O Cachimbo de Magritte: Educação sexual e preservativos

28-12-2009
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O João Galamba não tem razão quando parte do princípio de que o Luís Rainha cometeu um erro. Conforme escrevi, o Luís Rainha tem razão quando se insurge contra a possibilidade de esta ou aquela pessoa ter uma palavra a dizer sobre a vida sexual dos seus filhos. Independentemente do que pensa este ou aquele protagonista político, a educação sexual dos filhos diz respeito, primeiramente, aos pais. Assim acontece com a educação em sentido lato (art. 26º da Declaração Universal dos Direitos do Homem) e assim acontece, por maioria de razão, com a educação sexual.Entretanto, o Luís Rainha acrescentou que eu peguei mal na coisa, já que o problema, para ele, não é a existência desta ou daquela pessoa ter uma palavra a dizer acerca da educação sexual dos filhos, mas antes desta ou daquela pessoa não recorrer a estudos especializados para fundamentar a sua posição. Não estou a ver como é que acentuar a diferença entre a distribuição de preservativos nas escolas e a máquina de distribuição de água (Maria de Belém) ou a diferença entre a escola e o carnaval do Rio (José Junqueiro) carece de explicação científica. Por outro lado, o Luís Rainha conhece, certamente, os argumentos que os críticos da educação sexual nas escolas avançam, pelo que, caso esteja interessado em discutir o tema com outra elevação, tem muito por onde pegar. No que a mim diz respeito, já escrevi uma outra coisa sobre a educação sexual nas escolas, e tentei discutir o tema com argumentos razoáveis. Mas o debate político democrático não se faz apenas com argumentos. A metáfora, menos ou mais subtil, também tem um poder retórico que não pode ser descartado. E, de facto, a escola não é o carnaval do Rio.O João Galamba pergunta-me porque é que devemos limitar o acesso das crianças e adolescentes ao preservativo, já que o preservativo “pode” proteger a saúde pública. Eu encontro publicidade ao preservativo nas ruas, na televisão, no cinema, nas revistas, em praticamente todo o lado, pelo que a sugestão de que os críticos da distribuição dos preservativos nas escolas pretendem limitar o seu acesso não é inteiramente honesta. Por outro lado, não é evidente que o preservativo seja a forma mais eficaz de evitar a gravidez na adolescência e a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis. O preservativo pode proteger a saúde pública, mas existem, ainda, outras formas eficazes de proteger a saúde pública. Não conheço nenhuma teoria científica ou estudo de caso que demonstre que o preservativo é a melhor forma de evitar a gravidez na adolescência e a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis; pelo contrário, umas vezes leio cientistas que se inclinam nesse sentido, outras vezes leio cientistas que dizem exactamente o contrário. Estranhamente – ou talvez não – eu não encontro qualquer promoção destas outras formas de viver a sexualidade nas ruas, na televisão, no cinema e nas revistas. Se eu verificasse uma equidistância do Estado (que é quem habitualmente promove as campanhas de promoção do preservativo) face às diferentes formas de protecção da saúde pública, certamente que a minha posição crítica da educação sexual que se pretende implementar nas escolas seria mitigada.O preservativo deve ser procurado pelos interessados e não imposto a quem o não quer; o mesmo se passa com a educação sexual nas escolas, onde acho de extremo mau gosto e insensibilidade que se obrigue rapazes e raparigas a discutir publicamente questões de âmbito sexual, que naturalmente podem suscitar alguns constrangimentos e ferir algumas almas mais delicadas (afinal, a sexualidade ainda faz parte do domínio privado das pessoas). A escola é, desde há muito, o lugar privilegiado para o poder político impor uma visão particular do homem, da sociedade e do mundo. As crianças passam uma grande parte do seu dia nas escolas; a maioria delas ainda olha os professores como uma autoridade; num tempo como o nosso, em que existe uma divergência assinalável entre diferentes pessoas, e grupos de pessoas, acerca do significado da vida, da família e da sexualidade, a promoção de uma educação sexual particular não pode deixar de implicar uma violação dos direitos e liberdades de educação de tantas e