ABRUPTO

03-08-2010
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TEMAS PRESIDENCIAIS: LOUÇÃ E OS DEBATES

1.Embora os debates ainda não tenham terminado e faltem dois importantes (decisivos? não sei) à data em que escrevo, penso que a candidatura que mais favorecida tem sido é a de Francisco Louçã. Todos os debates lhe correram bem, em particular o que teve com Cavaco.

2. Saliente-se, logo à cabeça, que não penso que esta candidatura tenha alguma coisa a ver com as eleições presidenciais. Louçã aproveita o tempo de antena presidencial para promover a sua organização política e a si próprio, o que é aliás legítimo em candidaturas de carácter tribunício, como também é a de Jerónimo de Sousa. E nessa função, após um arranque débil, a participação nos debates presidenciais tem-no favorecido. O modelo dos debates começa por colocar todos os candidatos que os jornalistas escolhem (e não todos os candidatos) no mesmo nível de importância. Logo à partida essa posição de relevo igualizadora é-lhe favorável, coloca-o como Grande entre os Grandes, o primeiro objectivo de um Pequeno. Louçã não tem desmerecido dessa condição.

3. Ainda mais favorável é o facto de Louçã poder usar de toda a liberdade discursiva, e tratar, como aliás justificou, de tudo. Um candidato presidencial pode tratar de tudo, só que nem a todos se lhe admite a liberdade de tratar de tudo sem ter que teorizar sobre os poderes presidenciais, ou sem que se lhe suspeitem intenções de subversão da Constituição e do regime. Esta liberdade é-lhe concedida pelos jornalistas e pelos seus adversários, que ainda não o confrontaram com os limites dos poderes presidenciais, porque pura e simplesmente não o tomam como candidato presidencial, mas como o líder do BE.

4. O que Louçã tem conseguido é seu mérito e demérito alheio. Ele é um dos políticos portugueses mais experientes e mais velhos na função. Fazendo política profissional desde a adolescência, antes do 25 de Abril, tem mais experiência do que Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, ombreando com Soares e Alegre, que, no entanto, têm a desvantagem de parecer muito mais "velhos" do que ele. Mais: Louçã fez toda a sua vida política em grupos radicais nos quais o debate e a discussão, oral e por escrito, é sistemática e permanente. Como quadro trotsquista, actuando nos grupos trotsquistas portugueses e na Quarta Internacional, Louçã participou de parte inteira em grupos que não só são internacionalistas e cosmopolitas, como incluem gente muito brilhante e capaz, de que ele faz parte de pleno direito. Mais do que qualquer outro dos seus companheiros de corrida presidencial, Louçã tem milhares e milhares de horas de discussão por detrás, discussões muitas vezes duras, escolásticas, doutrinais, sobre nuances políticas exploradas até à exaustão. Se a isso somarmos a sua experiência académica, os seus hábitos de estudo e leitura, e a sua inteligência, temos a chave das suas capacidades.

5. O problema com Louçã não são as suas capacidades, é o facto de elas ofuscarem, na nossa mediania comunicacional, o escrutínio do seu radicalismo, das inverdades da sua propaganda, e da essência demagógica e populista do seu discurso arrogante e moralista. Louçã é o único que fala como escreve, inclui os sublinhados, as aspas, as vírgulas e os pontos finais. É um discurso fechado e cerrado a qualquer interpretação, ou porque ele próprio fornece o quadro da sua interpretação, como se uma mão invisível fosse sublinhando a marcador amarelo e vermelho as frases que temos que ver, ou porque nos acena de imediato com o pecado moral em que estamos a cair se com ele não concordamos. Quando fala da guerra do Iraque, o ouvinte que com ele não concorda já está de imediato na posição de réu moral de qualquer crime. Nisso ele e Paulo Portas são quase iguais.

6. A sua vantagem nos debates não vem só das suas capacidades retóricas e argumentativas (menos aliás do que do seu saber, porque Louçã deturpa os dados de uma forma pouco académica para servirem para a propaganda), mas também do facto de ele ter um dos discursos políticos com menos baias que se fazem em Portugal. Ele tem baias, enormes e rígidas baias, só que é preciso percebê-lo política e ideologicamente muito bem, para as revelar. É preciso conhecer muito bem as novas formas de "língua de pau" do radicalismo, que mudou de madeira quando a anterior se esboroou.

