O blog do GAT: Há mais vida para além do infortúnio

20-05-2011
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A vida tem agora outros horizontes para 180 dependentes de drogas duras que decidiram pedir ajuda ao único Centro de Terapias Combinadas (CTC) de Portugal após contraíram o vírus da sida e tuberculose."Sei que a minha esperança de vida continua curta, mas, ainda assim, é bem maior do que a sentida quando descobri a infecção pela sida", testemunha o antigo consumidor de heroína José, 36 anos, um dos utentes do CTC, que funciona no hospital de doenças infecto-contagiosas Joaquim Urbano, na zona Oriental do Porto.As estatísticas sustentam a convicção de José: neste hospital, a taxa anual de mortalidade dos seropositivos com tuberculose está hoje reduzida a quase um terço da registada em 1998, passando de 55 para 20 cento."A tuberculose nos doentes com sida é mais difícil, reactiva-se mais facilmente, mas é curável, como se tem comprovado neste serviço", sublinha o médico João Semedo, presidente do Conselho de Administração do Hospital Joaquim Urbano.José descobriu "por acaso" que estava infectado pelo vírus da sida em 2000, quando já era dependente da heroína e foi ao Hospital João Urbano procurar cura para a tuberculose que entretanto contraíra. "Sofri o choque da minha vida", recorda, amargurado, este homem que perdeu o pai aos 12 anos, consome drogas desde os 14 e vive agora com 149 euros mensais da Segurança Social, depois de deixar um emprego na construção civil, devido aos seus problemas de saúde.Cinco anos depois de descobrir que era seropositivo, o ex-heroinómano como que segue, sem saber, o apelo contido num poema Manuel Laranjeira, escrito em momento de agonia:"Espera aí vida, que ainda te não vivi". Já venceu a dependência da heroína com a ajuda de metadona, ficando-se pelos consumos de haxixe, continua a luta contra a tuberculose com terapêutica antibacilar e nunca facilita na toma dos retrovíricos, necessários para compensar a debilitação das suas defesas orgânicas pelo vírus da sida.Conhecido entre profissionais de saúde como a "loja do cidadão toxicodependente infectado", o CTC difere dos vulgares CAT (centros de atendimento a toxicodependentes) porque valoriza, em pé de igualdade, as ajudas médica e social aos utentes. Enfermeiros, pneumologistas, infecciologistas, psicólogos, psiquiatras, odontologistas, assistentes sociais e técnicos psico-educativos integram a equipa do CTC."Chegamos a tratar de apoios da Segurança Social para os doentes ou até a levá-los ao Registo Civil para tirarem o bilhete de identidade", detalha o presidente do Conselho de Administração do Joaquim Urbano. A organização de actividades lúdicas e o tratamento da dentição, geralmente em muito mau estado, são também asseguradas pelo centro. "Ao tratar-lhes os dentes, estamos sobretudo a estimular a auto-estima de pessoas perfeitamente desestruturadas", observa João Semedo.O retrato-robô do utente deste serviço aponta para um homem dos 25 aos 40 anos, dependente ou ex-dependente da heroína, com baixo nível de escolaridade, sem retaguarda familiar, desempregado, em alguns casos sem residência fixa e sobrevivendo do pequeno delito ou do apoio da Segurança Social.Para muitos deles, "o melhor momento do dia" é a altura em que se deslocam ao hospital, onde podem conviver com companheiros de infortúnio e se sentem acarinhados e apoiados, diz João Semedo.O CTC funciona todos os dias das 08:00 às 20:00 e José, que integra o primeiro de três turnos de atendimento, garante que nunca falha. "Tem de ser. Sei muito bem que tenho a vida amarrada a isto", admite este ex-heroinómano, que viu frustrarem-se várias tentativas de desintoxicação, quando ainda se julgava sem patologias infecciosas."Uma delas aconteceu em Barcelona onde, entre 40 toxicodependentes, era o único a falar português. E afinal, nem era preciso percorrer 1.200 quilómetros quando tinha o que precisava aqui à porta", diz o doente, que reside com a mãe numa modesta habitação da freguesia portuense de Campanhã.José desloca-se todos os dias ao Joaquim Urbano de autocarro, com uma senha que lhe é dada pelo hospital, e o primeiro "tratamento" que faz é ao estômago, uma vez que o hospital garante o pequeno-almoço (ou o lanche nos turnos da tarde) a todos os utentes do CTC. Depois, recebe a senha de autocarro para o dia seguinte e desloca-se ao pavilhão de tratamentos para lhe serem administrados os retrovíricos, a terapêutica antibacilar e uma dose de metadona, que vai diminuindo ao longo do tempo."Nisso não facilitamos", assegura João Semedo, reconhecendo que esta é "a única forma" de garantir que a terapêutica é seguida, já que as múltiplas reacções secundárias provocadas pelos retrovíricos tentam os utentes a desistir.Seguem-se as consultas das diversas especialidades, algumas de grupo, e o apoio social e psico-educativo, num persistente e nem sempre frutuoso trabalho. "São trajectos muito longos, mas sabemos que não pode haver pressas, nem milagres, nesta arte de tratar os doentes toxicodependentes. Uma pequena vitória, que é rara, dá muita satisfação e é um estímulo enorme para as equipas", afirma o gestor do hospital.A enfermeira Susana Ribeiro, 30 anos, que no seu percurso profissional de seis anos nunca fez outra coisa senão lidar com doenças infecto-contagiosas no Hospital Joaquim Urbano, subscreve a opinião e nega o "desgaste" geralmente imputado a quem trabalha neste serviço."As dificuldades é que tornam o desafio mais estimulante", assegura.

