Bebedeiras de Jazz: Salt Peanuts*

18-12-2009
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Henri Matisse - Le Lanceur de Couteaux - quadro XV da série JazzRecolhimento parece ser a palavra chave para chegar ao céu. Recolhimento. Recato. Vergonha na cara. E na ponta dos dedos. As misérias pequeninas que vivemos não se expõem assim como roupa a pingar no arame. Sobretudo se a roupa estiver rota. Ou muito mal lavada. Não se expõem assim. Nem as misérias. Nem as felicidades. Nem as paixões. Nem a morte. Nem a vida, afinal, se expôe assim. Para se chegar ao céu. De alguns. Parece que o sofrimento exige silêncio. O amor implora contenção de palavras. E a vida só pode ser vivida segundo apurados princípios que não entendo. Até desconheço. Não sou mulher recatada. Nem recolhida. Faço um barulho do caraças por tudo e por nada. Não acho que a dor, ou o seu contrário, sejam tão nossas que não possam ser ditas. Isso deve fazer de mim uma péssima pessoa. Então sou. Essa pessoa péssima. Que ouve, por exemplo, esta música. E, ao mesmo tempo, tem o descaramento. A pouca-vergonha. De sofrer. E de dizer. Que sofre. Ou que ama. Ou que se apaixona. Ou que já não ama. Ou que se enganou ou a enganaram. Ou. Sei que nada do que aqui se escreve - dor, misérias pequeninas, amores, desamores, paixões e vida - tem qualquer interesse. Se alguma coisa tem interesse neste lugar não são as palavras. Mas a música. De qualquer modo eu não acredito no céu (a menos que o céu seja um lugar onde ninguém tenha morrido, onde se ouça sempre jazz, onde se possa beber uma guinness sossegadamente e onde ofereçam amendoins salgados). * Bud Powell, Dizzie Gillespie, Charlie Parker, The Quintet, Max Roach (3:13) in 'Jazz at Massey Hall'


Henri Matisse - Le Lanceur de Couteaux - quadro XV da série JazzRecolhimento parece ser a palavra chave para chegar ao céu. Recolhimento. Recato. Vergonha na cara. E na ponta dos dedos. As misérias pequeninas que vivemos não se expõem assim como roupa a pingar no arame. Sobretudo se a roupa estiver rota. Ou muito mal lavada. Não se expõem assim. Nem as misérias. Nem as felicidades. Nem as paixões. Nem a morte. Nem a vida, afinal, se expôe assim. Para se chegar ao céu. De alguns. Parece que o sofrimento exige silêncio. O amor implora contenção de palavras. E a vida só pode ser vivida segundo apurados princípios que não entendo. Até desconheço. Não sou mulher recatada. Nem recolhida. Faço um barulho do caraças por tudo e por nada. Não acho que a dor, ou o seu contrário, sejam tão nossas que não possam ser ditas. Isso deve fazer de mim uma péssima pessoa. Então sou. Essa pessoa péssima. Que ouve, por exemplo, esta música. E, ao mesmo tempo, tem o descaramento. A pouca-vergonha. De sofrer. E de dizer. Que sofre. Ou que ama. Ou que se apaixona. Ou que já não ama. Ou que se enganou ou a enganaram. Ou. Sei que nada do que aqui se escreve - dor, misérias pequeninas, amores, desamores, paixões e vida - tem qualquer interesse. Se alguma coisa tem interesse neste lugar não são as palavras. Mas a música. De qualquer modo eu não acredito no céu (a menos que o céu seja um lugar onde ninguém tenha morrido, onde se ouça sempre jazz, onde se possa beber uma guinness sossegadamente e onde ofereçam amendoins salgados). * Bud Powell, Dizzie Gillespie, Charlie Parker, The Quintet, Max Roach (3:13) in 'Jazz at Massey Hall'

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