7. Na prática, Louçã fala do que quer, como quer, dizendo o que quer, porque não tem que prestar contas, não tem responsabilidades por nada, nem tem memória, nem actua em função dos cargos a que concorre, nem das leis, nem da democracia, nem da economia de mercado. Louçã é um socialista colectivista, uma forma peculiar de comunista, se o termo não estivesse tão abastardado, um revolucionário de raiz leninista, aceitando o princípio do direito à violência para derrubar o "capitalismo", defensor de um regime político-social autoritário, sempre presente como pano de fundo na lógica da sua argumentação. Ele nunca o dirá, porque somente faz a crítica ao existente. É na crítica que ele brilha, mas não tem que pagar o preço de falar das alternativas, a não ser através de uma retórica de ocultação, porque as alternativas com que ele concorda lhe estragariam a imagem e a propaganda.

8. Que país se aproxima, no seu regime político-económico, do que Louçã pretende para Portugal? Aqui está uma pergunta a que ele não responde facilmente, em particular se quem lha colocar souber evitar as fugas que a sua habilidade fará aparecer. O albanês, o da Nicarágua sandinista, o de Cuba, o sueco, o argelino, o do Brasil de Lula, o holandês, a Venezuela de Chávez? Ele tenderá a sugerir, sem o dizer, que é o sueco na segurança social e o holandês nos costumes, mas sugestio falsi, diria um jesuíta ilustrado. Em que partidos e movimentos, fora e dentro da Europa, Louçã se revê? Nos zapatistas de Chiapa, nos trotsquistas franceses (quais?), nos peronistas, no PT de Lula, ou na ala esquerda do PT? Prudente silêncio nas grandes intervenções, e só levantando a ponta do véu nos círculos partidários. Que política externa devemos ter face à Europa, à OTAN e aos EUA? Aqui Louçã é mais transparente, mas convinha perceber que, na prática, a política que ele nos sugere é muito parecida com a da Venezuela, ou a da Líbia, excluídos os respectivos particularismos regionais.

9. O mundo de Louçã, que é transparente para quem conheça as suas posições, é obscuro para quem apenas o ouça a fazer grandes debates e para a maioria das audiências que o conhece apenas da televisão e da propaganda. O que é que ele realmente pensa da economia de mercado? Como é que ele entende as empresas no seu país ideal, como vê a propriedade privada, até onde é que ele pensa que devem ir os impostos para financiar o país providencial que sugere ser o alfa e ómega do seu programa político.

Não basta só falar do desemprego e da segurança social, dos impostos, e enunciar um programa meio sindicalista, assistencial e de fiscalidade punitiva dos "ricos", completamente irrealista. Esse programa levaria a uma forte conflituosidade social, ao encerramento de muitas empresas, à fuga de capitais, ao fim do investimento e seria ineficaz sem repressão. O programa de Louçã nunca aparece nos debates, mas é a uma espécie de PREC que conduz. Ouvi-lo pode ser mavioso, moderno e desempoeirado, mas tomá-lo à letra é sinistro.