A vida tem agora outros horizontes para 180 dependentes de drogas duras que decidiram pedir ajuda ao único Centro de Terapias Combinadas (CTC) de Portugal após contraíram o vírus da sida e tuberculose."Sei que a minha esperança de vida continua curta, mas, ainda assim, é bem maior do que a sentida quando descobri a infecção pela sida", testemunha o antigo consumidor de heroína José, 36 anos, um dos utentes do CTC, que funciona no hospital de doenças infecto-contagiosas Joaquim Urbano, na zona Oriental do Porto.As estatísticas sustentam a convicção de José: neste hospital, a taxa anual de mortalidade dos seropositivos com tuberculose está hoje reduzida a quase um terço da registada em 1998, passando de 55 para 20 cento."A tuberculose nos doentes com sida é mais difícil, reactiva-se mais facilmente, mas é curável, como se tem comprovado neste serviço", sublinha o médico João Semedo, presidente do Conselho de Administração do Hospital Joaquim Urbano.José descobriu "por acaso" que estava infectado pelo vírus da sida em 2000, quando já era dependente da heroína e foi ao Hospital João Urbano procurar cura para a tuberculose que entretanto contraíra. "Sofri o choque da minha vida", recorda, amargurado, este homem que perdeu o pai aos 12 anos, consome drogas desde os 14 e vive agora com 149 euros mensais da Segurança Social, depois de deixar um emprego na construção civil, devido aos seus problemas de saúde.Cinco anos depois de descobrir que era seropositivo, o ex-heroinómano como que segue, sem saber, o apelo contido num poema Manuel Laranjeira, escrito em momento de agonia:"Espera aí vida, que ainda te não vivi". Já venceu a dependência da heroína com a ajuda de metadona, ficando-se pelos consumos de haxixe, continua a luta contra a tuberculose com terapêutica antibacilar e nunca facilita na toma dos retrovíricos, necessários para compensar a debilitação das suas defesas orgânicas pelo vírus da sida.Conhecido entre profissionais de saúde como a "loja do cidadão toxicodependente infectado", o CTC difere dos vulgares CAT (centros de atendimento a toxicodependentes) porque valoriza, em pé de igualdade, as ajudas médica e social aos utentes. Enfermeiros, pneumologistas, infecciologistas, psicólogos, psiquiatras, odontologistas, assistentes sociais e técnicos psico-educativos integram a equipa do CTC."Chegamos a tratar de apoios da Segurança Social para os doentes ou até a levá-los ao Registo Civil para tirarem o bilhete de identidade", detalha o presidente do Conselho de Administração do Joaquim Urbano. A organização de actividades lúdicas e o tratamento da dentição, geralmente em muito mau estado, são também asseguradas pelo centro. "Ao tratar-lhes os dentes, estamos sobretudo a estimular a auto-estima de pessoas perfeitamente desestruturadas", observa João Semedo.O retrato-robô do utente deste serviço aponta para um homem dos 25 aos 40 anos, dependente ou ex-dependente da heroína, com baixo nível de escolaridade, sem retaguarda familiar, desempregado, em alguns casos sem residência fixa e sobrevivendo do pequeno delito ou do apoio da Segurança Social.Para muitos deles, "o melhor momento do dia" é a altura em que se deslocam ao hospital, onde podem conviver com companheiros de infortúnio e se sentem acarinhados e apoiados, diz João Semedo.O CTC funciona todos os dias das 08:00 às 20:00 e José, que integra o primeiro de três turnos de atendimento, garante que nunca falha. "Tem de ser. Sei muito bem que tenho a vida amarrada a isto", admite este ex-heroinómano, que viu frustrarem-se várias tentativas de desintoxicação, quando ainda se julgava sem patologias infecciosas."Uma delas aconteceu em Barcelona onde, entre 40 toxicodependentes, era o único a falar português. E afinal, nem era preciso percorrer 1.200 quilómetros quando tinha o que precisava aqui à porta", diz o doente, que reside com a mãe numa modesta habitação da freguesia portuense de Campanhã.José desloca-se todos os dias ao Joaquim Urbano de autocarro, com uma senha que lhe é dada pelo hospital, e o primeiro "tratamento" que faz é ao estômago, uma vez que o hospital garante o pequeno-almoço (ou o lanche nos turnos da tarde) a todos os utentes do CTC. Depois, recebe a senha de autocarro para o dia seguinte e desloca-se ao pavilhão de tratamentos para lhe serem administrados os retrovíricos, a terapêutica antibacilar e uma dose de metadona, que vai diminuindo ao longo do tempo."Nisso não facilitamos", assegura João Semedo, reconhecendo que esta é "a única forma" de garantir que a terapêutica é seguida, já que as múltiplas reacções secundárias provocadas pelos retrovíricos tentam os utentes a desistir.Seguem-se as consultas das diversas especialidades, algumas de grupo, e o apoio social e psico-educativo, num persistente e nem sempre frutuoso trabalho. "São trajectos muito longos, mas sabemos que não pode haver pressas, nem milagres, nesta arte de tratar os doentes toxicodependentes. Uma pequena vitória, que é rara, dá muita satisfação e é um estímulo enorme para as equipas", afirma o gestor do hospital.A enfermeira Susana Ribeiro, 30 anos, que no seu percurso profissional de seis anos nunca fez outra coisa senão lidar com doenças infecto-contagiosas no Hospital Joaquim Urbano, subscreve a opinião e nega o "desgaste" geralmente imputado a quem trabalha neste serviço."As dificuldades é que tornam o desafio mais estimulante", assegura.

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