PALAVROSSAVRVS REX: REBOCAR 1100 CARROS POR MÊS?

05-08-2010
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Querem que eu me sinta como?Ida à maternidade para mais uma ecografia de rotina. Demora habitual na sala de espera, com mulheres e companheiros atafulhando o espaço,os filhos pequenos correndo e brincando e gritando nas imediações,a minha filha correndo, rindo e gritando com as outras crianças,lindo de se ver. Alguém, dentre os pais, fotografa este espectáculo.lkjOs casais são como eu e a minha mulher, enquanto casal: ele é português, ela é ucraniana.Ela é brasileira, ele é português. Ele é brasileiro, ela é portuguesa. Quando não vêm com eles, elas vêm com as irmãs,com as cunhadas, com as mães, com as sogras, com o filho mais novo. E vêm sisudas, vêm pesadas de cenho,sem leveza de semblante, sem alegria, sem esperança, sem entusiasmo, tensas, fechadas.Aqui e ali, um esparso sorriso pois qualquer longa espera nos deixa prostrados,como que esvaziados de alma e com o rosto anuviado.lkjLonga espera. Espera que espera. Sempre em pé, caminho de um lado para o outro, levanto o queixo, olhar descaído,e ainda existe um João Baião a exuberantizar o ecrã estridente da Televisão.Duas horas depois, finalmente, somos três na pequena sala onde o médicotrabalha com o seu computador e a sua sonda-Doppler, marcando e medindo o meu bebé internado no ventre da minha mulher que em breve nos fará quatro. Mãozita aqui. Ali o joelhito. Acolá o rosto.Talvez venha a ser uma menina, mas ainda não sabemos.lkjBebé com todos os indicadores normais.Mulher com dores de cabeça, passagem pela secretaria a fim de marcar outras consultas.Tentar medir as tensões. Nada feito. Espera que espera, não vale a pena. Na farmácia mais próxima, talvez façamos isso, medir as tensões.Vamos embora os três, filha ensonada, no meu colo, e mulher com as suas dores.Mas e o carro? Onde está o meu carro? Fila de um lado, fila de outro, multidão de carrosestacionados sobre o passeio com notas de infracção e só o meu desaparecido?lkjRais'ma'foda a sorte. Dinheiro contadinho para a semana e não mais. Telemóvel morto. Desespero. Desalento. Uma fúria infinita e indescritível ali contida.Nem sequer posso telefonar para casa a avisar, a pedir auxílio. Ali está um Táxi: «Onde fica o parque mais próximo para carros rebocados pela Câmera?», pergunto.lkjO taxista, que estava a dormir e a quem abruptamente acordo, diz-me que há vários.Isso eu o sei, mas é natural que, reboque por reboque, mo tenham rebocado para o parque mais próximo a esta Maternidade.«Há aqui bem próximo um.» Mando entrar a família. Entro também, mas dou uma cabeçada displicente na arcada da porta do Mercedes. Foda-se que a culpa é minha!Lá chegámos. Certifico-me da entrada do meu automóvel. Matrícula.É verdade. Ei-lo lá.çlkFuncionário desdentado, no guichet, contente com a vida, inocente, procura desdramatizar-me a questão, sorrindo muito e tentando conversar aquela conversahabitual com que não se consola nem se alivia ninguém. Requisita-me os documentos.Os operadores do reboque, lá ao fundo, pachorrentamente, preguiçosamente, estiram-senas partes onde um homem pode deitar-se e recostar-se nos vários reboques, fumam,não conversam, nada mais fazem senão apoiar as suas cabeças nas suas mãos,perna dependurada, bamba, oscilando dos seus reboques, enquanto a músicaescorre dos rádios do reboque. Observam-me a chorar, a limpar-me as lágrimas e o ranho.Ficam a ver, como os soldados romanos aos pés da cruz, até onde irá minha paciência, até que ponto me conterei.O espectáculo de uma mulher grávida, um homem mais adiante à parte a chorar, uma menina de dois anos inocente por ali a saltitar, tudo isto talvez os faça pensar no que têm lá em casae na merda de trabalho que os obrigam a desempenhar.Mais dez minutos e saem do bonito serviço.Estou desesperado.lkjA vista dali, toda a foz do Rio Douro, os cinzentos nublados longínquos obnubilam o sol, a ponte da Arrábida cheia de tráfego e aparecendo-me em toda a sua largura, como que ao alcance da minha mão, com os seus camiões pesados, enormes,por baixo um rio agitado, como chumbo derretido a verter imparável numa forma interminável e afastando-se de mim, rumo ao mar, onde alguns navios aguardando porto têm as cidadelas já acesas.lkjChorei. Chorei de raiva. Chorei de ódio. Chorei