(No Público de hoje.) 1.Embora os debates ainda não tenham terminado e faltem dois importantes (decisivos? não sei) à data em que escrevo, penso que a candidatura que mais favorecida tem sido é a de Francisco Louçã. Todos os debates lhe correram bem, em particular o que teve com Cavaco.2. Saliente-se, logo à cabeça, que não penso que esta candidatura tenha alguma coisa a ver com as eleições presidenciais. Louçã aproveita o tempo de antena presidencial para promover a sua organização política e a si próprio, o que é aliás legítimo em candidaturas de carácter tribunício, como também é a de Jerónimo de Sousa. E nessa função, após um arranque débil, a participação nos debates presidenciais tem-no favorecido. O modelo dos debates começa por colocar todos os candidatos que os jornalistas escolhem (e não todos os candidatos) no mesmo nível de importância. Logo à partida essa posição de relevo igualizadora é-lhe favorável, coloca-o como Grande entre os Grandes, o primeiro objectivo de um Pequeno. Louçã não tem desmerecido dessa condição.3. Ainda mais favorável é o facto de Louçã poder usar de toda a liberdade discursiva, e tratar, como aliás justificou, de tudo. Um candidato presidencial pode tratar de tudo, só que nem a todos se lhe admite a liberdade de tratar de tudo sem ter que teorizar sobre os poderes presidenciais, ou sem que se lhe suspeitem intenções de subversão da Constituição e do regime. Esta liberdade é-lhe concedida pelos jornalistas e pelos seus adversários, que ainda não o confrontaram com os limites dos poderes presidenciais, porque pura e simplesmente não o tomam como candidato presidencial, mas como o líder do BE.4. O que Louçã tem conseguido é seu mérito e demérito alheio. Ele é um dos políticos portugueses mais experientes e mais velhos na função. Fazendo política profissional desde a adolescência, antes do 25 de Abril, tem mais experiência do que Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, ombreando com Soares e Alegre, que, no entanto, têm a desvantagem de parecer muito mais "velhos" do que ele. Mais: Louçã fez toda a sua vida política em grupos radicais nos quais o debate e a discussão, oral e por escrito, é sistemática e permanente. Como quadro trotsquista, actuando nos grupos trotsquistas portugueses e na Quarta Internacional, Louçã participou de parte inteira em grupos que não só são internacionalistas e cosmopolitas, como incluem gente muito brilhante e capaz, de que ele faz parte de pleno direito. Mais do que qualquer outro dos seus companheiros de corrida presidencial, Louçã tem milhares e milhares de horas de discussão por detrás, discussões muitas vezes duras, escolásticas, doutrinais, sobre nuances políticas exploradas até à exaustão. Se a isso somarmos a sua experiência académica, os seus hábitos de estudo e leitura, e a sua inteligência, temos a chave das suas capacidades.5. O problema com Louçã não são as suas capacidades, é o facto de elas ofuscarem, na nossa mediania comunicacional, o escrutínio do seu radicalismo, das inverdades da sua propaganda, e da essência demagógica e populista do seu discurso arrogante e moralista. Louçã é o único que fala como escreve, inclui os sublinhados, as aspas, as vírgulas e os pontos finais. É um discurso fechado e cerrado a qualquer interpretação, ou porque ele próprio fornece o quadro da sua interpretação, como se uma mão invisível fosse sublinhando a marcador amarelo e vermelho as frases que temos que ver, ou porque nos acena de imediato com o pecado moral em que estamos a cair se com ele não concordamos. Quando fala da guerra do Iraque, o ouvinte que com ele não concorda já está de imediato na posição de réu moral de qualquer crime. Nisso ele e Paulo Portas são quase iguais.6. A sua vantagem nos debates não vem só das suas capacidades retóricas e argumentativas (menos aliás do que do seu saber, porque Louçã deturpa os dados de uma forma pouco académica para servirem para a propaganda), mas também do facto de ele ter um dos discursos políticos com menos baias que se fazem em Portugal. Ele tem baias, enormes e rígidas baias, só que é preciso percebê-lo política e ideologicamente muito bem, para as revelar. É preciso conhecer muito bem as novas formas de "língua de pau" do radicalismo, que mudou de madeira quando a anterior se esboroou.7. Na prática, Louçã fala do que quer, como quer, dizendo o que quer, porque não tem que prestar contas, não tem responsabilidades por nada, nem tem memória, nem actua em função dos cargos a que concorre, nem das leis, nem da democracia, nem da economia de mercado. Louçã é um socialista colectivista, uma forma peculiar de comunista, se o termo não estivesse tão abastardado, um revolucionário de raiz leninista, aceitando o princípio do direito à violência para derrubar o "capitalismo", defensor de um regime político-social autoritário, sempre presente como pano de fundo na lógica da sua argumentação. Ele nunca o dirá, porque somente faz a crítica ao existente. É na crítica que ele brilha, mas não tem que pagar o preço de falar das alternativas, a não ser através de uma retórica de ocultação, porque as alternativas com que ele concorda lhe estragariam a imagem e a propaganda.8. Que país se aproxima, no seu regime político-económico, do que Louçã pretende para Portugal? Aqui está uma pergunta a que ele não responde facilmente, em particular se quem lha colocar souber evitar as fugas que a sua habilidade fará aparecer. O albanês, o da Nicarágua sandinista, o de Cuba, o sueco, o argelino, o do Brasil de Lula, o holandês, a Venezuela de Chávez? Ele tenderá a sugerir, sem o dizer, que é o sueco na segurança social e o holandês nos costumes, mas sugestio falsi, diria um jesuíta ilustrado. Em que partidos e movimentos, fora e dentro da Europa, Louçã se revê? Nos zapatistas de Chiapa, nos trotsquistas franceses (quais?), nos peronistas, no PT de Lula, ou na ala esquerda do PT? Prudente silêncio nas grandes intervenções, e só levantando a ponta do véu nos círculos partidários. Que política externa devemos ter face à Europa, à OTAN e aos EUA? Aqui Louçã é mais transparente, mas convinha perceber que, na prática, a política que ele nos sugere é muito parecida com a da Venezuela, ou a da Líbia, excluídos os respectivos particularismos regionais.9. O mundo de Louçã, que é transparente para quem conheça as suas posições, é obscuro para quem apenas o ouça a fazer grandes debates e para a maioria das audiências que o conhece apenas da televisão e da propaganda. O que é que ele realmente pensa da economia de mercado? Como é que ele entende as empresas no seu país ideal, como vê a propriedade privada, até onde é que ele pensa que devem ir os impostos para financiar o país providencial que sugere ser o alfa e ómega do seu programa político.Não basta só falar do desemprego e da segurança social, dos impostos, e enunciar um programa meio sindicalista, assistencial e de fiscalidade punitiva dos "ricos", completamente irrealista. Esse programa levaria a uma forte conflituosidade social, ao encerramento de muitas empresas, à fuga de capitais, ao fim do investimento e seria ineficaz sem repressão. O programa de Louçã nunca aparece nos debates, mas é a uma espécie de PREC que conduz. Ouvi-lo pode ser mavioso, moderno e desempoeirado, mas tomá-lo à letra é sinistro.(Node hoje.)

