O Sinédrio: Rawls-Keynes, Bentham e a esquerda caviar, etc.

19-12-2009
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Caro João Galamba,- Em primeiro lugar, muito obrigado pela sua constante presença naquilo que escrevo. Gostava de ter tempo para lhe responder, mas, na maior parte das vezes, não tenho qualquer hipótese. Tenho que escrever para aqueles sítios que garantem o meu ganha-pão. Mas hoje é domingo… Já agora: como é que está a “nossa” LSE?- Claro que Keynes e Rawls podem ser colocados no mesmo saco. Sim, um era economista e outro era filósofo político. Mas ambos são os dois monstros sagrados do “social liberalism” ou, se quiser, do “liberalismo contemporâneo”. John Rawls tentou (e conseguiu) redignificar o “Welfare State”. O Welfare deixou de ser apenas um instrumento político-económico e passou a ser a consubstanciação de uma teoria político-moral. Rawls, se quiser, reforçou a retaguarda de Keynes. Se não me engano, Fernando Gil percepcionou Rawls exactamente neste sentido: a teoria da justiça colocou-se a montante do Welfare e deu-lhe protecção ideológica.- Volto a insistir: a ética de Bentham está enraizada nas “esquerdas caviares” que nasceram dos escombros do marxismo. Desde o aborto até ao regime escolar, os discursos das novas esquerdas são sempre marcados pela seguinte máxima: evitar a todo o custo a “dor” física e, sobretudo, mental do indivíduo. Na escola, por exemplo, não se pode ensinar nada difícil, pois isso, dizem as sumidades, causa angústia aos meninos. Por isso, não se pode dizer que “sequesso” não é “sexo” e que “k” não é “que”.- Não se trata de mais ou menos pureza. Eu sou liberal clássico e, como tal, só posso ter duas reacções em relação à deriva pós-Bentham do liberalismo: (a) discordar na susbtância; (b) a minha discordância não me impede de ficar fascinando com esta evolução. Aliás, estudar esta evolução é fundamental para a compreensão dos últimos 200 anos.- Com todo o devido respeito, acho que está equivocado. O conceito de “cidadão” nasceu com o liberalismo clássico. O “O Federalista” de Madison e Hamilton é isso mesmo: a criação de um espaço de cidadãos. Kant (outro liberal clássico) ao estabelecer o direito cosmopolita (os “estrangeiros” têm os mesmos direitos dos “nacionais”) estava a criar um espaço para cidadãos legais e não para membros de uma dada comunidade (a maior miséria intelectual alemã foi, precisamente, a ruptura romântica com o legado kantiano). Ora, Rawls fez uma espécie de up-grade: para Rawls, o cidadão, além dos direitos políticos, deve ter direitos económicos (mas isso, meu caro, começa em Green, senão em Bentham). - Calma: o empirismo não tem nada a ver com o utilitarismo. O empirismo está relacionado com o nível epistemológico e não com o nível epistémico. O empirismo tem a ver com o seguinte: estudar os homens no seu habitat natural (a história); isto é, devemos evitar os conceitos abstractos, esses conceitos que nos esmagam com a maiúscula. Mais do que ninguém, Hume percebia o seguinte: há homens e o HOMEM é uma pretensão perigosa. O utilitarismo, ao invés, é uma solução epistémica, substantiva. É uma moral e não uma forma de apreender o mundo. Um abraço,Henrique Raposo

Caro João Galamba,- Em primeiro lugar, muito obrigado pela sua constante presença naquilo que escrevo. Gostava de ter tempo para lhe responder, mas, na maior parte das vezes, não tenho qualquer hipótese. Tenho que escrever para aqueles sítios que garantem o meu ganha-pão. Mas hoje é domingo… Já agora: como é que está a “nossa” LSE?- Claro que Keynes e Rawls podem ser colocados no mesmo saco. Sim, um era economista e outro era filósofo político. Mas ambos são os dois monstros sagrados do “social liberalism” ou, se quiser, do “liberalismo contemporâneo”. John Rawls tentou (e conseguiu) redignificar o “Welfare State”. O Welfare deixou de ser apenas um instrumento político-económico e passou a ser a consubstanciação de uma teoria político-moral. Rawls, se quiser, reforçou a retaguarda de Keynes. Se não me engano, Fernando Gil percepcionou Rawls exactamente neste sentido: a teoria da justiça colocou-se a montante do Welfare e deu-lhe protecção ideológica.- Volto a insistir: a ética de Bentham está enraizada nas “esquerdas caviares” que nasceram dos escombros do marxismo. Desde o aborto até ao regime escolar, os discursos das novas esquerdas são sempre marcados pela seguinte máxima: evitar a todo o custo a “dor” física e, sobretudo, mental do indivíduo. Na escola, por exemplo, não se pode ensinar nada difícil, pois isso, dizem as sumidades, causa angústia aos meninos. Por isso, não se pode dizer que “sequesso” não é “sexo” e que “k” não é “que”.- Não se trata de mais ou menos pureza. Eu sou liberal clássico e, como tal, só posso ter duas reacções em relação à deriva pós-Bentham do liberalismo: (a) discordar na susbtância; (b) a minha discordância não me impede de ficar fascinando com esta evolução. Aliás, estudar esta evolução é fundamental para a compreensão dos últimos 200 anos.- Com todo o devido respeito, acho que está equivocado. O conceito de “cidadão” nasceu com o liberalismo clássico. O “O Federalista” de Madison e Hamilton é isso mesmo: a criação de um espaço de cidadãos. Kant (outro liberal clássico) ao estabelecer o direito cosmopolita (os “estrangeiros” têm os mesmos direitos dos “nacionais”) estava a criar um espaço para cidadãos legais e não para membros de uma dada comunidade (a maior miséria intelectual alemã foi, precisamente, a ruptura romântica com o legado kantiano). Ora, Rawls fez uma espécie de up-grade: para Rawls, o cidadão, além dos direitos políticos, deve ter direitos económicos (mas isso, meu caro, começa em Green, senão em Bentham). - Calma: o empirismo não tem nada a ver com o utilitarismo. O empirismo está relacionado com o nível epistemológico e não com o nível epistémico. O empirismo tem a ver com o seguinte: estudar os homens no seu habitat natural (a história); isto é, devemos evitar os conceitos abstractos, esses conceitos que nos esmagam com a maiúscula. Mais do que ninguém, Hume percebia o seguinte: há homens e o HOMEM é uma pretensão perigosa. O utilitarismo, ao invés, é uma solução epistémica, substantiva. É uma moral e não uma forma de apreender o mundo. Um abraço,Henrique Raposo

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