Que Treta!: Treta da semana: Iridologia.

25-05-2011
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A medicina, aquela que agora chamam “convencional” como se fosse mera convenção, é uma grande chatice. As maleitas podem ser provocadas por uma data de coisas, como vírus, fungos, bactérias, priões, genes com defeito, traumas, poluentes ou até movimentos repetitivos. Os sintomas variam muito, problemas diferentes podem ter sinais parecidos e o tratamento é muitas vezes difícil e nem sempre eficaz.

Mas há outras medicinas. Muitas outras. Alternativas, complementares ou simplesmente tradicionais, resolvem estes problemas complexos fingindo que são simples. Não tão simples que qualquer pessoa os trate sozinha, o que não daria dinheiro, mas o suficiente para que um tipo de batinha branca possa tratar de tudo com umas palavras sonantes e ar de quem sabe o que diz. Para isso atribui-se a causa de todos os males a um conjunto pequeno de factores, conjunto esse que varia conforme o gosto do praticante e da sua vítima. Perdão, do seu paciente. Para uns é tudo culpa da coluna desalinhada, para outros é o yin que não se dá com o yang, ou as energias que estão bloqueadas, umas negativas e outras positivas, vibrações enjeitadas, desequilíbrios espirituais ou o que calhar. Desde que o paciente engula, serve. Isto não só simplifica o tratamento como facilita o diagnóstico e permite identificar doenças fictícias de forma rápida e convincente.

Se bem que alguns iridologistas joguem pelo seguro dizendo que a iridologia não faz diagnósticos mas «apenas aponta órgãos fracos, conhecidos como "órgãos de choque" e realiza um trabalho profilático e multidisciplinar»(1), ao mesmo tempo tentam dar credibilidade à arte invocando uma longa tradição de diagnósticos pela íris: «milhares de anos antes de Cristo, já os chineses e os tibetanos relacionavam as alterações e as marcas dos olhos com as perturbações ou anomalias dos órgãos internos. [...]Porém, a palavra “Augendiagnostik”, que significa precisamente "diagnóstico do olho", surge apenas no século XIX, graças ao médico húngaro Ignatz von Péczely.»(2)

Parece que Péczely, quando era novo, tratou uma coruja que tinha uma pata partida e reparou que ela tinha uma marca na parte inferior de um olho. Descobriu assim, de forma expedita, a relação entre muitos sinais na íris e cerca de 50 partes do corpo e respectivas maleitas. Mas como depressa e bem não há quem, a iridologia não funciona. Em 1976 três eminentes iridiologistas dos EUA concordaram testar o seu método examinando as fotografias dos olhos de 143 pessoas para determinar quais tinham problemas renais. Os pacientes tinham sido testados pelos métodos da medicina “convencional” (i.e. aquela que funciona), e os iridologistas falharam redondamente. Nem sequer foram consistentes entre si, com um declarando que 88% dos saudáveis estavam doentes e outro, mais optimista, concluindo que 78% dos doentes estavam saudáveis (3).

Vários outros testes foram sendo feitos noutros países, sempre com resultados negativos. O que não surpreende. Os padrões da íris são relativamente constantes, como as impressões digitais, enquanto que as doenças vão e vêm. Não parece haver mecanismo nenhum pelo qual um pé torcido ou uma unha encravada possam fazer riscas nos olhos. E se bem que os iridologistas aleguem ver na íris o que se passa no resto do corpo, ninguém sabe dos dados originais que demonstram estas correlações. É que para fazer aqueles diagramas indicando que sítio da íris corresponde ao baço, ombro, ovário, maxilar e dezenas de outras partes do corpo (4), e determinar como diagnosticar problemas em cada um, era preciso muito mais que uma coruja com uma perna partida. A menos que seja tudo invenção, é claro.

A Associação Portuguesa de Iridologia (5) oferece cursos de iridologia, «uma ciência que permite avaliar através da observação das estruturas das fibras e pigmentação da íris dos olhos, perturbações orgânicas, metabólicas, nutricionais, nervosas, hormonais, psíquicas e emocionais.» E «a análise da Íris permite-nos conhecer as polaridades cerebrais, o ponto de stress, a introversão ou extroversão de uma pessoa, tendências e características profissionais, padrões de relaccionamento entre casais, a idade em que ocorreu um trauma e como esse trauma pode estar causando ansiedade, sentimentos de inferioridade e depressão». Realmente fabuloso. Só falta dar a programação da TV e o horário dos autocarros.

Menciona também o Instituto Português da Microsemiótica Oftálmica. O nome promete. Talvez noutra semana...

1- Wikipedia, Iridologia
2- Bem tratar, Iridologia: diagnosticar através dos olhos
3- Stephen Barrett, Iridology Is Nonsense
4- Ver, por exemplo, na Wikipedia: olho esquerdo, olho direito.
5- API (não parece dar para ligar directamente às páginas, por isso sigam “Cursos” e “Saber mais” no da iridologia, ou logo o link “Iridologia”).


