De Rerum Natura: Ainda a falta do ensino técnico-profissional

23-12-2009
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Em complemento do seu último post, Rui Baptista enviou-nos mais outro sobre o mesmo tema (na foto, José Saramago recebe o Prémio Nobel):“Existe uma erótica do novo, o antigo é sempre suspeito” (Roland Barthes).Um dos comentários ao meu último post “A falta do ensino técnico-profissional”, pode ter deixado passar a ideia de ser este ensino vocacionado para cábulas ou filhos de pais de estratos cultural e económico baixos. Pelo que posso testemunhar, tomando o exemplo da minha saudosa docência na Escola Mouzinho de Albuquerque da ex-Lourenço Marques, dois professores licenciados do seu corpo docente matricularam nesta escola como escolha preferencial os seus filhos, que, posteriormente, vieram a fazer o seu percurso universitário.Um dos males deste país, em que se confunde democratização com mediocratização, é continuar a pensar-se que, tão-só, um diploma de licenciatura é o “abre-te Sésamo” de um emprego devidamente remunerado e de elevado prestígio social, o que leva, ainda mesmo hoje, os pais de poucas posses a sacrificarem-se para terem um filho possuidor de um canudo mesmo que leve o dobro dos anos a formar-se, dando, desta forma, aval a um dito amargo do falecido Francisco de Sousa Tavares: “Estamos a formar não um país de analfabetos, como até aqui, mas um país de burros diplomados”.Ora a expressão “burros diplomados” que Sousa Tavares usou não se dirige, certamente, apropriando-me de uma frase de um outro comentário, à “estigmatização dos alunos enviados para as escolas ‘de burros’ ” (aliás, tese rejeitada pela própria autora do comentário). Indivíduos diplomados por antigas escolas técnicas prosseguiram estudos alcançando diplomas universitários e a própria cátedra universitária. José Saramago, possuidor de um desses diplomas, chegou a Prémio Nobel da Literatura e Jerónimo de Sousa distinguiu-se no campo da política. Diplomados por antigas escolas comerciais exercem hoje a profissão de contabilistas. Muitos destes cursados, e é bom que se ponha o enfoque nisto, receberam simultaneamente uma formação cívica e moral que os autoriza a apresentarem o seu percurso escolar aos filhos como exemplo a seguir: ”Sempre tivemos capacidade de entrar em algumas brincadeiras, partidas mais ousadas, sem sequer roçar a má educação, ordinarice ou violência” (frase de ex-aluno no“site” da Escola Industrial de Lourenço Marques). E o que vemos nós hoje nas nossas escolas secundárias que preparam futuros licenciados? Má educação, ordinarice e violência por parte, muitas vezes, de alunos para quem a escola única actual nada lhes diz sendo até uma verdadeira chatice.Sei bem que, em tempos do extinto ensino técnico, eram exigidos mais dois anos de estudo para que os seus diplomados ascendessem ao ensino superior. Pela então chamada via liceal eram impostos 4 anos de ensino primário, 2 de ciclo preparatório e 5 anos de liceu num total de 11 anos de escolaridade. Em contrapartida, no ensino técnico havia que cumprir os mesmos anos de ensinos primário e de ciclo preparatório (6 anos), mais 5 anos de curso geral industrial ou comercial, acrescidos de 2 anos de curso complementar dos referidos cursos e dos 2 primeiros anos dos antigos Institutos Industriais e Comerciais (actuais Institutos Superiores de Engenharia e Contabilidade), o que perfazia um total de 13 anos que abriam, finalmente, os portões das escolas universitárias de Engenharia ou de Economia e Finanças.Além de restaurar a dignidade do antigo ensino técnico parece-me igualmente importante a criação de uma espécie de sistema de vasos comunicantes que possa levar o aluno, se desinserido das suas verdadeiras capacidades, por decisões parentais ou de qualquer outra natureza, a transitar directamente para um ensino do tipo do antigo liceu a partir do nono ano de escolaridade.A verdadeira gravidade do statu quo actual do nosso ensino reside, outrosim, em assistir-se, em nossos dias de autêntica manipulação de dados estatísticos de sucesso escolar, a uma caça despudorada a diplomas de licenciatura ou até de doutoramento obtidos em escolas d’aquém e além fronteiras de duvidosa qualidade, ou mesmo de duvidosa seriedade, que apenas servem para satisfazer o ego dos seus possuidores e atestar a respectiva ignorância, numa tentativa desesperada de continuar a manter bem vivos, em imagem pessoana, “cadáveres adiados que procriam”. Até quando?