(url) © José Pacheco Pereira

TEMAS PRESIDENCIAIS: LOUÇÃ E OS DEBATES

1.Embora os debates ainda não tenham terminado e faltem dois importantes (decisivos? não sei) à data em que escrevo, penso que a candidatura que mais favorecida tem sido é a de Francisco Louçã. Todos os debates lhe correram bem, em particular o que teve com Cavaco.

2. Saliente-se, logo à cabeça, que não penso que esta candidatura tenha alguma coisa a ver com as eleições presidenciais. Louçã aproveita o tempo de antena presidencial para promover a sua organização política e a si próprio, o que é aliás legítimo em candidaturas de carácter tribunício, como também é a de Jerónimo de Sousa. E nessa função, após um arranque débil, a participação nos debates presidenciais tem-no favorecido. O modelo dos debates começa por colocar todos os candidatos que os jornalistas escolhem (e não todos os candidatos) no mesmo nível de importância. Logo à partida essa posição de relevo igualizadora é-lhe favorável, coloca-o como Grande entre os Grandes, o primeiro objectivo de um Pequeno. Louçã não tem desmerecido dessa condição.

3. Ainda mais favorável é o facto de Louçã poder usar de toda a liberdade discursiva, e tratar, como aliás justificou, de tudo. Um candidato presidencial pode tratar de tudo, só que nem a todos se lhe admite a liberdade de tratar de tudo sem ter que teorizar sobre os poderes presidenciais, ou sem que se lhe suspeitem intenções de subversão da Constituição e do regime. Esta liberdade é-lhe concedida pelos jornalistas e pelos seus adversários, que ainda não o confrontaram com os limites dos poderes presidenciais, porque pura e simplesmente não o tomam como candidato presidencial, mas como o líder do BE.

