Que Treta!: (In)decisão...

18-12-2009
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Várias pessoas propuseram que a economia é o factor mais importante para decidir o voto. Infelizmente, não há consenso acerca do partido que a economia recomenda. E um problema é o medo, injustificado, que redistribuir mais nos trama a todos por reduzir a produção de riqueza, e que é a produção que importa.

Dividir o PIB pelo número de adultos dá 2,000€ por mês. É o meu rendimento*. E é metade da média alemã, o que parece muito mas, a este nível, tem pouco efeito na qualidade de vida. Se eu fosse professor universitário na Alemanha a diferença principal na minha vida seria ter, e gastar, mais dinheiro para passar férias cá. Aumentar o rendimento de quem já tem a sua parte da riqueza que este país produz tem pouco impacto. O dinheiro faz falta é a quem tem muito menos que isso.

Às vezes vejo no Lidl pessoas a contar os trocos a ver se levam o pão ou só o arroz e as cebolas. É aí que se deve investir para aumentar a qualidade média de vida. Não com esmolas, mas com a garantia justa que ninguém é condenado à miséria. E isto é também um estímulo à produção. Subsidiar empresas não ajuda quem passou 20 anos a coser sapatos numa fábrica que agora faliu. Ninguém lhe vai dar emprego. Mas dar-lhe um rendimento fixo e não ameaçar retirar-lho assim que a sua situação melhore incentiva essa pessoa a tornar-se novamente activa na economia. A comprar um carro e fazer limpezas a escritórios, ou equipamento de sapateiro e reparar sapatos ou qualquer outra coisa. Arriscar, sabendo que não perde tudo por isso. Coisa que quem vive das poupanças ou de um subsídio à miséria nunca fará. Por isso eu defendo mais redistribuição, não só para melhorar a qualidade média de vida como, se for bem feita, para estimular o empreendedorismo individual que a economia tanto precisa.

Mas o mais importante nesta decisão nem é o que eu penso da economia. É a incerteza das estimativas ser muito maior que as diferenças estimadas. Há uns gráficos que mostram uma grande variação na desigualdade de rendimento entre os governos do PSD e PS (1). Mas a variação é apenas do rendimento médio no percentil 80 ser 7.4 vezes maior que no percentil 20 com o PSD, para 6.4 vezes maior com o PS. Contas por alto, é como baixar de 3700€ para 3400€ nos ricos aumentando de 500€ para 531€ nos pobres. Vai na direcção certa, mas só impressiona quando se manipula o gráfico para exagerar a diferença. Quando tento projectar o que prevejo das medidas económicas do PS, do PSD e do BE num eixo do muito mau ao muito bom, se sou honesto com as margens de erro estas pequenas diferenças só dão manchas desfocadas sobrepostas no mau. A economia é importante mas não me ajuda a distinguir estes partidos sem assumir uma capacidade irrealista de prever o futuro num sistema tão complexo.

Por isso dou mais importância a factores onde vejo diferenças significativas. Questões de valor, sem margem de erro, como os deveres do estado, direitos dos animais, justiça e direitos do cidadão. E questões práticas onde a margem de erro seja pequena. Como patentes de software, legalização da partilha de ficheiros para uso pessoal e assim por diante. Coisas que, além de serem importantes, permitem distinguir os partidos sem ter de fingir que sou melhor vidente que quem discorde de mim. É com isto que o PSD fica logo de parte.

Na investigação e ensino superior o PS parece o melhor, até porque se tem portado bem nisto. Mas na privacidade, liberdade de comunicações digitais, patentes de software e afins fica muito atrás do BE. E tem um historial de argoladas que me deixa relutante em votar neles. Mas o BE tem as medicinas alternativas. O João Semedo explicou-me que decorre um processo para os ministérios da saúde e da educação certificarem os cursos de terapias complementares. Mas quando perguntei se aceitariam que ensinassem coisas sem fundamento, como os meridianos ou os desequilíbrios energéticos, remeteu-me para a legislação e sugeriu que eu consultasse os programas do pólo português da universidade de Chengdu, a do Pedro Choy (2). Este é um problema sério e não concordo que legitimem algo que, não há outra forma de o dizer, é treta. Mas seria pior proibi-lo. O mérito destas terapias é uma questão científica e não legislativa. O erro do João Semedo é enquanto médico e não enquanto deputado. Não posso culpar a política por isto porque a culpa é da ciência, que ainda não conseguiu explicar às pessoas a diferença entre medicina e fantochada. É a ciência e a educação que têm de resolver este problema.

