ENTRE LINHAS ENTRE GENTE: "PIDES de 1ª e PIDES de 2ª"

22-12-2009
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" [...]Trauteando uma canção em voga na época, o engraxador não dava mostras de se interessar pela nossa conversa. O homem recebeu os dez tostões e arranca com a caixa, enquanto se aproxima de nós o empregado, afobado e aflito, e pespega-nos: "Vão-se embora já! O bufo já está a denunciá-los à PIDE! Eles não tardam aí. Saiam, logo pagam depois![...]"Alguma coisa se tem escrito sobre a política de Salazar, que tinha carta branca para prender sem mandato, torturar e até fazer desaparecer muito bom cidadão deste país que não afinasse pela democracia orgânica inventada pelo antigo presidente do conselho, de que é exemplo notório o assassinato de Humberto Delgado.Estima-se em cerca de 2.500, os agentes da PIDE à data do 25 de Abril e grande parte deles está hoje bem instalada na vida; até condecorados foram depois da Revolução.No entanto, o que ninguém conseguiu contabilizar foi o número de informadores que constituíam a rede quase subterrânea dos chamados "bufos" de triste memória, uma casta venenosa que denunciava ao seu agente qualquer conversa que escutasse, a troco de dez reis de mel mal coado. Medrava esta erva daninha em qualquer escalão social, desde um director politicamente convicto até um desempregado IGNORANTE!Sabia-se, inclusive, que a PIDE tinha viaturas donde escutava qualquer conversa a cerca de seis metros. Qualquer carro encostado ao passeio era duvidoso em muitos casos.Esta máquina infernal constituía o suporte repressivo da ditadura, com censura prévia, a que davam uma mãozinha a muita profícua e conhecida Legião Portuguesa e as forças paramilitares, entre outros esquemas.Existiam a nível local a qualquer cidadão consciente que se tornasse notado sofria as consequências da praxe, onde não faltava a calúnia e a infâmia para prejudicar, pessoal e profissionalmente o indivíduo.O autor destas linhas foi também protagonista da acção dos tais"bufos".Com efeito, certa vez, num café no Largo de Santos-o-Velho, ali à Madragoa, com outros dois colegas da rádio e enquanto tomávamos o café, um deles chama o engraxador. Continuávamos com as nossas lamentações sobre a carestia da vida, os miseráveis ordenados, a falta de liberdade e a repressão.Trauteando uma canção em voga na época, o engraxador não dava mostras de se interessar pela nossa conversa. O homem recebeu os dez tostões e arranca com a caixa, enquanto se aproxima de nós o empregado, afobado e aflito, e pespega-nos: "Vão-se embora já! O bufo já está a denunciá-los à PIDE! Eles não tardam aí. Saiam, logo pagam depois!"Rapidamente espalhámo-nos pelo jardim e pouco depois chegam de carro dois agabardinados agentes que entraram no café de rompante. Vimo-los sair imediatamente, olhando para todos os lados.Era assim que a máquina agia.Mais tarde deparámo-nos com o nosso amigo engraxador de cabeça ligada, olhos esmurrados e muito bem enfeitado com nódoas negras na cara. Disse¬nos o empregado que até àquela data ninguém sabe quem fez aquele belo trabalho ao "bufo". José Pereira Júnior(O Passado no Presente - Pequenas Histórias da Resistência, URAP, Abril 2004)


" [...]Trauteando uma canção em voga na época, o engraxador não dava mostras de se interessar pela nossa conversa. O homem recebeu os dez tostões e arranca com a caixa, enquanto se aproxima de nós o empregado, afobado e aflito, e pespega-nos: "Vão-se embora já! O bufo já está a denunciá-los à PIDE! Eles não tardam aí. Saiam, logo pagam depois![...]"Alguma coisa se tem escrito sobre a política de Salazar, que tinha carta branca para prender sem mandato, torturar e até fazer desaparecer muito bom cidadão deste país que não afinasse pela democracia orgânica inventada pelo antigo presidente do conselho, de que é exemplo notório o assassinato de Humberto Delgado.Estima-se em cerca de 2.500, os agentes da PIDE à data do 25 de Abril e grande parte deles está hoje bem instalada na vida; até condecorados foram depois da Revolução.No entanto, o que ninguém conseguiu contabilizar foi o número de informadores que constituíam a rede quase subterrânea dos chamados "bufos" de triste memória, uma casta venenosa que denunciava ao seu agente qualquer conversa que escutasse, a troco de dez reis de mel mal coado. Medrava esta erva daninha em qualquer escalão social, desde um director politicamente convicto até um desempregado IGNORANTE!Sabia-se, inclusive, que a PIDE tinha viaturas donde escutava qualquer conversa a cerca de seis metros. Qualquer carro encostado ao passeio era duvidoso em muitos casos.Esta máquina infernal constituía o suporte repressivo da ditadura, com censura prévia, a que davam uma mãozinha a muita profícua e conhecida Legião Portuguesa e as forças paramilitares, entre outros esquemas.Existiam a nível local a qualquer cidadão consciente que se tornasse notado sofria as consequências da praxe, onde não faltava a calúnia e a infâmia para prejudicar, pessoal e profissionalmente o indivíduo.O autor destas linhas foi também protagonista da acção dos tais"bufos".Com efeito, certa vez, num café no Largo de Santos-o-Velho, ali à Madragoa, com outros dois colegas da rádio e enquanto tomávamos o café, um deles chama o engraxador. Continuávamos com as nossas lamentações sobre a carestia da vida, os miseráveis ordenados, a falta de liberdade e a repressão.Trauteando uma canção em voga na época, o engraxador não dava mostras de se interessar pela nossa conversa. O homem recebeu os dez tostões e arranca com a caixa, enquanto se aproxima de nós o empregado, afobado e aflito, e pespega-nos: "Vão-se embora já! O bufo já está a denunciá-los à PIDE! Eles não tardam aí. Saiam, logo pagam depois!"Rapidamente espalhámo-nos pelo jardim e pouco depois chegam de carro dois agabardinados agentes que entraram no café de rompante. Vimo-los sair imediatamente, olhando para todos os lados.Era assim que a máquina agia.Mais tarde deparámo-nos com o nosso amigo engraxador de cabeça ligada, olhos esmurrados e muito bem enfeitado com nódoas negras na cara. Disse¬nos o empregado que até àquela data ninguém sabe quem fez aquele belo trabalho ao "bufo". José Pereira Júnior(O Passado no Presente - Pequenas Histórias da Resistência, URAP, Abril 2004)

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