metablog: Comentario ao post do RAF. Parte I: Direitos e Democracia

18-12-2009
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Caro Rodrigo, Antes de mais, e como ja escrevi no teu blog, gostei bastante do teu post e espero que possamos dar seguimento a este debate, que muito me interessa, e que penso ter alguma importancia.No entanto, e como seria de esperar (caso contrario isto nao tinha graca nenhuma), ha um ponto em que nao consigo concordar contigo: a transcendencia absoluta da Lei. Esta minha posicao advem da minha rejeicao de todo e qualquer Platonismo. O meu problema em relacao a argumentos deste tipo (eu uso Platonismo como algo que nao depende de practicas sociais para a sua existencia – estou a rejeitar Ideias Universais, Leis, Direitos Absolutos, Razao, ou qualquer outra entidade imune ao tempo e a contingencia, com pretensoes de exterioridade absoluta que legitimam realidades, normas ou practicas socais) reside em associa-los a um certo autoritarismo. Na minha opiniao ha quatro pensadores que tornaram esse tipo de posicao dificil de sustentar: Hegel, Nietzsche, Heidegger, e Wittgenstein. Hegel foi o primeiro a historicizar a razao, mas foi Nietzsche quem atacou directamente a tradicao Platonica (que ele entende como sendo toda a tradicao filosofica ocidental) atraves do seu perspectivismo e da sua afirmacao de que “tudo o que tem uma historia nao pode ser definido” (citado em Raymond Geuss, History and Illusion in Politics). Quando sugeres que a transcendencia e' revelada de forma imanente acabas necessariamente por nega-la, pois estas a relaciona-la com a sua existencia social. A sua existencia e ontologicamente dependente da sua revelacao; ou melhor, a sua existencia manifesta-se na propria revelacao e nao e algo a que tenhamos acesso independentemente dela. O universal so existe na sua realidade concreta que e sempre particular, contextual, pois mesmo a sua invocacao e feita por alguem historicamente situado e atraves de uma perspectiva particular. Podes sempre dizer que descobriste a Lei universal, ou os Direitos Absolutos, mas isso nao e mais do que uma especie de auto-elogio as tuas proprias posicoes, e nunca algo que as justifica. E’ apenas um nome que lhes das e nao um atributo que elas tem. Repara que face a conflitos de interpretacao qualquer dos lados pode recorrer a semelhante estrategia. Nao existe uma exterioridade absoluta. Existe, no maximo, uma pretensao a tal, que pode ser disputada (quando o Bin Laden age em nome da Verdade e de Deus nos mandamo-lo a fava). O perspectivismo e a finitude sao irredutiveis. Repara que isto so e relativismo se pressupuseres a verdade do Platonismo, mas como nos somos sempre e necessariamente seres historicamente situados, a pretensao de escapar a esta condicao derrota-se a si propria. A unica coisa que transcende uma perspectiva e' uma outra perspectiva, e nao ha Archimedian points nem exterioridades absolutas que nos salvem. Penso que todos os Platonismos recorrem a estrategias deste tipo, e pretendem escapar ao conflito recorrendo a uma suposta autoridade que legitime a sua posicao. Mas, na minha opiniao, e na dos autores que mencionei (cada um a sua maneira), nao ha ajudas sobre-humanas, nem temos a Verdade ou a Lei Fundamental do nosso lado a legitimar as nossas posicoes. Temos apenas os nossos argumentos, aqueles que concordam connosco, a nossa capacidade de persuasao, e nada mais. No fundo, aquilo que nos sobra nao e a certeza da Verdade ser nossa aliada, mas a esperanca que as nossas ideias possam “vencer”. A procura de trancendencia tem semelhancas significativas com a religiao (atencao que isto nao e uma critica ad hominem) pois socorre-se de elementos externos (pretensamente externos) para resolver conflitos interpretativos. Ela tenta “ganhar o argumento” recorrendo a meios extra-argumentativos. A verdade e' sempre verdade para alguem, mas ela nao e relativa no sentido que cada um tem a sua. Em termos descritivos, isto verifica-se; mas normativamente nao e uma posicao que esteja ao nosso alcance, pois essas perspectivas sao constitutivas da nossa propria identidade. A sua normatividade nao pode ser eliminada sem que suspendamos tambem a nossa identidade moral. Apenas Deus ou um extraterrestre poderia ser indiferente entre “verdades” e sugerir que cada um tem a sua e que nenhuma e melhor que a outra. Neste ponto distancio-me do Nietzsche (e dos seus seguidores a esquerda) e sou Heideggeriano puro e duro: e' verdade que o universal so existe no tempo e que a sua concretizacao remete sempre para realidades humanas concretas e para a historia das suas diferentes interpretacoes. Mas como estas sao constitutivas da nossa forma de ver o mundo a “morte de deus” (a rejeicao do Platonismo) nao lhes retira qualquer normatividade, evitando por isso cair no nihilismo Nietzschiano. Na minha opiniao isto