4. O que Louçã tem conseguido é seu mérito e demérito alheio. Ele é um dos políticos portugueses mais experientes e mais velhos na função. Fazendo política profissional desde a adolescência, antes do 25 de Abril, tem mais experiência do que Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, ombreando com Soares e Alegre, que, no entanto, têm a desvantagem de parecer muito mais "velhos" do que ele. Mais: Louçã fez toda a sua vida política em grupos radicais nos quais o debate e a discussão, oral e por escrito, é sistemática e permanente. Como quadro trotsquista, actuando nos grupos trotsquistas portugueses e na Quarta Internacional, Louçã participou de parte inteira em grupos que não só são internacionalistas e cosmopolitas, como incluem gente muito brilhante e capaz, de que ele faz parte de pleno direito. Mais do que qualquer outro dos seus companheiros de corrida presidencial, Louçã tem milhares e milhares de horas de discussão por detrás, discussões muitas vezes duras, escolásticas, doutrinais, sobre nuances políticas exploradas até à exaustão. Se a isso somarmos a sua experiência académica, os seus hábitos de estudo e leitura, e a sua inteligência, temos a chave das suas capacidades.

5. O problema com Louçã não são as suas capacidades, é o facto de elas ofuscarem, na nossa mediania comunicacional, o escrutínio do seu radicalismo, das inverdades da sua propaganda, e da essência demagógica e populista do seu discurso arrogante e moralista. Louçã é o único que fala como escreve, inclui os sublinhados, as aspas, as vírgulas e os pontos finais. É um discurso fechado e cerrado a qualquer interpretação, ou porque ele próprio fornece o quadro da sua interpretação, como se uma mão invisível fosse sublinhando a marcador amarelo e vermelho as frases que temos que ver, ou porque nos acena de imediato com o pecado moral em que estamos a cair se com ele não concordamos. Quando fala da guerra do Iraque, o ouvinte que com ele não concorda já está de imediato na posição de réu moral de qualquer crime. Nisso ele e Paulo Portas são quase iguais.

6. A sua vantagem nos debates não vem só das suas capacidades retóricas e argumentativas (menos aliás do que do seu saber, porque Louçã deturpa os dados de uma forma pouco académica para servirem para a propaganda), mas também do facto de ele ter um dos discursos políticos com menos baias que se fazem em Portugal. Ele tem baias, enormes e rígidas baias, só que é preciso percebê-lo política e ideologicamente muito bem, para as revelar. É preciso conhecer muito bem as novas formas de "língua de pau" do radicalismo, que mudou de madeira quando a anterior se esboroou.

7. Na prática, Louçã fala do que quer, como quer, dizendo o que quer, porque não tem que prestar contas, não tem responsabilidades por nada, nem tem memória, nem actua em função dos cargos a que concorre, nem das leis, nem da democracia, nem da economia de mercado. Louçã é um socialista colectivista, uma forma peculiar de comunista, se o termo não estivesse tão abastardado, um revolucionário de raiz leninista, aceitando o princípio do direito à violência para derrubar o "capitalismo", defensor de um regime político-social autoritário, sempre presente como pano de fundo na lógica da sua argumentação. Ele nunca o dirá, porque somente faz a crítica ao existente. É na crítica que ele brilha, mas não tem que pagar o preço de falar das alternativas, a não ser através de uma retórica de ocultação, porque as alternativas com que ele concorda lhe estragariam a imagem e a propaganda.

8. Que país se aproxima, no seu regime político-económico, do que Louçã pretende para Portugal? Aqui está uma pergunta a que ele não responde facilmente, em particular se quem lha colocar souber evitar as fugas que a sua habilidade fará aparecer. O albanês, o da Nicarágua sandinista, o de Cuba, o sueco, o argelino, o do Brasil de Lula, o holandês, a Venezuela de Chávez? Ele tenderá a sugerir, sem o dizer, que é o sueco na segurança social e o holandês nos costumes, mas sugestio falsi, diria um jesuíta ilustrado. Em que partidos e movimentos, fora e dentro da Europa, Louçã se revê? Nos zapatistas de Chiapa, nos trotsquistas franceses (quais?), nos peronistas, no PT de Lula, ou na ala esquerda do PT? Prudente silêncio nas grandes intervenções, e só levantando a ponta do véu nos círculos partidários. Que política externa devemos ter face à Europa, à OTAN e aos EUA? Aqui Louçã é mais transparente, mas convinha perceber que, na prática, a política que ele nos sugere é muito parecida com a da Venezuela, ou a da Líbia, excluídos os respectivos particularismos regionais.

