O Cachimbo de Magritte: As eleições nos Açores

25-01-2011
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Ontem, fui ao telejornal da RTP2 comentar as eleições açorianas. Um amigo recomendou o meu nome, o que me deixou surpreendido - porque pensava que era um amigo. Fiz a mais vil agitprop: apesar da maioria absoluta do PS, que Sócrates aproveitou para decretar o início de um novo ciclo político cor-de-rosa, a principal conclusão a retirar dos resultados não é essa. Na verdade, o PS desceu (passou de 57% nas eleições de 2004 para pouco menos de 50% anteontem) e perdeu 15 mil votos, num total de 190 mil eleitores. Quanto ao PSD, que tinha tido 37% em coligação com o CDS, teve agora 30%. Por sua vez, o CDS, concorrendo isolado, teve perto de 9%, o que pode considerar-se muito bom. E significa, contas feitas, que a direita no seu conjunto não desceu em relação a 2004.Não estou a minimizar a derrota do PSD. Algo está mal se o PSD, concorrendo em listas próprias, tem proporcionalmente os mesmos resultados que teve há quatro anos, em coligação. Como algo está mal se o PSD, a nível nacional, não capitaliza a insatisafação de muita gente com Sócrates. A pergunta a fazer é, pois, a seguinte: se o PS desceu e o PSD não subiu, para onde foram os votos perdidos por Carlos César?A resposta é óbvia. Foram para a extrema-esquerda e para a abstenção. O que é um sintoma de que a crise económica e social (ou a sensação de crise, o que vem a dar no mesmo) condicionou fortemente estes resultados. Vejamos. O PCP, com um pouco menos de 3% no Domingo, repetiu mais ou menos os 3% de 2004, embora graças ao novo sistema eleitoral, que favorece a proporcionalidade do voto e portanto os pequenos partidos, recupere o deputado que em tempos tivera. Não é uma surpresa. O eleitorado comunista é extremamente fiel e os únicos votos que o PCP vai perder nos próximos tempos serão arrebatados pela morte. A grande surpresa vem, no entanto, do Bloco de Esquerda, que triplica o seu resultado (passa de 1% para 3%) e elege representação parlamentar pela primeira vez - e logo dois deputados. Tendo em conta o tradicional conservadorismo da sociedade açoriana, que votou esmagadoramente "não" no referendo do aborto, isto pode ter duas leituras. Por um lado, parece haver uma mudança sociológica nos Açores, provocada pela terciarização da população activa e por uma maior concentração urbana, factores que em geral dão bons resultados ao Bloco. Por outro, o próprio partido estará a perder a imagem extremista que o caracterizava, transformação que tavez se deva ao seu recentramento ideológico ou a candidatos particularmente carismáticos.A última e principal nota fica para os números históricos da abstenção. De 45% em 2004, passou para 53%. Não sei onde é que li, mas acredito: terá sido a primeira vez na história da democracia portuguesa que a abstenção ultrapassou a mítica barreira da metade dos eleitores. Em 190 mil recenseados, votaram 90 mil. É um preocupante sintoma de anomia política, de falta de esperança, de descrença nos partidos, mas sobretudo uma monumental bofetada de luva branca no PS e no PSD. Ninguém vota no CDS ou no Bloco por serem uma alternativa de poder. Em resumo, foi o voto de protesto que ganhou nos Açores. O PSD terá perdido votos para o CDS, o PS para o BE e ambos, ainda que mais o PS, para a abstenção. A um ano de legislativas nacionais, a grande pergunta é se isto se vai repetir no Continente.


Ontem, fui ao telejornal da RTP2 comentar as eleições açorianas. Um amigo recomendou o meu nome, o que me deixou surpreendido - porque pensava que era um amigo. Fiz a mais vil agitprop: apesar da maioria absoluta do PS, que Sócrates aproveitou para decretar o início de um novo ciclo político cor-de-rosa, a principal conclusão a retirar dos resultados não é essa. Na verdade, o PS desceu (passou de 57% nas eleições de 2004 para pouco menos de 50% anteontem) e perdeu 15 mil votos, num total de 190 mil eleitores. Quanto ao PSD, que tinha tido 37% em coligação com o CDS, teve agora 30%. Por sua vez, o CDS, concorrendo isolado, teve perto de 9%, o que pode considerar-se muito bom. E significa, contas feitas, que a direita no seu conjunto não desceu em relação a 2004.Não estou a minimizar a derrota do PSD. Algo está mal se o PSD, concorrendo em listas próprias, tem proporcionalmente os mesmos resultados que teve há quatro anos, em coligação. Como algo está mal se o PSD, a nível nacional, não capitaliza a insatisafação de muita gente com Sócrates. A pergunta a fazer é, pois, a seguinte: se o PS desceu e o PSD não subiu, para onde foram os votos perdidos por Carlos César?A resposta é óbvia. Foram para a extrema-esquerda e para a abstenção. O que é um sintoma de que a crise económica e social (ou a sensação de crise, o que vem a dar no mesmo) condicionou fortemente estes resultados. Vejamos. O PCP, com um pouco menos de 3% no Domingo, repetiu mais ou menos os 3% de 2004, embora graças ao novo sistema eleitoral, que favorece a proporcionalidade do voto e portanto os pequenos partidos, recupere o deputado que em tempos tivera. Não é uma surpresa. O eleitorado comunista é extremamente fiel e os únicos votos que o PCP vai perder nos próximos tempos serão arrebatados pela morte. A grande surpresa vem, no entanto, do Bloco de Esquerda, que triplica o seu resultado (passa de 1% para 3%) e elege representação parlamentar pela primeira vez - e logo dois deputados. Tendo em conta o tradicional conservadorismo da sociedade açoriana, que votou esmagadoramente "não" no referendo do aborto, isto pode ter duas leituras. Por um lado, parece haver uma mudança sociológica nos Açores, provocada pela terciarização da população activa e por uma maior concentração urbana, factores que em geral dão bons resultados ao Bloco. Por outro, o próprio partido estará a perder a imagem extremista que o caracterizava, transformação que tavez se deva ao seu recentramento ideológico ou a candidatos particularmente carismáticos.A última e principal nota fica para os números históricos da abstenção. De 45% em 2004, passou para 53%. Não sei onde é que li, mas acredito: terá sido a primeira vez na história da democracia portuguesa que a abstenção ultrapassou a mítica barreira da metade dos eleitores. Em 190 mil recenseados, votaram 90 mil. É um preocupante sintoma de anomia política, de falta de esperança, de descrença nos partidos, mas sobretudo uma monumental bofetada de luva branca no PS e no PSD. Ninguém vota no CDS ou no Bloco por serem uma alternativa de poder. Em resumo, foi o voto de protesto que ganhou nos Açores. O PSD terá perdido votos para o CDS, o PS para o BE e ambos, ainda que mais o PS, para a abstenção. A um ano de legislativas nacionais, a grande pergunta é se isto se vai repetir no Continente.

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