PUBLICO.PT

24-09-2010
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322Foram de imediato cercados por polícias que tentaram dispersar os manifestantes. Um importante crítico do Kremlin e vários outros foram rapidamente arrastados para dentro de um carro da polícia e levados dali.

Acontecimentos como este são ocorrência quase diária na Rússia, onde o primeiro-ministro, Vladimir Putin, governa o país com pulso forte e onde a perseguição aos opositores do Governo, as violações dos direitos humanos e os abusos judiciais se tornaram rotina. Numa altura em que a democracia e os direitos humanos se tornaram normas globais, essas transgressões nada contribuem para melhorar a reputação global da Rússia. Governantes autoritários como Putin sabem disso, mas, aparentemente, consideram ser um preço que vale a pena pagar para exercerem nos seus países um poder não refreado.

O que líderes como Putin desconhecem é que as suas políticas comprometem também o futuro económico dos seus países e a sua posição na economia global.

A relação entre as políticas de uma nação e as suas perspectivas económicas é uma das questões fundamentais - e mais estudadas - das ciências sociais. O que é que é melhor para o crescimento económico? Um pulso forte livre das pressões da concorrência política, ou uma diversidade de interesses concorrentes que favoreça a abertura a novas ideias e a novos intervenientes políticos?

Os exemplos asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan e China) parecem sugerir que é a primeira opção. Mas como se pode então explicar o facto de quase todos os países ricos - excepto aqueles cuja riqueza provém apenas de recursos naturais - serem democráticos? Será que a abertura política deve preceder o crescimento económico em vez de surgir depois?

Quando olhamos para a sistemática evidência histórica em vez de para casos isolados, concluímos que o autoritarismo pouco contribui para o crescimento económico. Por cada país com regime autoritário que conseguiu crescer rapidamente, há vários que não saem do mesmo sítio. Por cada Lee Kuan Yew de Singapura, há muitos Mobutu Sese Seko do Congo.

As democracias não só têm um desempenho económico superior ao das ditaduras no que respeita a crescimento económico de longo prazo, como também as ultrapassam em vários outros aspectos importantes. Proporcionam uma estabilidade económica muito maior, avaliada pelos altos e baixos do ciclo empresarial. Adaptam-se melhor a choques económicos externos (tais como a queda dos termos de troca ou súbitas paragens de fluxos de capital). Criam maior investimento em capital humano - saúde e educação. E dão origem a sociedades mais equitativas.

Em contrapartida, os regimes autoritários acabam por criar economias tão frágeis quanto o seu sistema político. A sua força económica, quando existe, assenta na força do líder, ou em circunstâncias favoráveis mas temporárias. Não podem aspirar a uma inovação económica continuada nem a uma liderança económica global.

À primeira vista, a China parece ser uma excepção. Desde finais da década de 1970, depois do fim das desastrosas experiências de Mao, tem tido um desempenho excelente, apresentando taxas de crescimento económico sem precedentes. Embora tenha democratizado algumas das suas políticas locais, o Partido Comunista Chinês mantém um apertado controlo das políticas nacionais e o cenário, em termos de direitos humanos, é arruinado por frequentes abusos.

Mas, comparativamente, a China continua a ser um país pobre. O seu progresso económico futuro depende em boa medida da sua capacidade de abrir o sistema político à concorrência, da mesma forma que abriu a sua economia. Sem essa mudança, a falta de mecanismos institucionalizados para dar voz e organizar as divergências vai acabar por originar conflitos que vão arruinar a capacidade de repressão do regime. A estabilidade política e o crescimento económico vão ambos sofrer.

No entanto, a Rússia e a China são ambos economias poderosas. O seu exemplo poderá levar líderes de outras partes do mundo a pensar que podem aspirar à ascensão económica ao mesmo tempo que encurtam a rédea à oposição política nacional.

Vejamos a Turquia, um poder económico em ascensão no Médio Oriente que, até há pouco tempo, parecia destinada a ser a única democracia muçulmana da região. Durante o seu primeiro mandato, o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan abrandou algumas restrições às minorias curdas e ratificou reformas que alinhavam o sistema legal do país pelas normas europeias.

Mas mais recentemente Erdogan e os seus aliados lançaram uma campanha levemente disfarçada para intimidar os seus opositores e consolidar o controlo do Governo dos meios de comunicação social e das instituições públicas. Prenderam centenas de militares, académicos e jornalistas com falsas acusações de fomentarem o terror e prepararem golpes de Estado. As escutas telefónicas e as perseguições aos críticos são tão comuns que há quem ache que o país se transformou numa "república do medo."

Este regresso às práticas ditatoriais é prejudicial à economia do país, apesar das suas bases sólidas. Terá efeitos corrosivos na qualidade das decisões políticas e enfraquecerá a reivindicação da Turquia de uma posição económica global.

Como verdadeiras superpotências económicas em ascensão devíamos virar-nos para países como o Brasil, a Índia e a África do Sul, que concluíram já as suas transições para a democracia sendo pouco provável que recuem. É evidente que estes países também têm problemas. O Brasil ainda terá de recuperar na totalidade o seu dinamismo económico e de encontrar um caminho para o crescimento rápido. A democracia da Índia pode ser exasperante na sua resistência à mudança económica. E a África do Sul sofre de um nível elevado de desemprego.

Todavia, estes desafios não são nada quando comparados com as gigantescas tarefas de transformação institucional que os países autoritários vão ter de enfrentar. Não se admirem que o Brasil passe à frente da Turquia, que a África do Sul ultrapasse a Rússia e Índia supere a China.

