Juízes do Tribunal Constitucional dividem-se politicamente na análise da retroactividade do IRS

10-11-2010
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O acórdão não encontrou inconstitucionalidades, mas os "legisladores" da Constituição de 1997, ouvidos pelo PÚBLICO, não são tão categóricos.

Em Junho passado, a primeira vaga de medidas adicionais ao Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) integrou a criação de um novo escalão de IRS (Lei n.º 11/2010) e um aumento extraordinário de IRS (Lei n.º 12-A/2010).

Era para ser um aumento de um ponto percentual para os contribuintes até ao terceiro escalão do IRS e de 1,5 pontos percentuais a partir do quarto escalão. Mas logo se aventou a ideia de ser inconstitucional, por incidir sobre os rendimentos de Janeiro a Junho de 2010, ou seja, anteriores à sua aprovação. E o Governo hesitou.

Começou por dizer que a lei seria aplicada "para a frente". Depois, voltou atrás e reduziu as taxas. Seriam as que resultariam caso fossem aplicadas a partir de Julho (0,58 em vez de um por cento e 0,88 em vez de 1,5 por cento). Mas manteve a sua incidência sobre a totalidade do rendimento de 2010. O Presidente da República não se convenceu e remeteu as leis para o TC. Mas nem o acórdão foi consensual.

O TC é composto por 13 juízes. Dez deles apontados pela Assembleia da República. O PS indicou cinco - Ana Maria Martins, Gil Galvão, Catarina Sarmento e Castro, Carlos Fernandes Cadilha, Maria João Antunes, Joaquim de Sousa Ribeiro. E o PSD outros cinco - Benjamin Silva Rodrigues, Carlos Pamplona de Oliveira, João Mariano Esteves, José Borges Soeiro e Maria Lúcia Correia. Estes dez juízes escolheram os restantes três magistrados. Um mais próximo do PS (Maria João Antunes), outro do PSD (Rui Moura Ramos) e um terceiro magistrado de carreira (Vítor Gomes).

O acórdão e as declarações de voto são uma esgrima de argumentos jurídico-constitucionais. Mas essas visões distintas acabaram por coincidir com um voto muito político. Os juízes apontados pelo PS votaram pela constitucionalidade. Com eles votou ainda Vítor Gomes, juiz do Supremo Tribunal Administrativo. Contra votaram os apontados pelo PSD (à excepção de Benjamim Rodrigues, que não votou).

A conclusão do acórdão, aprovado por maioria, foi que as medidas "prosseguem um fim constitucionalmente legítimo (...) têm carácter urgente e premente" e "não são susceptíveis de afectar o princípio da confiança" dos contribuintes.

O "espírito" do legislador

Um dos muitos argumentos alegados no acórdão prende-se com os trabalhos da comissão parlamentar eventual de revisão da Constituição (CERC), em 1996/97, e que pode entender-se como o "espírito" do legislador.

Pela primeira vez, a Constituição de 1997 consagrou - ao contrário da maioria dos países - que "ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (...) que tenham natureza retroactiva" (artigo 103.º, ponto 3). E, segundo o acórdão, os trabalhos preparatórios da CERC mostram "de forma cristalina" que os aumentos de IRS como os aprovados em Junho passado tinham ficado fora do conceito de retroactividade. Mas nem isso teve consenso. A juíza Maria Lúcia Amaral acha que "os termos em que decorreu a discussão parlamentar estão longe de permitir a conclusão que o acórdão considera "cristalina"".

Passados quase 15 anos, a memória dos deputados não é detalhada. José Magalhães, ex-deputado do PS e actual secretário de Estado, esquiva-se: "Não se podendo "retocar a pintura", feita a norma, a opinião do ex-deputado-autor vale o mesmo que a de todos os demais hermeneutas", respondeu ao PÚBLICO, sem dar opinião.

Octávio Teixeira (ex-deputado do PCP) ficou com a ideia clara que a ideia era tornar inconstitucional qualquer retroactividade fiscal. Mas admite, neste caso concreto, que se as taxas foram ponderadas, talvez haja margem para alguma flexibilidade.