convulsivamente de frustração.A cidade do Porto, a cidade de Gaia, o País, chamado Portugal,está a gerar em mim semelhantes anti-corpos, sinto de tal maneira impossível a minha vida aqui,que o asco e o desprezo mais sincero por isto tomam conta de mim.A Segurança Social tem os seus pagamentos atrasados. Já não cumpre prazos.Os combustíveis sobem 15 vezes, neste ano, num despudor que custa a perceber como se tolera.Em Bruxelas só agora a o Conselho dos Ministros das Finanças apoda de escandalosasas remunerações de certos gestores e em Portugal ainda se vai estudaros casos e avaliar e averiguar... O PM fuma no nosso avião fretado e não sabe da lei,o comandante de bordo diz que é normal, pedem-se desculpas, alega-se ignorância,há quem considere isto uma perseguição, coitado do homem, deixem fumar o homem.lkjNão estou em condições de tratar com o funcionário da Câmera, o tal indivíduo desdentado, magro, cabelo ralo, com óculos e na casa dos cinquenta do guichet de este Parque de Rebocados, só consigo chorar esta mágoa e esta raiva.A coima inescapável é todo o meu dinheiro da semana, 60 euros, é tudo o que tenho.A minha mulher tem equilíbrio para isso e faz as minhas vezes. Filha correndo e brincando pelo parque. Eu aqui sentado, fodido, numa raiva mortífera.Deixem-me. Estou para lá dos meus limites.lkjSr. Rui Rio e o seu verador da mobilidade, Lino Ferreira,queiram ter vergonha. Se é pelo exemplo e pelo dinheiro, reboquem selectivamente:reboquem os carros abusivos dos Senhores Doutores com Pressa à frente das Marisqueiras,do Capa Negra I e II, da Marisqueira da Praça da Galiza. Façam o vosso trabalhoe escolham quem pode pagar sem ter vontade de vos espancar a todos, como eu agora tenho que até babo furioso, zangado.lkjVocês sabem e eu sei que os piores maus tratos verbais a que os vossos fiscais se sujeitam(quando os carros rebocados são os de suas excelências e as coimas são para suas excelências) são os dos shô-doutores de peso na cidade, mas mesmo assim, insisto,escolham os patos bravos, escolham os maiorais, escolham os shô-doutores,não me fodam a mim, já basta, não me fodam, não me fodam!Dr. Rui Rio, Dr. Lino Ferreira, não me fodam, pode ser?!


Querem que eu me sinta como?Ida à maternidade para mais uma ecografia de rotina. Demora habitual na sala de espera, com mulheres e companheiros atafulhando o espaço,os filhos pequenos correndo e brincando e gritando nas imediações,a minha filha correndo, rindo e gritando com as outras crianças,lindo de se ver. Alguém, dentre os pais, fotografa este espectáculo.lkjOs casais são como eu e a minha mulher, enquanto casal: ele é português, ela é ucraniana.Ela é brasileira, ele é português. Ele é brasileiro, ela é portuguesa. Quando não vêm com eles, elas vêm com as irmãs,com as cunhadas, com as mães, com as sogras, com o filho mais novo. E vêm sisudas, vêm pesadas de cenho,sem leveza de semblante, sem alegria, sem esperança, sem entusiasmo, tensas, fechadas.Aqui e ali, um esparso sorriso pois qualquer longa espera nos deixa prostrados,como que esvaziados de alma e com o rosto anuviado.lkjLonga espera. Espera que espera. Sempre em pé, caminho de um lado para o outro, levanto o queixo, olhar descaído,e ainda existe um João Baião a exuberantizar o ecrã estridente da Televisão.Duas horas depois, finalmente, somos três na pequena sala onde o médicotrabalha com o seu computador e a sua sonda-Doppler, marcando e medindo o meu bebé internado no ventre da minha mulher que em breve nos fará quatro. Mãozita aqui. Ali o joelhito. Acolá o rosto.Talvez venha a ser uma menina, mas ainda não sabemos.lkjBebé com todos os indicadores normais.Mulher com dores de cabeça, passagem pela secretaria a fim de marcar outras consultas.Tentar medir as tensões. Nada feito. Espera que espera, não vale a pena. Na farmácia mais próxima, talvez façamos isso, medir as tensões.Vamos embora os três, filha ensonada, no meu colo, e mulher com as suas dores.Mas e o carro? Onde está o meu carro? Fila de um lado, fila de outro, multidão de carrosestacionados sobre o passeio com notas de infracção e só o meu desaparecido?lkjRais'ma'foda a sorte. Dinheiro contadinho para a semana e não mais. Telemóvel morto. Desespero. Desalento. Uma fúria infinita e indescritível ali contida.Nem sequer posso telefonar para casa a avisar, a pedir auxílio. Ali está um Táxi: «Onde fica o parque mais próximo para carros rebocados pela Câmera?», pergunto.lkjO taxista, que estava a dormir e a quem abruptamente acordo, diz-me que há vários.Isso eu o sei, mas é natural que, reboque por reboque, mo tenham rebocado para o parque mais próximo a esta Maternidade.