o projecto de indivíduo

27-01-2011
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O João Galamba distinguiu-me com um longo comentário sobre este meu post. Nele, eu abordava essencialmente o conceito randiano de individualismo, tendo deixado claro que, apesar dele ser muito útil à fundamentação liberal, não só não o esgotava, como até poderia ser, em muitos aspectos, insuficiente. Conto desenvolver o tema em próximos post.

Todavia, realcei também que o individualismo era um dos fundamentos do liberalismo. Ele reconhece no indivíduo, no homem individual e concreto, a única categoria sociologicamente identificável, com vontade própria, autonomia e racionalidade. Consequentemente, os agregados sociológicos tradicionais mais não são, na óptica liberal, do que a soma simples dos indivíduos que os compõem. Daí, para o liberalismo, a inexistência de conceitos políticos instrumentais, tais como a “vontade colectiva”, o “interesse público”, o “interesse comum”, etc. Em todos esses casos e em todas as decisões que eles invariavelmente comportam, é sempre um homem, ou um grupo restrito de homens, quem toma a decisão e enuncia o que supostamente é comum a todos. Frequentemente, à sombra de tais fundamentos são tomadas as decisões mais arbitrárias, intolerantes e despóticas, quantas vezes em defesa do interesse próprio e muito restrito de quem governa. E não é necessário percorrer a história do totalitarismo para encontrarmos exemplos. Eles são bem visíveis, todos os dias, nos regimes e nos governos democráticos.

Em face disto, o que me respondeu o João Galamba? Essencialmente, se bem o interpretei, que o indivíduo só existe em sociedade, e que esta o precede na sua identificação enquanto homem. A ser isto, esta afirmação parece-me absolutamente pacífica, pelo menos desde Aristóteles. Os liberais não só a não negam, como a reafirmam: o habitat próprio do homem é a sociedade, em contacto livre e espontâneo com o outro. A isto, chamam os liberais “mercado”, sensu lato, claro está.

Esta elementar constatação, que partilho plenamente com o João, já me parece estar em absoluta contradição com uma outra do mesmo texto. Escreve ele: “o indivíduo não é uma realidade fixa dotada de uma vontade; ele é um projecto por realizar, situado num determinado contexto cultural.” Apesar de ser um vício relativamente comum a uma certa esquerda, o de afirmar que o homem é um mero produto do contexto social (o que o João, julgo que sem o ter discernido com clareza, acaba por afirmar), parece-me existir um hiato lógico insuperável entre o esvaziamento do indivíduo e a sua consagração como animal social. Afinal, em sociedade, na dita “relação” com o outro e com “a realidade que lhe é exterior”, ele age de que maneira? Por estímulos, tal como o cão do Pavlov? Ou pela razão, pela vontade, pela sua liberdade e consciência interior, ou seja, pelo livre-arbítrio de que é obviamente dotado? Para a tese do João manter alguma coerência, conviria esclarecer este ponto.

O que se segue no texto do João não interessa, francamente, para a discussão. Ele discorre sobre o Cristianismo, sobre o conceito de vontade em S. Agostinho e nas Confissões, no que demonstra a sua já conhecida erudição, mas não acrescenta mais ao debate. Aí o texto perde sentido, pelo menos como contraponto ao meu. Acredito, todavia, que o João Galamba o possa aproveitar para contraditar alguns dos seus colegas de blog.

O João Galamba distinguiu-me com um longo comentário sobre este meu post. Nele, eu abordava essencialmente o conceito randiano de individualismo, tendo deixado claro que, apesar dele ser muito útil à fundamentação liberal, não só não o esgotava, como até poderia ser, em muitos aspectos, insuficiente. Conto desenvolver o tema em próximos post.

Todavia, realcei também que o individualismo era um dos fundamentos do liberalismo. Ele reconhece no indivíduo, no homem individual e concreto, a única categoria sociologicamente identificável, com vontade própria, autonomia e racionalidade. Consequentemente, os agregados sociológicos tradicionais mais não são, na óptica liberal, do que a soma simples dos indivíduos que os compõem. Daí, para o liberalismo, a inexistência de conceitos políticos instrumentais, tais como a “vontade colectiva”, o “interesse público”, o “interesse comum”, etc. Em todos esses casos e em todas as decisões que eles invariavelmente comportam, é sempre um homem, ou um grupo restrito de homens, quem toma a decisão e enuncia o que supostamente é comum a todos. Frequentemente, à sombra de tais fundamentos são tomadas as decisões mais arbitrárias, intolerantes e despóticas, quantas vezes em defesa do interesse próprio e muito restrito de quem governa. E não é necessário percorrer a história do totalitarismo para encontrarmos exemplos. Eles são bem visíveis, todos os dias, nos regimes e nos governos democráticos.

Em face disto, o que me respondeu o João Galamba? Essencialmente, se bem o interpretei, que o indivíduo só existe em sociedade, e que esta o precede na sua identificação enquanto homem. A ser isto, esta afirmação parece-me absolutamente pacífica, pelo menos desde Aristóteles. Os liberais não só a não negam, como a reafirmam: o habitat próprio do homem é a sociedade, em contacto livre e espontâneo com o outro. A isto, chamam os liberais “mercado”, sensu lato, claro está.

Esta elementar constatação, que partilho plenamente com o João, já me parece estar em absoluta contradição com uma outra do mesmo texto. Escreve ele: “o indivíduo não é uma realidade fixa dotada de uma vontade; ele é um projecto por realizar, situado num determinado contexto cultural.” Apesar de ser um vício relativamente comum a uma certa esquerda, o de afirmar que o homem é um mero produto do contexto social (o que o João, julgo que sem o ter discernido com clareza, acaba por afirmar), parece-me existir um hiato lógico insuperável entre o esvaziamento do indivíduo e a sua consagração como animal social. Afinal, em sociedade, na dita “relação” com o outro e com “a realidade que lhe é exterior”, ele age de que maneira? Por estímulos, tal como o cão do Pavlov? Ou pela razão, pela vontade, pela sua liberdade e consciência interior, ou seja, pelo livre-arbítrio de que é obviamente dotado? Para a tese do João manter alguma coerência, conviria esclarecer este ponto.

O que se segue no texto do João não interessa, francamente, para a discussão. Ele discorre sobre o Cristianismo, sobre o conceito de vontade em S. Agostinho e nas Confissões, no que demonstra a sua já conhecida erudição, mas não acrescenta mais ao debate. Aí o texto perde sentido, pelo menos como contraponto ao meu. Acredito, todavia, que o João Galamba o possa aproveitar para contraditar alguns dos seus colegas de blog.

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