Mais segurança na exploração em águas profundas tornará petróleo mais caro para os consumidores

14-06-2010
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Acidente serve de aviso ao sector e à acção reguladora dos Estados. Indústria não desiste da exploração em águas profundasUm gigante ameaçado pela maré

À medida que o acidente no golfo do México reduz as possibilidades de sobrevivência da que é uma das maiores petrolíferas do mundo, cresce uma cadeia de consequências que se traduzirá em preços do petróleo mais caros para todos os consumidores do planeta. É o aviso dos especialistas.

O problema não está na quantidade de crude já derramada e que "fugiu" ao mercado, nem na quantidade ainda a perder até ao estancamento do poço Macondo, de onde jorram diariamente cinco mil barris de petróleo. E menos ainda nas indemnizações que a BP terá de pagar. Os especialistas da indústria petrolífera, com quem o PÚBLICO contactou, reconhecem que este acidente está a servir de aviso ao resto do sector e aos Estados, especialmente à Administração dos EUA, e que a reacção internacional se vai traduzir num reforço dos procedimentos de segurança, ou seja, mais regulação, para uma área mais difícil desta actividade que é a exploração em águas profundas - já de si mais cara. Mais procedimentos de segurança vão custar mais dinheiro, o que se repercutirá nos preços do petróleo. Esta é a certeza. A incógnita, por enquanto, é o valor desse impacto.

Até o presidente executivo da BP, Tony Hayward, reconhece o efeito devastador do que está a acontecer, ao afirmar há dias à BBC que se trata de um "evento transformador para a prospecção e para as actividades de produção em águas profundas de todo o mundo, em particular nas dos EUA". "Quando há um acidente como este, é claro que devemos esperar mudanças significativas como consequência", acrescentou.

Um acidente "injustificável"

A investigação do Senado dos EUA tem revelado que o acidente, ocorrido num momento em que a BP estava pressionada para libertar a plataforma para outra localização - ao custo de mais de meio milhão de dólares por cada dia de atraso, e já lá iam 20 dias -, foi o resultado conjugado de falhas na cadeia de comando e na própria regulação. A cadeia de comando não reagiu às cinco horas anteriores ao desastre em que os indícios da tragédia se acumularam, enquanto a entidade reguladora dos EUA, a Mineral Management Commission (MMS), terá isentado a BP, a pedido desta, de testes prévios aos seus equipamentos de segurança. As válvulas do sistema de controlo de erupções não foram testadas e foram essas que falharam na hora decisiva na plataforma Deepwater Horizon, no dia 20 de Abril.

Tal como nos mercados financeiros, admite o presidente executivo da Partex Oil and Gas, António Costa Silva, "falhou o conceito de auto-regulação dos mercados e de auto-regulação das companhias".

Para o gestor português, a indústria petrolífera já acumulou conhecimento e domínio tecnológico suficientes na exploração de crude em águas profundas, o que torna este acidente "injustificável". Os trabalhos da BP estavam a decorrer a uma profundidade total de cinco mil metros (dos quais 1500 de água). Estima-se que das 2900 plataformas de sondas existentes, 2600 trabalhem actualmente no off-shore. "Não há falta de domínio. Há poços mais profundos que estão a ser executados", acrescenta.

Com a liderança da Petrobras na exploração deste tipo de petróleo, Costa Silva admite que o acidente constitui um "aviso para toda a gente", não especialmente para o Brasil. "É toda a indústria do petróleo que é questionada nos seus procedimentos, numa revisão que tem de fazer à operação dos seus equipamentos, às cadeias de comando, às regras de segurança". As águas profundas obrigam a que os materiais funcionem a altas pressões, com amplitudes térmicas muito elevadas e expostos a contaminantes indesejáveis.

Ontem, o presidente da BP admitia que o grupo não estava preparado para enfrentar um derrame desta natureza. Faltaram-lhe, disse ao Financial Times, as "ferramentas" certas.

Costa Silva avisa: "Isto vai ter efeitos sobre a regulação, sobre a indústria petrolífera. Os custos de perfuração off-shore vão aumentar."

Também Michael Lynch, ex-quadro de multinacionais e actualmente consultor para a indústria petrolífera, acredita que o Governo norte-americano vai mudar a forma de regulação do sector e que isso se estenderá provavelmente a outros países. O que está em causa neste acidente, assegura, é "um erro humano, não de tecnologia".