tantas pessoas que dela discordam. Estes direitos e liberdade têm de ser garantidos na escola, precisamente porque as crianças e adolescentes não podem deixar de a frequentar (e, especialmente, porque as famílias com menos recursos financeiros não têm qualquer alternativa à escola estatal). Mais ainda, eu não percebo porque motivo a preocupação com aquelas crianças e adolescentes que carecem de uma boa educação sexual familiar se sobrepõe à preocupação com aquelas crianças e adolescentes que têm uma boa educação sexual familiar. Em minha opinião, a promoção da liberdade de uns não tem necessariamente de ser feita à custa da limitação da liberdade de outros. Não percebo porque é que a educação sexual nas escolas tem de ser universal e não uma opção livre das famílias. Se a liberdade não é irrelevante, se o que se tenta aqui não é a imposição de uma nova moral pública, então importa arranjar uma solução de compromisso que sirva todas as pessoas e não apenas algumas. A distribuição de preservativos na escola não é uma solução de compromisso. A obrigatoriedade da educação sexual nas escolas também não é uma solução de compromisso.(E, por favor, não venham aqui dizer que o que eu proponho é que os pais possam decidir sobre os conteúdos curriculares da matemática, da física e da biologia, ou que estou a abrir a possibilidade de haver em Portugal madraças islâmicas. Uma coisa é a ciência, outra bem diferente é a educação sexual; uma coisa é o fundamentalismo islâmico, outra bem diferente é a forma que cada pessoa livremente escolhe para viver a sexualidade. O que subjaz ao regime de educação sexual nas escolas não é a preocupação pelas crianças e adolescentes que dela carecem por falta de apoio familiar, facto que se comprova quando se insiste na universalidade da educação sexual; o que subjaz ao regime de educação sexual nas escolas é antes a tentativa de se transformar e direccionar a mentalidade dos portugueses, mesmo daqueles, sobretudo daqueles, que recusam transformar a sua mentalidade e ser dirigidos por caminhos que desaprovam. Enquanto persistirem na ideia da universalidade da educação sexual nas escolas, dificilmente conseguem mostrar que eu estou errado.)


O João Galamba não tem razão quando parte do princípio de que o Luís Rainha cometeu um erro. Conforme escrevi, o Luís Rainha tem razão quando se insurge contra a possibilidade de esta ou aquela pessoa ter uma palavra a dizer sobre a vida sexual dos seus filhos. Independentemente do que pensa este ou aquele protagonista político, a educação sexual dos filhos diz respeito, primeiramente, aos pais. Assim acontece com a educação em sentido lato (art. 26º da Declaração Universal dos Direitos do Homem) e assim acontece, por maioria de razão, com a educação sexual.Entretanto, o Luís Rainha acrescentou que eu peguei mal na coisa, já que o problema, para ele, não é a existência desta ou daquela pessoa ter uma palavra a dizer acerca da educação sexual dos filhos, mas antes desta ou daquela pessoa não recorrer a estudos especializados para fundamentar a sua posição. Não estou a ver como é que acentuar a diferença entre a distribuição de preservativos nas escolas e a máquina de distribuição de água (Maria de Belém) ou a diferença entre a escola e o carnaval do Rio (José Junqueiro) carece de explicação científica. Por outro lado, o Luís Rainha conhece, certamente, os argumentos que os críticos da educação sexual nas escolas avançam, pelo que, caso esteja interessado em discutir o tema com outra elevação, tem muito por onde pegar. No que a mim diz respeito, já escrevi uma outra coisa sobre a educação sexual nas escolas, e tentei discutir o tema com argumentos razoáveis. Mas o debate político democrático não se faz apenas com argumentos. A metáfora, menos ou mais subtil, também tem um poder retórico que não pode ser descartado. E, de facto, a escola não é o carnaval do Rio.O João Galamba pergunta-me porque é que devemos limitar o acesso das crianças e adolescentes ao preservativo, já que o preservativo “pode” proteger a saúde pública. Eu encontro publicidade ao preservativo nas ruas, na televisão, no cinema, nas revistas, em praticamente todo o lado, pelo que a sugestão de que os críticos da distribuição dos preservativos nas escolas pretendem limitar o seu acesso não é inteiramente honesta. Por outro