A medicina, aquela que agora chamam “convencional” como se fosse mera convenção, é uma grande chatice. As maleitas podem ser provocadas por uma data de coisas, como vírus, fungos, bactérias, priões, genes com defeito, traumas, poluentes ou até movimentos repetitivos. Os sintomas variam muito, problemas diferentes podem ter sinais parecidos e o tratamento é muitas vezes difícil e nem sempre eficaz.

Mas há outras medicinas. Muitas outras. Alternativas, complementares ou simplesmente tradicionais, resolvem estes problemas complexos fingindo que são simples. Não tão simples que qualquer pessoa os trate sozinha, o que não daria dinheiro, mas o suficiente para que um tipo de batinha branca possa tratar de tudo com umas palavras sonantes e ar de quem sabe o que diz. Para isso atribui-se a causa de todos os males a um conjunto pequeno de factores, conjunto esse que varia conforme o gosto do praticante e da sua vítima. Perdão, do seu paciente. Para uns é tudo culpa da coluna desalinhada, para outros é o yin que não se dá com o yang, ou as energias que estão bloqueadas, umas negativas e outras positivas, vibrações enjeitadas, desequilíbrios espirituais ou o que calhar. Desde que o paciente engula, serve. Isto não só simplifica o tratamento como facilita o diagnóstico e permite identificar doenças fictícias de forma rápida e convincente.

Se bem que alguns iridologistas joguem pelo seguro dizendo que a iridologia não faz diagnósticos mas «apenas aponta órgãos fracos, conhecidos como "órgãos de choque" e realiza um trabalho profilático e multidisciplinar»(1), ao mesmo tempo tentam dar credibilidade à arte invocando uma longa tradição de diagnósticos pela íris: «milhares de anos antes de Cristo, já os chineses e os tibetanos relacionavam as alterações e as marcas dos olhos com as perturbações ou anomalias dos órgãos internos. [...]Porém, a palavra “Augendiagnostik”, que significa precisamente "diagnóstico do olho", surge apenas no século XIX, graças ao médico húngaro Ignatz von Péczely.»(2)

Parece que Péczely, quando era novo, tratou uma coruja que tinha uma pata partida e reparou que ela tinha uma marca na parte inferior de um olho. Descobriu assim, de forma expedita, a relação entre muitos sinais na íris e cerca de 50 partes do corpo e respectivas maleitas. Mas como depressa e bem não há quem, a iridologia não funciona. Em 1976 três eminentes iridiologistas dos EUA concordaram testar o seu método examinando as fotografias dos olhos de 143 pessoas para determinar quais tinham problemas renais. Os pacientes tinham sido testados pelos métodos da medicina “convencional” (i.e. aquela que funciona), e os iridologistas falharam redondamente. Nem sequer foram consistentes entre si, com um declarando que 88% dos saudáveis estavam doentes e outro, mais optimista, concluindo que 78% dos doentes estavam saudáveis (3).

Vários outros testes foram sendo feitos noutros países, sempre com resultados negativos. O que não surpreende. Os padrões da íris são relativamente constantes, como as impressões digitais, enquanto que as doenças vão e vêm. Não parece haver mecanismo nenhum pelo qual um pé torcido ou uma unha encravada possam fazer riscas nos olhos. E se bem que os iridologistas aleguem ver na íris o que se passa no resto do corpo, ninguém sabe dos dados originais que demonstram estas correlações. É que para fazer aqueles diagramas indicando que sítio da íris corresponde ao baço, ombro, ovário, maxilar e dezenas de outras partes do corpo (4), e determinar como diagnosticar problemas em cada um, era preciso muito mais que uma coruja com uma perna partida. A menos que seja tudo invenção, é claro.

A Associação Portuguesa de Iridologia (5) oferece cursos de iridologia, «uma ciência que permite avaliar através da observação das estruturas das fibras e pigmentação da íris dos olhos, perturbações orgânicas, metabólicas, nutricionais, nervosas, hormonais, psíquicas e emocionais.» E «a análise da Íris permite-nos conhecer as polaridades cerebrais, o ponto de stress, a introversão ou extroversão de uma pessoa, tendências e características profissionais, padrões de relaccionamento entre casais, a idade em que ocorreu um trauma e como esse trauma pode estar causando ansiedade, sentimentos de inferioridade e depressão». Realmente fabuloso. Só falta dar a programação da TV e o horário dos autocarros.

Menciona também o Instituto Português da Microsemiótica Oftálmica. O nome promete. Talvez noutra semana...

1- Wikipedia, Iridologia
2- Bem tratar, Iridologia: diagnosticar através dos olhos
3- Stephen Barrett, Iridology Is Nonsense
4- Ver, por exemplo, na Wikipedia: olho esquerdo, olho direito.
5- API (não parece dar para ligar directamente às páginas, por isso sigam “Cursos” e “Saber mais” no da iridologia, ou logo o link “Iridologia”).

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