Lynch é dos que não acredita que a BP desapareça entre os milhares de milhões de dólares que vai ter de pagar em indemnizações. Quando muito, fundir-se-á. "A BP tem um século de actividade e tem pela frente uma década de litigância em tribunal, tal como aconteceu com a Exxon. Não vai desaparecer, a não ser que seja por fusão", diz Lynch, recordando as velhas intenções da Shell de adquirir a multinacional britânica. Para já, a empresa perdeu um quarto dos seus ganhos anuais, mais de um terço do seu valor bolsista e o montante de indemnizações pode chegar aos 16,4 mil milhões de euros, de acordo com as últimas estimativas. Uma resposta da companhia poderá passar pela autonomização das operações nos EUA, como forma de travar o impacto dos custos de indemnizações sobre o resto do grupo.

Jeff Rubin, ex-economista-chefe do CIBC do Canadá e recente autor de um livro sobre os preços do petróleo, duvida que a empresa sobreviva, caso o derrame continue mais três meses e admite que isso possa mesmo "ditar o fim da produção em águas profundas, não apenas no golfo do México, mas no mundo inteiro".

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Se a mudança esperada com o acidente da BP passará mais pelo aumento de regulação sobre o sector do que por um abrandamento ou retrocesso nos investimentos em águas profundas, de acordo com os especialistas, são estes mesmos que reconhecem que o risco nesta actividade "existe, quanto mais não seja por se estar a trabalhar no limite de uma nova fronteira". Há uns anos, dizem, "era impensável um furo a 1500 metros na água, hoje passa-se os cinco mil". A exploração de petróleo em águas profundas representa actualmente apenas seis por cento do total, mas é a grande área em crescimento na indústria, com previsões para duplicar nos próximos 20 anos.

As empresas preparam-se, com este acidente, para "uma nova lista de procedimentos generalizada a toda a indústria", refere um quadro de uma parceira da Petrobras.

Os Estados Unidos querem doravante uma equipa de inspectores do Estado por cada sonda em operação. E não ficará por aqui. Isso vai tornar as operações mais lentas e será o consumidor a pagar o custo respectivo. O raciocínio incontornável: mais procedimentos exigem mais tempo, os poços ficam mais caros e o barril extraído custa mais.

Acidente serve de aviso ao sector e à acção reguladora dos Estados. Indústria não desiste da exploração em águas profundasUm gigante ameaçado pela maré

À medida que o acidente no golfo do México reduz as possibilidades de sobrevivência da que é uma das maiores petrolíferas do mundo, cresce uma cadeia de consequências que se traduzirá em preços do petróleo mais caros para todos os consumidores do planeta. É o aviso dos especialistas.

O problema não está na quantidade de crude já derramada e que "fugiu" ao mercado, nem na quantidade ainda a perder até ao estancamento do poço Macondo, de onde jorram diariamente cinco mil barris de petróleo. E menos ainda nas indemnizações que a BP terá de pagar. Os especialistas da indústria petrolífera, com quem o PÚBLICO contactou, reconhecem que este acidente está a servir de aviso ao resto do sector e aos Estados, especialmente à Administração dos EUA, e que a reacção internacional se vai traduzir num reforço dos procedimentos de segurança, ou seja, mais regulação, para uma área mais difícil desta actividade que é a exploração em águas profundas - já de si mais cara. Mais procedimentos de segurança vão custar mais dinheiro, o que se repercutirá nos preços do petróleo. Esta é a certeza. A incógnita, por enquanto, é o valor desse impacto.

Até o presidente executivo da BP, Tony Hayward, reconhece o efeito devastador do que está a acontecer, ao afirmar há dias à BBC que se trata de um "evento transformador para a prospecção e para as actividades de produção em águas profundas de todo o mundo, em particular nas dos EUA". "Quando há um acidente como este, é claro que devemos esperar mudanças significativas como consequência", acrescentou.

Um acidente "injustificável"

A investigação do Senado dos EUA tem revelado que o acidente, ocorrido num momento em que a BP estava pressionada para libertar a plataforma para outra localização - ao custo de mais de meio milhão de dólares por cada dia de atraso, e já lá iam 20 dias -, foi o resultado conjugado de falhas na cadeia de comando e na própria regulação. A cadeia de comando não reagiu às cinco horas anteriores ao desastre em que os indícios da tragédia se acumularam, enquanto a entidade reguladora dos EUA, a Mineral Management Commission (MMS), terá isentado a BP, a pedido desta, de testes prévios aos seus equipamentos de segurança. As válvulas do sistema de controlo de erupções não foram testadas e foram essas que falharam na hora decisiva na plataforma Deepwater Horizon, no dia 20 de Abril.