lado, não é evidente que o preservativo seja a forma mais eficaz de evitar a gravidez na adolescência e a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis. O preservativo pode proteger a saúde pública, mas existem, ainda, outras formas eficazes de proteger a saúde pública. Não conheço nenhuma teoria científica ou estudo de caso que demonstre que o preservativo é a melhor forma de evitar a gravidez na adolescência e a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis; pelo contrário, umas vezes leio cientistas que se inclinam nesse sentido, outras vezes leio cientistas que dizem exactamente o contrário. Estranhamente – ou talvez não – eu não encontro qualquer promoção destas outras formas de viver a sexualidade nas ruas, na televisão, no cinema e nas revistas. Se eu verificasse uma equidistância do Estado (que é quem habitualmente promove as campanhas de promoção do preservativo) face às diferentes formas de protecção da saúde pública, certamente que a minha posição crítica da educação sexual que se pretende implementar nas escolas seria mitigada.O preservativo deve ser procurado pelos interessados e não imposto a quem o não quer; o mesmo se passa com a educação sexual nas escolas, onde acho de extremo mau gosto e insensibilidade que se obrigue rapazes e raparigas a discutir publicamente questões de âmbito sexual, que naturalmente podem suscitar alguns constrangimentos e ferir algumas almas mais delicadas (afinal, a sexualidade ainda faz parte do domínio privado das pessoas). A escola é, desde há muito, o lugar privilegiado para o poder político impor uma visão particular do homem, da sociedade e do mundo. As crianças passam uma grande parte do seu dia nas escolas; a maioria delas ainda olha os professores como uma autoridade; num tempo como o nosso, em que existe uma divergência assinalável entre diferentes pessoas, e grupos de pessoas, acerca do significado da vida, da família e da sexualidade, a promoção de uma educação sexual particular não pode deixar de implicar uma violação dos direitos e liberdades de educação de tantas e tantas pessoas que dela discordam. Estes direitos e liberdade têm de ser garantidos na escola, precisamente porque as crianças e adolescentes não podem deixar de a frequentar (e, especialmente, porque as famílias com menos recursos financeiros não têm qualquer alternativa à escola estatal). Mais ainda, eu não percebo porque motivo a preocupação com aquelas crianças e adolescentes que carecem de uma boa educação sexual familiar se sobrepõe à preocupação com aquelas crianças e adolescentes que têm uma boa educação sexual familiar. Em minha opinião, a promoção da liberdade de uns não tem necessariamente de ser feita à custa da limitação da liberdade de outros. Não percebo porque é que a educação sexual nas escolas tem de ser universal e não uma opção livre das famílias. Se a liberdade não é irrelevante, se o que se tenta aqui não é a imposição de uma nova moral pública, então importa arranjar uma solução de compromisso que sirva todas as pessoas e não apenas algumas. A distribuição de preservativos na escola não é uma solução de compromisso. A obrigatoriedade da educação sexual nas escolas também não é uma solução de compromisso.(E, por favor, não venham aqui dizer que o que eu proponho é que os pais possam decidir sobre os conteúdos curriculares da matemática, da física e da biologia, ou que estou a abrir a possibilidade de haver em Portugal madraças islâmicas. Uma coisa é a ciência, outra bem diferente é a educação sexual; uma coisa é o fundamentalismo islâmico, outra bem diferente é a forma que cada pessoa livremente escolhe para viver a sexualidade. O que subjaz ao regime de educação sexual nas escolas não é a preocupação pelas crianças e adolescentes que dela carecem por falta de apoio familiar, facto que se comprova quando se insiste na universalidade da educação sexual; o que subjaz ao regime de educação sexual nas escolas é antes a tentativa de se transformar e direccionar a mentalidade dos portugueses, mesmo daqueles, sobretudo daqueles, que recusam transformar a sua mentalidade e ser dirigidos por caminhos que desaprovam. Enquanto persistirem na ideia da universalidade da educação sexual nas escolas, dificilmente conseguem mostrar que eu estou errado.)

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