O Cachimbo de Magritte: Arte, democracia e o resto (1)

07-08-2010
marcar artigo


Há tempos, o João Galamba viu no meu post sobre Amy Winewhouse uma crítica à "revolta moderna contra Deus" de que arte, representada pela "genialidade decadente" da senhora, seria "o corolário". E mais afirmou que eu estava a tentar "credibilizar a posição - conservadora - que a antecedeu" . Só posso alegar em minha defesa que o João Galamba é simpático, mas está a exagerar. Em primeiro lugar, qualquer posição conservadora com um mínimo de bom senso, anteceda ela o que anteceder, fugiria a credibilizar-se por meio deste vosso criado. Só o João Galamba, que é simpático e de esquerda, não vê isso. Em segundo lugar, não sou tão ambicioso. A última vez que tentei credibilizar posições conservadoras, pelo menos aqui no blogue, recorri à infeliz metáfora de um hipópotamo dançante, o que me valeu insultos dos leitores, sermões dos meus companheiros de fumo e até ameaças do Manel Pinheiro de que voltava a postar gajas nuas se eu insistisse no desvario. Em terceiro lugar, não me parece que toda a arte moderna caiba dentro de uma panitzscheana "revolta contra Deus", seja qual for o corolário (panitzscheana soa mal, mas o João Galamba é de esquerda, não sei se vos disse, e está habituado a palavrões). Entre os muito grandes, basta pensar em Dostoievsky, T. S. Eliot ou Messiaen para seguir um rumo muito diferente. Um ensaísta tão influente como George Steiner escreve grande parte da sua obra - Presenças Reais, mas não só - defendendo que a arte nunca deixou de ser uma aposta na transcendência, no "sentido do sentido" que leva alguns homens a entregar toda a sua vida à experiência de eternidade alcançada pela criação. Mas a questão nem sequer é metafísica. Quando eu disse que os "excessos" de Amy Winehouse e de outros génios decadentes são convencionais - queria dizer isso mesmo. O desprezo pelas regras de civilidade mais elementares, a necessidade compulsiva de "épater le bourgeois" (ah, mítica palavra, a burguesia! que pena ter-se esfumado com o fim do marxismo...) , os luxos e caprichos de stars e starlettes, a indispensável toxicodependência, a trepidante vida sentimental, as quedas reais ou figuradas, até o suicídio ou a morte violenta, tudo isso, afinal, faz parte de uma verdadeira indústria e do respectivo comércio. Eis, em todo o esplendor fáustico, o pacto que a sociedade de consumo oferece aos novos deuses: cobrimo-los de ouro e glória para que nos entretenham. E eles pagam com a sua vida. Literalmente. Quando essa vida acaba, jovem e bela de preferência, faz-se avançar para o palco o próximo candidato aos quinze minutos de fama. E o ciclo recomeça. Chama-se cultura de massas.(cont.)


Há tempos, o João Galamba viu no meu post sobre Amy Winewhouse uma crítica à "revolta moderna contra Deus" de que arte, representada pela "genialidade decadente" da senhora, seria "o corolário". E mais afirmou que eu estava a tentar "credibilizar a posição - conservadora - que a antecedeu" . Só posso alegar em minha defesa que o João Galamba é simpático, mas está a exagerar. Em primeiro lugar, qualquer posição conservadora com um mínimo de bom senso, anteceda ela o que anteceder, fugiria a credibilizar-se por meio deste vosso criado. Só o João Galamba, que é simpático e de esquerda, não vê isso. Em segundo lugar, não sou tão ambicioso. A última vez que tentei credibilizar posições conservadoras, pelo menos aqui no blogue, recorri à infeliz metáfora de um hipópotamo dançante, o que me valeu insultos dos leitores, sermões dos meus companheiros de fumo e até ameaças do Manel Pinheiro de que voltava a postar gajas nuas se eu insistisse no desvario. Em terceiro lugar, não me parece que toda a arte moderna caiba dentro de uma panitzscheana "revolta contra Deus", seja qual for o corolário (panitzscheana soa mal, mas o João Galamba é de esquerda, não sei se vos disse, e está habituado a palavrões). Entre os muito grandes, basta pensar em Dostoievsky, T. S. Eliot ou Messiaen para seguir um rumo muito diferente. Um ensaísta tão influente como George Steiner escreve grande parte da sua obra - Presenças Reais, mas não só - defendendo que a arte nunca deixou de ser uma aposta na transcendência, no "sentido do sentido" que leva alguns homens a entregar toda a sua vida à experiência de eternidade alcançada pela criação. Mas a questão nem sequer é metafísica. Quando eu disse que os "excessos" de Amy Winehouse e de outros génios decadentes são convencionais - queria dizer isso mesmo. O desprezo pelas regras de civilidade mais elementares, a necessidade compulsiva de "épater le bourgeois" (ah, mítica palavra, a burguesia! que pena ter-se esfumado com o fim do marxismo...) , os luxos e caprichos de stars e starlettes, a indispensável toxicodependência, a trepidante vida sentimental, as quedas reais ou figuradas, até o suicídio ou a morte violenta, tudo isso, afinal, faz parte de uma verdadeira indústria e do respectivo comércio. Eis, em todo o esplendor fáustico, o pacto que a sociedade de consumo oferece aos novos deuses: cobrimo-los de ouro e glória para que nos entretenham. E eles pagam com a sua vida. Literalmente. Quando essa vida acaba, jovem e bela de preferência, faz-se avançar para o palco o próximo candidato aos quinze minutos de fama. E o ciclo recomeça. Chama-se cultura de massas.(cont.)

marcar artigo