tem algumas implicacoes praticas importantes - sobre as quais tenho vindo a escrever nos ultimos dias. A impossibilidade de evitar disputas interpretativas recorrendo a apriorismos, argumentos de autoridade, ou contratos hipoteticos (e.g. dizer “mas isto e um direito universal ou absoluto” em face de alguem que o contesta) e, mais importante, a responsabilidade colectiva pela sua manutencao (nos so somos serres humanos com determinados direitos enquanto existirem comunidades humanas e politicas que os reconhecam). Isto atribui 'a nossa existencia colectiva uma dimensao eminentemente politica, que nenhum liberal pode pretender transcender, pois sem Platonismos nao ha lei que limite de forma absoluta a politica ou que a substitua. O argumento contra a democracia e a favor de direitos de propriedade absolutos nao pode enteceder a politica de forma absoluta (nao ha contratos que fundam a relacao politica nem Nozickianismos), pois a sua propria realidade depende do seu recohecimento politico por parte de uma comunidade poliica concreta.Se os neoliberais (termo meramente descritivo) querem estabelecer um quadro minimo de direitos ou um night watchman state, nao podem simplesmente invocar os seus apriorismos ou os seus principios auto-evidentes. Eles tem de defender politicamente as suas posicoes e conquista-los da unica forma legitima que eu conheco: convencendo os seus co-cidadaos, ou mobilizando uma maioria suficiente para os por em practica. Por tudo isto, quando articulamos um conjunto de direitos ou valores nao estamos a invocar ligacoes misteriosas a Verdades ou Absolutos. Mas apenas a defender uma posicao particular cuja autoridade so pode ser estabelecida pragmaticamente e em dialogo politico com outros. nota: este argumento aplica-se tanto aos neoliberais como ao Rawls (dependendo da forma como interpretamos a sua posicao) e aos seus inumeros seguidores. nota2: Os quatro autores que mencionei sao importantes para a dimensao ontologica do meu argumento. Mas para a as suas implicacoes normativas identifico-me sobretudo com Charles Taylor e Walzer e com algumas coisas do Rorty. Mas sao os dois primeiros (sobretudo o primeiro) que destacam uma componente fundamental da politica que a maioria dos liberais rejeita: a dimensao essencialmente politica da existencia humana, e, consequentemente, a rejeicao de concepcoes puramente instrumentais da mesma. (amanha publico a segunda parte: o problema da intencionalidade e justica)

Caro Rodrigo, Antes de mais, e como ja escrevi no teu blog, gostei bastante do teu post e espero que possamos dar seguimento a este debate, que muito me interessa, e que penso ter alguma importancia.No entanto, e como seria de esperar (caso contrario isto nao tinha graca nenhuma), ha um ponto em que nao consigo concordar contigo: a transcendencia absoluta da Lei. Esta minha posicao advem da minha rejeicao de todo e qualquer Platonismo. O meu problema em relacao a argumentos deste tipo (eu uso Platonismo como algo que nao depende de practicas sociais para a sua existencia – estou a rejeitar Ideias Universais, Leis, Direitos Absolutos, Razao, ou qualquer outra entidade imune ao tempo e a contingencia, com pretensoes de exterioridade absoluta que legitimam realidades, normas ou practicas socais) reside em associa-los a um certo autoritarismo. Na minha opiniao ha quatro pensadores que tornaram esse tipo de posicao dificil de sustentar: Hegel, Nietzsche, Heidegger, e Wittgenstein. Hegel foi o primeiro a historicizar a razao, mas foi Nietzsche quem atacou directamente a tradicao Platonica (que ele entende como sendo toda a tradicao filosofica ocidental) atraves do seu perspectivismo e da sua afirmacao de que “tudo o que tem uma historia nao pode ser definido” (citado em Raymond Geuss, History and Illusion in Politics). Quando sugeres que a transcendencia e' revelada de forma imanente acabas necessariamente por nega-la, pois estas a relaciona-la com a sua existencia social. A sua existencia e ontologicamente dependente da sua revelacao; ou melhor, a sua existencia manifesta-se na propria revelacao e nao e algo a que tenhamos acesso independentemente dela. O universal so existe na sua realidade concreta que e sempre particular, contextual, pois mesmo a sua invocacao e feita por alguem historicamente situado e atraves de uma perspectiva particular. Podes sempre dizer que descobriste a Lei universal, ou os Direitos Absolutos, mas isso nao e mais do que uma especie de auto-elogio as tuas proprias posicoes, e nunca algo que as justifica. E’ apenas um nome que lhes das e nao um atributo que elas tem. Repara que face a conflitos de interpretacao qualquer dos lados pode recorrer a semelhante estrategia. Nao existe uma exterioridade absoluta. Existe, no maximo, uma pretensao a tal, que pode ser disputada (quando o Bin Laden age em nome da Verdade e de Deus nos