O Carmo e a Trindade: Odisseia nas travessas da República

24-12-2009
marcar artigo


Entre a casa e o trabalho convivo frequentemente com a dita. Mas ontem era um dia especial: tinha que estar à uma e meia da tarde numa Conferência na Culturgest da CGD. Descendo a João XXI em direcção ao Campo Pequeno e sendo proibido virar à esquerda (até aqui tudo normal nos tempos que correm), demorei 40 minutos para chegar à faixa lateral do Campo Pequeno e entrar para estacionar o meu inseparável Panda no Centro Comercial da Praça de Touros. Até lá chegar, notei que os semáforos de atravessamento da República estão quase sempre vermelhos, sendo que o verde, também político-rodoviariamente falando, deveria ser igualmente respeitado. A saída a pé do parque "C-1" do dito CC é sensacional: há que atravessar um túnel em betão imenso, estreito e sinuoso, coisa parecida com os acessos ao "bunker" do Hitler que a TV às vezes nos mostra. Chegado cá fora, outra aventura: o jardim do lado da Defensores de Chaves está ocupado por um estaleiro de qualquer coisa, devidamente protegido por uma forte vedação. Contornado este obstáculo, lá consegui atravessar para a CGD, na passadeira de peões, as oito faixas de rodagem, serpenteando por entre os engarrafados. De passagem perguntei a um condutor (que vinha da Av. de Berna) se tinha ocorrido algum acidente. "Não, isto é mesmo assim todos os dias", desabafou ele resignado. Mais tarde, de regresso da Culturgest, entrei novamente pelo dito túnel pedonal. Erro meu: a porta blindada no fim do labirinto estava fechada por dentro! Diriji-me então aos dois elevadores da "Zona C". Tento o primeiro e depois o segundo: népias! Os ascensores não param no Piso -1, por avaria (viria depois a saber). De regresso à superfície, tento um segundo túnel/labirinto: lá ao fundo, finalmente abro uma porta! - e eis-me a entrar, não no parque de estacionamento, mas numa sala de cinema às escuras, em pleno funcionamento! Resultado: fui buscar o carro utilizando uma rampa de acesso para os automóveis e depois de ter dado duas voltas ao redondel para encontrar a saída (odisseia em tudo idêntica àquela que se vive nos estacionamentos dos estádios do Sporting e do Benfica), lá consegui finalmente ver de novo a luz do dia, feliz e contente por não ter encontrado naqueles subterrâneos desérticos, algum touro ou carteirista. Ainda com a publicidade da EPUL nos ouvidos ("Praça de Entrecampos -* A vida mais perto de tudo"), consigo inverter a marcha no caos da rotunda de Entrecampos e, de regresso à República, meto-me pela faixa lateral (onde o tráfego se escoa muito melhor até ao Saldanha do que pelo túnel - e não há radares!), eis-me chegado às obras do Metro na Duque d'Avila e obrigado - com traço contínuo e tudo - a misturar-me com os autocarros da Carris, sem hipótese de escapar da faixa "Bus". Felizmente que não fui multado, até porque, como todos sabemos, a Polícia de Trânsito e a Municipal têm mais assuntos importantes com que se ocupar em horas de ponta. Atrás de um autocarro com indicativo "727" (deve ser uma homenagem ao avião da Boeing, pensei), lembrei-me do velho "27" que, vindo do Bairro de S. Miguel, me deixava no Liceu Camões e seguia para o Restelo. Nesses tempos era bom frequentar a República, olhar para os seus prédios bonitos e harmoniosos, dava gosto parar e ir tomar uma bica à Versailles, à Ceuta ou ao Sequeira e conspirar contra a ditadura.Hoje, para quem vem do Marquês de Pombal, a República é uma via sem saída. À medida que nos afastamos da Liberdade, por entre túneis, obras e mamarrachos, em frente temos a memória da Guerra Peninsular e só três saídas possíveis: virar à direita para os EUA, cortar à esquerda para as Forças Armadas, ou seguir em frente pelo buraco. Triste sina! Luís Coimbra