O acórdão não encontrou inconstitucionalidades, mas os "legisladores" da Constituição de 1997, ouvidos pelo PÚBLICO, não são tão categóricos.

Em Junho passado, a primeira vaga de medidas adicionais ao Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) integrou a criação de um novo escalão de IRS (Lei n.º 11/2010) e um aumento extraordinário de IRS (Lei n.º 12-A/2010).

Era para ser um aumento de um ponto percentual para os contribuintes até ao terceiro escalão do IRS e de 1,5 pontos percentuais a partir do quarto escalão. Mas logo se aventou a ideia de ser inconstitucional, por incidir sobre os rendimentos de Janeiro a Junho de 2010, ou seja, anteriores à sua aprovação. E o Governo hesitou.

Começou por dizer que a lei seria aplicada "para a frente". Depois, voltou atrás e reduziu as taxas. Seriam as que resultariam caso fossem aplicadas a partir de Julho (0,58 em vez de um por cento e 0,88 em vez de 1,5 por cento). Mas manteve a sua incidência sobre a totalidade do rendimento de 2010. O Presidente da República não se convenceu e remeteu as leis para o TC. Mas nem o acórdão foi consensual.

O TC é composto por 13 juízes. Dez deles apontados pela Assembleia da República. O PS indicou cinco - Ana Maria Martins, Gil Galvão, Catarina Sarmento e Castro, Carlos Fernandes Cadilha, Maria João Antunes, Joaquim de Sousa Ribeiro. E o PSD outros cinco - Benjamin Silva Rodrigues, Carlos Pamplona de Oliveira, João Mariano Esteves, José Borges Soeiro e Maria Lúcia Correia. Estes dez juízes escolheram os restantes três magistrados. Um mais próximo do PS (Maria João Antunes), outro do PSD (Rui Moura Ramos) e um terceiro magistrado de carreira (Vítor Gomes).

O acórdão e as declarações de voto são uma esgrima de argumentos jurídico-constitucionais. Mas essas visões distintas acabaram por coincidir com um voto muito político. Os juízes apontados pelo PS votaram pela constitucionalidade. Com eles votou ainda Vítor Gomes, juiz do Supremo Tribunal Administrativo. Contra votaram os apontados pelo PSD (à excepção de Benjamim Rodrigues, que não votou).

A conclusão do acórdão, aprovado por maioria, foi que as medidas "prosseguem um fim constitucionalmente legítimo (...) têm carácter urgente e premente" e "não são susceptíveis de afectar o princípio da confiança" dos contribuintes.

O "espírito" do legislador

Um dos muitos argumentos alegados no acórdão prende-se com os trabalhos da comissão parlamentar eventual de revisão da Constituição (CERC), em 1996/97, e que pode entender-se como o "espírito" do legislador.

Pela primeira vez, a Constituição de 1997 consagrou - ao contrário da maioria dos países - que "ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (...) que tenham natureza retroactiva" (artigo 103.º, ponto 3). E, segundo o acórdão, os trabalhos preparatórios da CERC mostram "de forma cristalina" que os aumentos de IRS como os aprovados em Junho passado tinham ficado fora do conceito de retroactividade. Mas nem isso teve consenso. A juíza Maria Lúcia Amaral acha que "os termos em que decorreu a discussão parlamentar estão longe de permitir a conclusão que o acórdão considera "cristalina"".

Passados quase 15 anos, a memória dos deputados não é detalhada. José Magalhães, ex-deputado do PS e actual secretário de Estado, esquiva-se: "Não se podendo "retocar a pintura", feita a norma, a opinião do ex-deputado-autor vale o mesmo que a de todos os demais hermeneutas", respondeu ao PÚBLICO, sem dar opinião.

Octávio Teixeira (ex-deputado do PCP) ficou com a ideia clara que a ideia era tornar inconstitucional qualquer retroactividade fiscal. Mas admite, neste caso concreto, que se as taxas foram ponderadas, talvez haja margem para alguma flexibilidade.

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