiu nem conheço a quem serviu. Lá, por Vale de Cavalos, ninguém é de mau feitio mas também ninguém é de lamber botas. O meu avô era original, único, diferente, excepcional. Era peça fora do ralé. Tinha mau feitio e rogava pragas ao prior, tomava demandas ao feitor, e jamais baixava a cabeça. Também eu lhe herdei as manias, sempre soube que era e quero continuar a ser uma peça fora do ralé. Obrigado, avô.

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