Cravo de Abril: POEMA

20-05-2011
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BALADA PARA UM CONSTRUTOR CIVILÉ este o monumento erguido em tua honra:um bloco de cimento de cento e vinte apartamentosEle é o teu orgulho por ele andastede um lado para o outro constantemente discutisteo preço do ferro e da mão-de-obra deste gratificaçõesa funcionários municipais assinaste papéis papéis papéisacordaste em cada manhã impaciente por ver mais um andarsobre a tua cabeça que fez de noite contas e mais contasjantaste repetidamente com o engenheiro e os arquitectosa quem generosamente pagaste os whiskies e o mariscomostraste algumas vezes à esposa e às amantes o edifício em construçãoe passeaste-as no Mercedes dando largas à tua alma de betãotiveste problemas com o pessoal ameaçasteos homens que fizeram greve e untaste as mãosaos que não aderiram e continuaram o trabalhoseguiste passo a passo a construção com a baba na bocaé meu! é meu! disseste para ti mesmo olhando para o altotiveste longas conversas com o gerente do Banco que te sorriu e financioue a quem prometeste não esquecer no acto da escriturapassaste entre os operários que erguiam as paredes e perguntasteolá, como vai isso? mas referias-te sempre ao trabalho delesmandaste pôr uma coroa de flores na campa do servente quedesabou como um pássaro tonto de um andaime do décimo-terceiro andar esó não acompanhaste o funeral porque a tua filha fez anos nesse diafizeste servir na última tarde um almoço para todosesquecendo alguns ressentimentos e onde havia vinho à discriçãoagradeceste pessoalmente a cada um e botaste discursomostrando-lhes claramente que és um homem preocupadoque sabe muito bem tudo o que fazPorém agora que está pronto o monumentoé sobre ti que me interrogo:Sabes tu quem foram Engels Stravinsky Cesário?e Van Gogh? E Byron? E Rodin?Saberás tu que assassinaram Pasolini?Saberás que Neruda construiu edifícios com pedras preciosas e rubis sangrentose que Éluard carregou a sua arma e disparou versos contra os inimigos da França?Saberás que Aragon amou Elsa nas trincheirasentre ratos e cadáveres de milhares de crianças fardadase que tinham grandes olhos azuis?Saberás que Camões foi expulso do Império porque ergueu o talentomais acima que o de todos os outros? E que também Dante foiespulso de Florença e errou como um pedreiroà procura de trabalho para morrer feito um cãolonge das portas de ouro da cidade que hoje o reclamam?Saberás que Fernando Pessoa também olhava para as casascomo quem olha para as árvores?Será que tu te interessas por estas ninharias?Oh! como eu gostaria que ao menos pudesses ter presenteo que um dos nossos poetas deixou escrito sobreas casas as casas as casas!Joaquim Pessoa


BALADA PARA UM CONSTRUTOR CIVILÉ este o monumento erguido em tua honra:um bloco de cimento de cento e vinte apartamentosEle é o teu orgulho por ele andastede um lado para o outro constantemente discutisteo preço do ferro e da mão-de-obra deste gratificaçõesa funcionários municipais assinaste papéis papéis papéisacordaste em cada manhã impaciente por ver mais um andarsobre a tua cabeça que fez de noite contas e mais contasjantaste repetidamente com o engenheiro e os arquitectosa quem generosamente pagaste os whiskies e o mariscomostraste algumas vezes à esposa e às amantes o edifício em construçãoe passeaste-as no Mercedes dando largas à tua alma de betãotiveste problemas com o pessoal ameaçasteos homens que fizeram greve e untaste as mãosaos que não aderiram e continuaram o trabalhoseguiste passo a passo a construção com a baba na bocaé meu! é meu! disseste para ti mesmo olhando para o altotiveste longas conversas com o gerente do Banco que te sorriu e financioue a quem prometeste não esquecer no acto da escriturapassaste entre os operários que erguiam as paredes e perguntasteolá, como vai isso? mas referias-te sempre ao trabalho delesmandaste pôr uma coroa de flores na campa do servente quedesabou como um pássaro tonto de um andaime do décimo-terceiro andar esó não acompanhaste o funeral porque a tua filha fez anos nesse diafizeste servir na última tarde um almoço para todosesquecendo alguns ressentimentos e onde havia vinho à discriçãoagradeceste pessoalmente a cada um e botaste discursomostrando-lhes claramente que és um homem preocupadoque sabe muito bem tudo o que fazPorém agora que está pronto o monumentoé sobre ti que me interrogo:Sabes tu quem foram Engels Stravinsky Cesário?e Van Gogh? E Byron? E Rodin?Saberás tu que assassinaram Pasolini?Saberás que Neruda construiu edifícios com pedras preciosas e rubis sangrentose que Éluard carregou a sua arma e disparou versos contra os inimigos da França?Saberás que Aragon amou Elsa nas trincheirasentre ratos e cadáveres de milhares de crianças fardadase que tinham grandes olhos azuis?Saberás que Camões foi expulso do Império porque ergueu o talentomais acima que o de todos os outros? E que também Dante foiespulso de Florença e errou como um pedreiroà procura de trabalho para morrer feito um cãolonge das portas de ouro da cidade que hoje o reclamam?Saberás que Fernando Pessoa também olhava para as casascomo quem olha para as árvores?Será que tu te interessas por estas ninharias?Oh! como eu gostaria que ao menos pudesses ter presenteo que um dos nossos poetas deixou escrito sobreas casas as casas as casas!Joaquim Pessoa

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