«Há aqui bem próximo um.» Mando entrar a família. Entro também, mas dou uma cabeçada displicente na arcada da porta do Mercedes. Foda-se que a culpa é minha!Lá chegámos. Certifico-me da entrada do meu automóvel. Matrícula.É verdade. Ei-lo lá.çlkFuncionário desdentado, no guichet, contente com a vida, inocente, procura desdramatizar-me a questão, sorrindo muito e tentando conversar aquela conversahabitual com que não se consola nem se alivia ninguém. Requisita-me os documentos.Os operadores do reboque, lá ao fundo, pachorrentamente, preguiçosamente, estiram-senas partes onde um homem pode deitar-se e recostar-se nos vários reboques, fumam,não conversam, nada mais fazem senão apoiar as suas cabeças nas suas mãos,perna dependurada, bamba, oscilando dos seus reboques, enquanto a músicaescorre dos rádios do reboque. Observam-me a chorar, a limpar-me as lágrimas e o ranho.Ficam a ver, como os soldados romanos aos pés da cruz, até onde irá minha paciência, até que ponto me conterei.O espectáculo de uma mulher grávida, um homem mais adiante à parte a chorar, uma menina de dois anos inocente por ali a saltitar, tudo isto talvez os faça pensar no que têm lá em casae na merda de trabalho que os obrigam a desempenhar.Mais dez minutos e saem do bonito serviço.Estou desesperado.lkjA vista dali, toda a foz do Rio Douro, os cinzentos nublados longínquos obnubilam o sol, a ponte da Arrábida cheia de tráfego e aparecendo-me em toda a sua largura, como que ao alcance da minha mão, com os seus camiões pesados, enormes,por baixo um rio agitado, como chumbo derretido a verter imparável numa forma interminável e afastando-se de mim, rumo ao mar, onde alguns navios aguardando porto têm as cidadelas já acesas.lkjChorei. Chorei de raiva. Chorei de ódio. Chorei convulsivamente de frustração.A cidade do Porto, a cidade de Gaia, o País, chamado Portugal,está a gerar em mim semelhantes anti-corpos, sinto de tal maneira impossível a minha vida aqui,que o asco e o desprezo mais sincero por isto tomam conta de mim.A Segurança Social tem os seus pagamentos atrasados. Já não cumpre prazos.Os combustíveis sobem 15 vezes, neste ano, num despudor que custa a perceber como se tolera.Em Bruxelas só agora a o Conselho dos Ministros das Finanças apoda de escandalosasas remunerações de certos gestores e em Portugal ainda se vai estudaros casos e avaliar e averiguar... O PM fuma no nosso avião fretado e não sabe da lei,o comandante de bordo diz que é normal, pedem-se desculpas, alega-se ignorância,há quem considere isto uma perseguição, coitado do homem, deixem fumar o homem.lkjNão estou em condições de tratar com o funcionário da Câmera, o tal indivíduo desdentado, magro, cabelo ralo, com óculos e na casa dos cinquenta do guichet de este Parque de Rebocados, só consigo chorar esta mágoa e esta raiva.A coima inescapável é todo o meu dinheiro da semana, 60 euros, é tudo o que tenho.A minha mulher tem equilíbrio para isso e faz as minhas vezes. Filha correndo e brincando pelo parque. Eu aqui sentado, fodido, numa raiva mortífera.Deixem-me. Estou para lá dos meus limites.lkjSr. Rui Rio e o seu verador da mobilidade, Lino Ferreira,queiram ter vergonha. Se é pelo exemplo e pelo dinheiro, reboquem selectivamente:reboquem os carros abusivos dos Senhores Doutores com Pressa à frente das Marisqueiras,do Capa Negra I e II, da Marisqueira da Praça da Galiza. Façam o vosso trabalhoe escolham quem pode pagar sem ter vontade de vos espancar a todos, como eu agora tenho que até babo furioso, zangado.lkjVocês sabem e eu sei que os piores maus tratos verbais a que os vossos fiscais se sujeitam(quando os carros rebocados são os de suas excelências e as coimas são para suas excelências) são os dos shô-doutores de peso na cidade, mas mesmo assim, insisto,escolham os patos bravos, escolham os maiorais, escolham os shô-doutores,não me fodam a mim, já basta, não me fodam, não me fodam!Dr. Rui Rio, Dr. Lino Ferreira, não me fodam, pode ser?!

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