9. O mundo de Louçã, que é transparente para quem conheça as suas posições, é obscuro para quem apenas o ouça a fazer grandes debates e para a maioria das audiências que o conhece apenas da televisão e da propaganda. O que é que ele realmente pensa da economia de mercado? Como é que ele entende as empresas no seu país ideal, como vê a propriedade privada, até onde é que ele pensa que devem ir os impostos para financiar o país providencial que sugere ser o alfa e ómega do seu programa político.

Não basta só falar do desemprego e da segurança social, dos impostos, e enunciar um programa meio sindicalista, assistencial e de fiscalidade punitiva dos "ricos", completamente irrealista. Esse programa levaria a uma forte conflituosidade social, ao encerramento de muitas empresas, à fuga de capitais, ao fim do investimento e seria ineficaz sem repressão. O programa de Louçã nunca aparece nos debates, mas é a uma espécie de PREC que conduz. Ouvi-lo pode ser mavioso, moderno e desempoeirado, mas tomá-lo à letra é sinistro.

(No Público de hoje.) 1.Embora os debates ainda não tenham terminado e faltem dois importantes (decisivos? não sei) à data em que escrevo, penso que a candidatura que mais favorecida tem sido é a de Francisco Louçã. Todos os debates lhe correram bem, em particular o que teve com Cavaco.2. Saliente-se, logo à cabeça, que não penso que esta candidatura tenha alguma coisa a ver com as eleições presidenciais. Louçã aproveita o tempo de antena presidencial para promover a sua organização política e a si próprio, o que é aliás legítimo em candidaturas de carácter tribunício, como também é a de Jerónimo de Sousa. E nessa função, após um arranque débil, a participação nos debates presidenciais tem-no favorecido. O modelo dos debates começa por colocar todos os candidatos que os jornalistas escolhem (e não todos os candidatos) no mesmo nível de importância. Logo à partida essa posição de relevo igualizadora é-lhe favorável, coloca-o como Grande entre os Grandes, o primeiro objectivo de um Pequeno. Louçã não tem desmerecido dessa condição.3. Ainda mais favorável é o facto de Louçã poder usar de toda a liberdade discursiva, e tratar, como aliás justificou, de tudo. Um candidato presidencial pode tratar de tudo, só que nem a todos se lhe admite a liberdade de tratar de tudo sem ter que teorizar sobre os poderes presidenciais, ou sem que se lhe suspeitem intenções de subversão da Constituição e do regime. Esta liberdade é-lhe concedida pelos jornalistas e pelos seus adversários, que ainda não o confrontaram com os limites dos poderes presidenciais, porque pura e simplesmente não o tomam como candidato presidencial, mas como o líder do BE.4. O que Louçã tem conseguido é seu mérito e demérito alheio. Ele é um dos políticos portugueses mais experientes e mais velhos na função. Fazendo política profissional desde a adolescência, antes do 25 de Abril, tem mais experiência do que Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, ombreando com Soares e Alegre, que, no entanto, têm a desvantagem de parecer muito mais "velhos" do que ele. Mais: Louçã fez toda a sua vida política em grupos radicais nos quais o debate e a discussão, oral e por escrito, é sistemática e permanente. Como quadro trotsquista, actuando nos grupos trotsquistas portugueses e na Quarta Internacional, Louçã participou de parte inteira em grupos que não só são internacionalistas e cosmopolitas, como incluem gente muito brilhante e capaz, de que ele faz parte de pleno direito. Mais do que qualquer outro dos seus companheiros de corrida presidencial, Louçã tem milhares e milhares de horas de discussão por detrás, discussões muitas vezes duras, escolásticas, doutrinais, sobre nuances políticas exploradas até à exaustão. Se a isso somarmos a sua experiência académica, os seus hábitos de estudo e leitura, e a sua inteligência, temos a chave das suas capacidades.5. O problema com Louçã não são as suas capacidades, é o facto de elas ofuscarem, na nossa mediania comunicacional, o escrutínio do seu radicalismo, das inverdades da sua propaganda, e da essência demagógica e populista do seu discurso arrogante e moralista. Louçã é o único que fala como escreve, inclui