mandamo-lo a fava). O perspectivismo e a finitude sao irredutiveis. Repara que isto so e relativismo se pressupuseres a verdade do Platonismo, mas como nos somos sempre e necessariamente seres historicamente situados, a pretensao de escapar a esta condicao derrota-se a si propria. A unica coisa que transcende uma perspectiva e' uma outra perspectiva, e nao ha Archimedian points nem exterioridades absolutas que nos salvem. Penso que todos os Platonismos recorrem a estrategias deste tipo, e pretendem escapar ao conflito recorrendo a uma suposta autoridade que legitime a sua posicao. Mas, na minha opiniao, e na dos autores que mencionei (cada um a sua maneira), nao ha ajudas sobre-humanas, nem temos a Verdade ou a Lei Fundamental do nosso lado a legitimar as nossas posicoes. Temos apenas os nossos argumentos, aqueles que concordam connosco, a nossa capacidade de persuasao, e nada mais. No fundo, aquilo que nos sobra nao e a certeza da Verdade ser nossa aliada, mas a esperanca que as nossas ideias possam “vencer”. A procura de trancendencia tem semelhancas significativas com a religiao (atencao que isto nao e uma critica ad hominem) pois socorre-se de elementos externos (pretensamente externos) para resolver conflitos interpretativos. Ela tenta “ganhar o argumento” recorrendo a meios extra-argumentativos. A verdade e' sempre verdade para alguem, mas ela nao e relativa no sentido que cada um tem a sua. Em termos descritivos, isto verifica-se; mas normativamente nao e uma posicao que esteja ao nosso alcance, pois essas perspectivas sao constitutivas da nossa propria identidade. A sua normatividade nao pode ser eliminada sem que suspendamos tambem a nossa identidade moral. Apenas Deus ou um extraterrestre poderia ser indiferente entre “verdades” e sugerir que cada um tem a sua e que nenhuma e melhor que a outra. Neste ponto distancio-me do Nietzsche (e dos seus seguidores a esquerda) e sou Heideggeriano puro e duro: e' verdade que o universal so existe no tempo e que a sua concretizacao remete sempre para realidades humanas concretas e para a historia das suas diferentes interpretacoes. Mas como estas sao constitutivas da nossa forma de ver o mundo a “morte de deus” (a rejeicao do Platonismo) nao lhes retira qualquer normatividade, evitando por isso cair no nihilismo Nietzschiano. Na minha opiniao isto tem algumas implicacoes praticas importantes - sobre as quais tenho vindo a escrever nos ultimos dias. A impossibilidade de evitar disputas interpretativas recorrendo a apriorismos, argumentos de autoridade, ou contratos hipoteticos (e.g. dizer “mas isto e um direito universal ou absoluto” em face de alguem que o contesta) e, mais importante, a responsabilidade colectiva pela sua manutencao (nos so somos serres humanos com determinados direitos enquanto existirem comunidades humanas e politicas que os reconhecam). Isto atribui 'a nossa existencia colectiva uma dimensao eminentemente politica, que nenhum liberal pode pretender transcender, pois sem Platonismos nao ha lei que limite de forma absoluta a politica ou que a substitua. O argumento contra a democracia e a favor de direitos de propriedade absolutos nao pode enteceder a politica de forma absoluta (nao ha contratos que fundam a relacao politica nem Nozickianismos), pois a sua propria realidade depende do seu recohecimento politico por parte de uma comunidade poliica concreta.Se os neoliberais (termo meramente descritivo) querem estabelecer um quadro minimo de direitos ou um night watchman state, nao podem simplesmente invocar os seus apriorismos ou os seus principios auto-evidentes. Eles tem de defender politicamente as suas posicoes e conquista-los da unica forma legitima que eu conheco: convencendo os seus co-cidadaos, ou mobilizando uma maioria suficiente para os por em practica. Por tudo isto, quando articulamos um conjunto de direitos ou valores nao estamos a invocar ligacoes misteriosas a Verdades ou Absolutos. Mas apenas a defender uma posicao particular cuja autoridade so pode ser estabelecida pragmaticamente e em dialogo politico com outros. nota: este argumento aplica-se tanto aos neoliberais como ao Rawls (dependendo da forma como interpretamos a sua posicao) e aos seus inumeros seguidores. nota2: Os quatro autores que mencionei sao importantes para a dimensao ontologica do meu argumento. Mas para a as suas implicacoes normativas identifico-me sobretudo com Charles Taylor e Walzer e com algumas coisas do Rorty. Mas sao os dois primeiros (sobretudo o primeiro) que destacam uma componente fundamental da politica que a maioria dos liberais rejeita: a dimensao essencialmente politica da existencia humana, e, consequentemente, a rejeicao de concepcoes puramente instrumentais da mesma. (amanha publico a segunda parte: o problema da intencionalidade e justica)

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