Por isso estou inclinado a votar no BE, e aproveito para deixar o meu apelo ao voto. Não necessariamente no BE, que o voto é secreto e cada um sabe do seu. Além disso, até Domingo ainda posso mudar de ideias. Mas votem. Quer queiram quer não, dia 27 elegemos 230 pessoas para nos representar. A todos, incluindo quem não vote. E o problema da nossa democracia é ter os partidos vinte anos atrás dos eleitores, no tempo em que o que contava era a cor da camisola. Esta é uma boa oportunidade para lhes mostrar que queremos soluções e não slogans ou ideologias. A melhor maneira de o fazer é votando.

Se não gostam dos grandes, votem no pequenino que esteja mais perto de algo que vos interesse. Seja o que for. Escolham um tema e força. Porque de votos em branco e abstenções eles riem-se. Mas se os obrigamos a partilhar a Assembleia com uma data de partidos já lhes estragamos os arranjinhos e já prestam mais atenção daqui a quatro anos. A democracia é como o Xadrez. É preciso pensar várias jogadas à frente.

* Considero que é rendimento líquido, mas a diferença entre o rendimento bruto e o líquido está nos impostos, que redistribuem os rendimentos e não afectam a média.

Correcção: O PIB per capita da Alemanha é só 150% do nosso. Vi mal os valores. Mas o dos EUA é o dobro do nosso, e entre ganhar menos cá ou mais lá prefiro ficar por cá...

1- Por exemplo, neste post do Ricardo Schiappa: Justiça social
2- Neste momento o site está em baixo, mas deixo o link à mesma: www.univ.pedrochoy-chengdutcm.eu


Várias pessoas propuseram que a economia é o factor mais importante para decidir o voto. Infelizmente, não há consenso acerca do partido que a economia recomenda. E um problema é o medo, injustificado, que redistribuir mais nos trama a todos por reduzir a produção de riqueza, e que é a produção que importa.

Dividir o PIB pelo número de adultos dá 2,000€ por mês. É o meu rendimento*. E é metade da média alemã, o que parece muito mas, a este nível, tem pouco efeito na qualidade de vida. Se eu fosse professor universitário na Alemanha a diferença principal na minha vida seria ter, e gastar, mais dinheiro para passar férias cá. Aumentar o rendimento de quem já tem a sua parte da riqueza que este país produz tem pouco impacto. O dinheiro faz falta é a quem tem muito menos que isso.

Às vezes vejo no Lidl pessoas a contar os trocos a ver se levam o pão ou só o arroz e as cebolas. É aí que se deve investir para aumentar a qualidade média de vida. Não com esmolas, mas com a garantia justa que ninguém é condenado à miséria. E isto é também um estímulo à produção. Subsidiar empresas não ajuda quem passou 20 anos a coser sapatos numa fábrica que agora faliu. Ninguém lhe vai dar emprego. Mas dar-lhe um rendimento fixo e não ameaçar retirar-lho assim que a sua situação melhore incentiva essa pessoa a tornar-se novamente activa na economia. A comprar um carro e fazer limpezas a escritórios, ou equipamento de sapateiro e reparar sapatos ou qualquer outra coisa. Arriscar, sabendo que não perde tudo por isso. Coisa que quem vive das poupanças ou de um subsídio à miséria nunca fará. Por isso eu defendo mais redistribuição, não só para melhorar a qualidade média de vida como, se for bem feita, para estimular o empreendedorismo individual que a economia tanto precisa.