Em complemento do seu último post, Rui Baptista enviou-nos mais outro sobre o mesmo tema (na foto, José Saramago recebe o Prémio Nobel):“Existe uma erótica do novo, o antigo é sempre suspeito” (Roland Barthes).Um dos comentários ao meu último post “A falta do ensino técnico-profissional”, pode ter deixado passar a ideia de ser este ensino vocacionado para cábulas ou filhos de pais de estratos cultural e económico baixos. Pelo que posso testemunhar, tomando o exemplo da minha saudosa docência na Escola Mouzinho de Albuquerque da ex-Lourenço Marques, dois professores licenciados do seu corpo docente matricularam nesta escola como escolha preferencial os seus filhos, que, posteriormente, vieram a fazer o seu percurso universitário.Um dos males deste país, em que se confunde democratização com mediocratização, é continuar a pensar-se que, tão-só, um diploma de licenciatura é o “abre-te Sésamo” de um emprego devidamente remunerado e de elevado prestígio social, o que leva, ainda mesmo hoje, os pais de poucas posses a sacrificarem-se para terem um filho possuidor de um canudo mesmo que leve o dobro dos anos a formar-se, dando, desta forma, aval a um dito amargo do falecido Francisco de Sousa Tavares: “Estamos a formar não um país de analfabetos, como até aqui, mas um país de burros diplomados”.Ora a expressão “burros diplomados” que Sousa Tavares usou não se dirige, certamente, apropriando-me de uma frase de um outro comentário, à “estigmatização dos alunos enviados para as escolas ‘de burros’ ” (aliás, tese rejeitada pela própria autora do comentário). Indivíduos diplomados por antigas escolas técnicas prosseguiram estudos alcançando diplomas universitários e a própria cátedra universitária. José Saramago, possuidor de um desses diplomas, chegou a Prémio Nobel da Literatura e Jerónimo de Sousa distinguiu-se no campo da política. Diplomados por antigas escolas comerciais exercem hoje a profissão de contabilistas. Muitos destes cursados, e é bom que se ponha o enfoque nisto, receberam simultaneamente uma formação cívica e moral que os autoriza a apresentarem o seu percurso escolar aos filhos como exemplo a seguir: ”Sempre tivemos capacidade de entrar em algumas brincadeiras, partidas mais ousadas, sem sequer roçar a má educação, ordinarice ou violência” (frase de ex-aluno no“site” da Escola Industrial de Lourenço Marques). E o que vemos nós hoje nas nossas escolas secundárias que preparam futuros licenciados? Má educação, ordinarice e violência por parte, muitas vezes, de alunos para quem a escola única actual nada lhes diz sendo até uma verdadeira chatice.Sei bem que, em tempos do extinto ensino técnico, eram exigidos mais dois anos de estudo para que os seus diplomados ascendessem ao ensino superior. Pela então chamada via liceal eram impostos 4 anos de ensino primário, 2 de ciclo preparatório e 5 anos de liceu num total de 11 anos de escolaridade. Em contrapartida, no ensino técnico havia que cumprir os mesmos anos de ensinos primário e de ciclo preparatório (6 anos), mais 5 anos de curso geral industrial ou comercial, acrescidos de 2 anos de curso complementar dos referidos cursos e dos 2 primeiros anos dos antigos Institutos Industriais e Comerciais (actuais Institutos Superiores de Engenharia e Contabilidade), o que perfazia um total de 13 anos que abriam, finalmente, os portões das escolas universitárias de Engenharia ou de Economia e Finanças.Além de restaurar a dignidade do antigo ensino técnico parece-me igualmente importante a criação de uma espécie de sistema de vasos comunicantes que possa levar o aluno, se desinserido das suas verdadeiras capacidades, por decisões parentais ou de qualquer outra natureza, a transitar directamente para um ensino do tipo do antigo liceu a partir do nono ano de escolaridade.A verdadeira gravidade do statu quo actual do nosso ensino reside, outrosim, em assistir-se, em nossos dias de autêntica manipulação de dados estatísticos de sucesso escolar, a uma caça despudorada a diplomas de licenciatura ou até de doutoramento obtidos em escolas d’aquém e além fronteiras de duvidosa qualidade, ou mesmo de duvidosa seriedade, que apenas servem para satisfazer o ego dos seus possuidores e atestar a respectiva ignorância, numa tentativa desesperada de continuar a manter bem vivos, em imagem pessoana, “cadáveres adiados que procriam”. Até quando?

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