os sublinhados, as aspas, as vírgulas e os pontos finais. É um discurso fechado e cerrado a qualquer interpretação, ou porque ele próprio fornece o quadro da sua interpretação, como se uma mão invisível fosse sublinhando a marcador amarelo e vermelho as frases que temos que ver, ou porque nos acena de imediato com o pecado moral em que estamos a cair se com ele não concordamos. Quando fala da guerra do Iraque, o ouvinte que com ele não concorda já está de imediato na posição de réu moral de qualquer crime. Nisso ele e Paulo Portas são quase iguais.6. A sua vantagem nos debates não vem só das suas capacidades retóricas e argumentativas (menos aliás do que do seu saber, porque Louçã deturpa os dados de uma forma pouco académica para servirem para a propaganda), mas também do facto de ele ter um dos discursos políticos com menos baias que se fazem em Portugal. Ele tem baias, enormes e rígidas baias, só que é preciso percebê-lo política e ideologicamente muito bem, para as revelar. É preciso conhecer muito bem as novas formas de "língua de pau" do radicalismo, que mudou de madeira quando a anterior se esboroou.7. Na prática, Louçã fala do que quer, como quer, dizendo o que quer, porque não tem que prestar contas, não tem responsabilidades por nada, nem tem memória, nem actua em função dos cargos a que concorre, nem das leis, nem da democracia, nem da economia de mercado. Louçã é um socialista colectivista, uma forma peculiar de comunista, se o termo não estivesse tão abastardado, um revolucionário de raiz leninista, aceitando o princípio do direito à violência para derrubar o "capitalismo", defensor de um regime político-social autoritário, sempre presente como pano de fundo na lógica da sua argumentação. Ele nunca o dirá, porque somente faz a crítica ao existente. É na crítica que ele brilha, mas não tem que pagar o preço de falar das alternativas, a não ser através de uma retórica de ocultação, porque as alternativas com que ele concorda lhe estragariam a imagem e a propaganda.8. Que país se aproxima, no seu regime político-económico, do que Louçã pretende para Portugal? Aqui está uma pergunta a que ele não responde facilmente, em particular se quem lha colocar souber evitar as fugas que a sua habilidade fará aparecer. O albanês, o da Nicarágua sandinista, o de Cuba, o sueco, o argelino, o do Brasil de Lula, o holandês, a Venezuela de Chávez? Ele tenderá a sugerir, sem o dizer, que é o sueco na segurança social e o holandês nos costumes, mas sugestio falsi, diria um jesuíta ilustrado. Em que partidos e movimentos, fora e dentro da Europa, Louçã se revê? Nos zapatistas de Chiapa, nos trotsquistas franceses (quais?), nos peronistas, no PT de Lula, ou na ala esquerda do PT? Prudente silêncio nas grandes intervenções, e só levantando a ponta do véu nos círculos partidários. Que política externa devemos ter face à Europa, à OTAN e aos EUA? Aqui Louçã é mais transparente, mas convinha perceber que, na prática, a política que ele nos sugere é muito parecida com a da Venezuela, ou a da Líbia, excluídos os respectivos particularismos regionais.9. O mundo de Louçã, que é transparente para quem conheça as suas posições, é obscuro para quem apenas o ouça a fazer grandes debates e para a maioria das audiências que o conhece apenas da televisão e da propaganda. O que é que ele realmente pensa da economia de mercado? Como é que ele entende as empresas no seu país ideal, como vê a propriedade privada, até onde é que ele pensa que devem ir os impostos para financiar o país providencial que sugere ser o alfa e ómega do seu programa político.Não basta só falar do desemprego e da segurança social, dos impostos, e enunciar um programa meio sindicalista, assistencial e de fiscalidade punitiva dos "ricos", completamente irrealista. Esse programa levaria a uma forte conflituosidade social, ao encerramento de muitas empresas, à fuga de capitais, ao fim do investimento e seria ineficaz sem repressão. O programa de Louçã nunca aparece nos debates, mas é a uma espécie de PREC que conduz. Ouvi-lo pode ser mavioso, moderno e desempoeirado, mas tomá-lo à letra é sinistro.(Node hoje.)

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