Mas o mais importante nesta decisão nem é o que eu penso da economia. É a incerteza das estimativas ser muito maior que as diferenças estimadas. Há uns gráficos que mostram uma grande variação na desigualdade de rendimento entre os governos do PSD e PS (1). Mas a variação é apenas do rendimento médio no percentil 80 ser 7.4 vezes maior que no percentil 20 com o PSD, para 6.4 vezes maior com o PS. Contas por alto, é como baixar de 3700€ para 3400€ nos ricos aumentando de 500€ para 531€ nos pobres. Vai na direcção certa, mas só impressiona quando se manipula o gráfico para exagerar a diferença. Quando tento projectar o que prevejo das medidas económicas do PS, do PSD e do BE num eixo do muito mau ao muito bom, se sou honesto com as margens de erro estas pequenas diferenças só dão manchas desfocadas sobrepostas no mau. A economia é importante mas não me ajuda a distinguir estes partidos sem assumir uma capacidade irrealista de prever o futuro num sistema tão complexo.

Por isso dou mais importância a factores onde vejo diferenças significativas. Questões de valor, sem margem de erro, como os deveres do estado, direitos dos animais, justiça e direitos do cidadão. E questões práticas onde a margem de erro seja pequena. Como patentes de software, legalização da partilha de ficheiros para uso pessoal e assim por diante. Coisas que, além de serem importantes, permitem distinguir os partidos sem ter de fingir que sou melhor vidente que quem discorde de mim. É com isto que o PSD fica logo de parte.

Na investigação e ensino superior o PS parece o melhor, até porque se tem portado bem nisto. Mas na privacidade, liberdade de comunicações digitais, patentes de software e afins fica muito atrás do BE. E tem um historial de argoladas que me deixa relutante em votar neles. Mas o BE tem as medicinas alternativas. O João Semedo explicou-me que decorre um processo para os ministérios da saúde e da educação certificarem os cursos de terapias complementares. Mas quando perguntei se aceitariam que ensinassem coisas sem fundamento, como os meridianos ou os desequilíbrios energéticos, remeteu-me para a legislação e sugeriu que eu consultasse os programas do pólo português da universidade de Chengdu, a do Pedro Choy (2). Este é um problema sério e não concordo que legitimem algo que, não há outra forma de o dizer, é treta. Mas seria pior proibi-lo. O mérito destas terapias é uma questão científica e não legislativa. O erro do João Semedo é enquanto médico e não enquanto deputado. Não posso culpar a política por isto porque a culpa é da ciência, que ainda não conseguiu explicar às pessoas a diferença entre medicina e fantochada. É a ciência e a educação que têm de resolver este problema.

Por isso estou inclinado a votar no BE, e aproveito para deixar o meu apelo ao voto. Não necessariamente no BE, que o voto é secreto e cada um sabe do seu. Além disso, até Domingo ainda posso mudar de ideias. Mas votem. Quer queiram quer não, dia 27 elegemos 230 pessoas para nos representar. A todos, incluindo quem não vote. E o problema da nossa democracia é ter os partidos vinte anos atrás dos eleitores, no tempo em que o que contava era a cor da camisola. Esta é uma boa oportunidade para lhes mostrar que queremos soluções e não slogans ou ideologias. A melhor maneira de o fazer é votando.

Se não gostam dos grandes, votem no pequenino que esteja mais perto de algo que vos interesse. Seja o que for. Escolham um tema e força. Porque de votos em branco e abstenções eles riem-se. Mas se os obrigamos a partilhar a Assembleia com uma data de partidos já lhes estragamos os arranjinhos e já prestam mais atenção daqui a quatro anos. A democracia é como o Xadrez. É preciso pensar várias jogadas à frente.

* Considero que é rendimento líquido, mas a diferença entre o rendimento bruto e o líquido está nos impostos, que redistribuem os rendimentos e não afectam a média.

Correcção: O PIB per capita da Alemanha é só 150% do nosso. Vi mal os valores. Mas o dos EUA é o dobro do nosso, e entre ganhar menos cá ou mais lá prefiro ficar por cá...

1- Por exemplo, neste post do Ricardo Schiappa: Justiça social
2- Neste momento o site está em baixo, mas deixo o link à mesma: www.univ.pedrochoy-chengdutcm.eu

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