Tal como nos mercados financeiros, admite o presidente executivo da Partex Oil and Gas, António Costa Silva, "falhou o conceito de auto-regulação dos mercados e de auto-regulação das companhias".

Para o gestor português, a indústria petrolífera já acumulou conhecimento e domínio tecnológico suficientes na exploração de crude em águas profundas, o que torna este acidente "injustificável". Os trabalhos da BP estavam a decorrer a uma profundidade total de cinco mil metros (dos quais 1500 de água). Estima-se que das 2900 plataformas de sondas existentes, 2600 trabalhem actualmente no off-shore. "Não há falta de domínio. Há poços mais profundos que estão a ser executados", acrescenta.

Com a liderança da Petrobras na exploração deste tipo de petróleo, Costa Silva admite que o acidente constitui um "aviso para toda a gente", não especialmente para o Brasil. "É toda a indústria do petróleo que é questionada nos seus procedimentos, numa revisão que tem de fazer à operação dos seus equipamentos, às cadeias de comando, às regras de segurança". As águas profundas obrigam a que os materiais funcionem a altas pressões, com amplitudes térmicas muito elevadas e expostos a contaminantes indesejáveis.

Ontem, o presidente da BP admitia que o grupo não estava preparado para enfrentar um derrame desta natureza. Faltaram-lhe, disse ao Financial Times, as "ferramentas" certas.

Costa Silva avisa: "Isto vai ter efeitos sobre a regulação, sobre a indústria petrolífera. Os custos de perfuração off-shore vão aumentar."

Também Michael Lynch, ex-quadro de multinacionais e actualmente consultor para a indústria petrolífera, acredita que o Governo norte-americano vai mudar a forma de regulação do sector e que isso se estenderá provavelmente a outros países. O que está em causa neste acidente, assegura, é "um erro humano, não de tecnologia".

Lynch é dos que não acredita que a BP desapareça entre os milhares de milhões de dólares que vai ter de pagar em indemnizações. Quando muito, fundir-se-á. "A BP tem um século de actividade e tem pela frente uma década de litigância em tribunal, tal como aconteceu com a Exxon. Não vai desaparecer, a não ser que seja por fusão", diz Lynch, recordando as velhas intenções da Shell de adquirir a multinacional britânica. Para já, a empresa perdeu um quarto dos seus ganhos anuais, mais de um terço do seu valor bolsista e o montante de indemnizações pode chegar aos 16,4 mil milhões de euros, de acordo com as últimas estimativas. Uma resposta da companhia poderá passar pela autonomização das operações nos EUA, como forma de travar o impacto dos custos de indemnizações sobre o resto do grupo.

Jeff Rubin, ex-economista-chefe do CIBC do Canadá e recente autor de um livro sobre os preços do petróleo, duvida que a empresa sobreviva, caso o derrame continue mais três meses e admite que isso possa mesmo "ditar o fim da produção em águas profundas, não apenas no golfo do México, mas no mundo inteiro".

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Se a mudança esperada com o acidente da BP passará mais pelo aumento de regulação sobre o sector do que por um abrandamento ou retrocesso nos investimentos em águas profundas, de acordo com os especialistas, são estes mesmos que reconhecem que o risco nesta actividade "existe, quanto mais não seja por se estar a trabalhar no limite de uma nova fronteira". Há uns anos, dizem, "era impensável um furo a 1500 metros na água, hoje passa-se os cinco mil". A exploração de petróleo em águas profundas representa actualmente apenas seis por cento do total, mas é a grande área em crescimento na indústria, com previsões para duplicar nos próximos 20 anos.

As empresas preparam-se, com este acidente, para "uma nova lista de procedimentos generalizada a toda a indústria", refere um quadro de uma parceira da Petrobras.

Os Estados Unidos querem doravante uma equipa de inspectores do Estado por cada sonda em operação. E não ficará por aqui. Isso vai tornar as operações mais lentas e será o consumidor a pagar o custo respectivo. O raciocínio incontornável: mais procedimentos exigem mais tempo, os poços ficam mais caros e o barril extraído custa mais.

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