Professor de Economia Política na Universidade de Harvard

322Foram de imediato cercados por polícias que tentaram dispersar os manifestantes. Um importante crítico do Kremlin e vários outros foram rapidamente arrastados para dentro de um carro da polícia e levados dali.

Acontecimentos como este são ocorrência quase diária na Rússia, onde o primeiro-ministro, Vladimir Putin, governa o país com pulso forte e onde a perseguição aos opositores do Governo, as violações dos direitos humanos e os abusos judiciais se tornaram rotina. Numa altura em que a democracia e os direitos humanos se tornaram normas globais, essas transgressões nada contribuem para melhorar a reputação global da Rússia. Governantes autoritários como Putin sabem disso, mas, aparentemente, consideram ser um preço que vale a pena pagar para exercerem nos seus países um poder não refreado.

O que líderes como Putin desconhecem é que as suas políticas comprometem também o futuro económico dos seus países e a sua posição na economia global.

A relação entre as políticas de uma nação e as suas perspectivas económicas é uma das questões fundamentais - e mais estudadas - das ciências sociais. O que é que é melhor para o crescimento económico? Um pulso forte livre das pressões da concorrência política, ou uma diversidade de interesses concorrentes que favoreça a abertura a novas ideias e a novos intervenientes políticos?

Os exemplos asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan e China) parecem sugerir que é a primeira opção. Mas como se pode então explicar o facto de quase todos os países ricos - excepto aqueles cuja riqueza provém apenas de recursos naturais - serem democráticos? Será que a abertura política deve preceder o crescimento económico em vez de surgir depois?

Quando olhamos para a sistemática evidência histórica em vez de para casos isolados, concluímos que o autoritarismo pouco contribui para o crescimento económico. Por cada país com regime autoritário que conseguiu crescer rapidamente, há vários que não saem do mesmo sítio. Por cada Lee Kuan Yew de Singapura, há muitos Mobutu Sese Seko do Congo.

As democracias não só têm um desempenho económico superior ao das ditaduras no que respeita a crescimento económico de longo prazo, como também as ultrapassam em vários outros aspectos importantes. Proporcionam uma estabilidade económica muito maior, avaliada pelos altos e baixos do ciclo empresarial. Adaptam-se melhor a choques económicos externos (tais como a queda dos termos de troca ou súbitas paragens de fluxos de capital). Criam maior investimento em capital humano - saúde e educação. E dão origem a sociedades mais equitativas.

Em contrapartida, os regimes autoritários acabam por criar economias tão frágeis quanto o seu sistema político. A sua força económica, quando existe, assenta na força do líder, ou em circunstâncias favoráveis mas temporárias. Não podem aspirar a uma inovação económica continuada nem a uma liderança económica global.

À primeira vista, a China parece ser uma excepção. Desde finais da década de 1970, depois do fim das desastrosas experiências de Mao, tem tido um desempenho excelente, apresentando taxas de crescimento económico sem precedentes. Embora tenha democratizado algumas das suas políticas locais, o Partido Comunista Chinês mantém um apertado controlo das políticas nacionais e o cenário, em termos de direitos humanos, é arruinado por frequentes abusos.

Mas, comparativamente, a China continua a ser um país pobre. O seu progresso económico futuro depende em boa medida da sua capacidade de abrir o sistema político à concorrência, da mesma forma que abriu a sua economia. Sem essa mudança, a falta de mecanismos institucionalizados para dar voz e organizar as divergências vai acabar por originar conflitos que vão arruinar a capacidade de repressão do regime. A estabilidade política e o crescimento económico vão ambos sofrer.

No entanto, a Rússia e a China são ambos economias poderosas. O seu exemplo poderá levar líderes de outras partes do mundo a pensar que podem aspirar à ascensão económica ao mesmo tempo que encurtam a rédea à oposição política nacional.

Vejamos a Turquia, um poder económico em ascensão no Médio Oriente que, até há pouco tempo, parecia destinada a ser a única democracia muçulmana da região. Durante o seu primeiro mandato, o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan abrandou algumas restrições às minorias curdas e ratificou reformas que alinhavam o sistema legal do país pelas normas europeias.

Mas mais recentemente Erdogan e os seus aliados lançaram uma campanha levemente disfarçada para intimidar os seus opositores e consolidar o controlo do Governo dos meios de comunicação social e das instituições públicas. Prenderam centenas de militares, académicos e jornalistas com falsas acusações de fomentarem o terror e prepararem golpes de Estado. As escutas telefónicas e as perseguições aos críticos são tão comuns que há quem ache que o país se transformou numa "república do medo."

Este regresso às práticas ditatoriais é prejudicial à economia do país, apesar das suas bases sólidas. Terá efeitos corrosivos na qualidade das decisões políticas e enfraquecerá a reivindicação da Turquia de uma posição económica global.

Como verdadeiras superpotências económicas em ascensão devíamos virar-nos para países como o Brasil, a Índia e a África do Sul, que concluíram já as suas transições para a democracia sendo pouco provável que recuem. É evidente que estes países também têm problemas. O Brasil ainda terá de recuperar na totalidade o seu dinamismo económico e de encontrar um caminho para o crescimento rápido. A democracia da Índia pode ser exasperante na sua resistência à mudança económica. E a África do Sul sofre de um nível elevado de desemprego.

Todavia, estes desafios não são nada quando comparados com as gigantescas tarefas de transformação institucional que os países autoritários vão ter de enfrentar. Não se admirem que o Brasil passe à frente da Turquia, que a África do Sul ultrapasse a Rússia e Índia supere a China.

Professor de Economia Política na Universidade de Harvard

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