Entre a casa e o trabalho convivo frequentemente com a dita. Mas ontem era um dia especial: tinha que estar à uma e meia da tarde numa Conferência na Culturgest da CGD. Descendo a João XXI em direcção ao Campo Pequeno e sendo proibido virar à esquerda (até aqui tudo normal nos tempos que correm), demorei 40 minutos para chegar à faixa lateral do Campo Pequeno e entrar para estacionar o meu inseparável Panda no Centro Comercial da Praça de Touros. Até lá chegar, notei que os semáforos de atravessamento da República estão quase sempre vermelhos, sendo que o verde, também político-rodoviariamente falando, deveria ser igualmente respeitado. A saída a pé do parque "C-1" do dito CC é sensacional: há que atravessar um túnel em betão imenso, estreito e sinuoso, coisa parecida com os acessos ao "bunker" do Hitler que a TV às vezes nos mostra. Chegado cá fora, outra aventura: o jardim do lado da Defensores de Chaves está ocupado por um estaleiro de qualquer coisa, devidamente protegido por uma forte vedação. Contornado este obstáculo, lá consegui atravessar para a CGD, na passadeira de peões, as oito faixas de rodagem, serpenteando por entre os engarrafados. De passagem perguntei a um condutor (que vinha da Av. de Berna) se tinha ocorrido algum acidente. "Não, isto é mesmo assim todos os dias", desabafou ele resignado. Mais tarde, de regresso da Culturgest, entrei novamente pelo dito túnel pedonal. Erro meu: a porta blindada no fim do labirinto estava fechada por dentro! Diriji-me então aos dois elevadores da "Zona C". Tento o primeiro e depois o segundo: népias! Os ascensores não param no Piso -1, por avaria (viria depois a saber). De regresso à superfície, tento um segundo túnel/labirinto: lá ao fundo, finalmente abro uma porta! - e eis-me a entrar, não no parque de estacionamento, mas numa sala de cinema às escuras, em pleno funcionamento! Resultado: fui buscar o carro utilizando uma rampa de acesso para os automóveis e depois de ter dado duas voltas ao redondel para encontrar a saída (odisseia em tudo idêntica àquela que se vive nos estacionamentos dos estádios do Sporting e do Benfica), lá consegui finalmente ver de novo a luz do dia, feliz e contente por não ter encontrado naqueles subterrâneos desérticos, algum touro ou carteirista. Ainda com a publicidade da EPUL nos ouvidos ("Praça de Entrecampos -* A vida mais perto de tudo"), consigo inverter a marcha no caos da rotunda de Entrecampos e, de regresso à República, meto-me pela faixa lateral (onde o tráfego se escoa muito melhor até ao Saldanha do que pelo túnel - e não há radares!), eis-me chegado às obras do Metro na Duque d'Avila e obrigado - com traço contínuo e tudo - a misturar-me com os autocarros da Carris, sem hipótese de escapar da faixa "Bus". Felizmente que não fui multado, até porque, como todos sabemos, a Polícia de Trânsito e a Municipal têm mais assuntos importantes com que se ocupar em horas de ponta. Atrás de um autocarro com indicativo "727" (deve ser uma homenagem ao avião da Boeing, pensei), lembrei-me do velho "27" que, vindo do Bairro de S. Miguel, me deixava no Liceu Camões e seguia para o Restelo. Nesses tempos era bom frequentar a República, olhar para os seus prédios bonitos e harmoniosos, dava gosto parar e ir tomar uma bica à Versailles, à Ceuta ou ao Sequeira e conspirar contra a ditadura.Hoje, para quem vem do Marquês de Pombal, a República é uma via sem saída. À medida que nos afastamos da Liberdade, por entre túneis, obras e mamarrachos, em frente temos a memória da Guerra Peninsular e só três saídas possíveis: virar à direita para os EUA, cortar à esquerda para as Forças Armadas, ou seguir em frente pelo buraco. Triste sina! Luís Coimbra

marcar artigo