ABRUPTO

23-12-2009
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TUDO ESTÁ A MUDAR, TUDO ESTÁ NA MESMA (1)

Nada é permanente, salvo a mudança . (Heráclito)

Já fiz várias campanhas eleitorais, em diferentes circunstâncias, em diferentes momentos. Muitas coisas são comparáveis e outras não o são de todo. Tenho para mim que é sempre mais importante perceber as diferenças do que estar a procurar semelhanças. E há movimento, apesar de tudo. Há coisas a mudar, poucas mas significativas, embora a resistência para fazer o mesmo continue, principalmente nas máquinas partidárias. No entanto, como o desgosto pela política é hoje dominante, com uma espécie de enfado pelos partidos que roça o antidemocrático, tende a privilegiar-se o meter tudo no mesmo saco, logo a insistir nas semelhanças. Há alguma intencionalidade política nestas afirmações, que vêm em pacote com as imprecações contra o "sistema", ou o "centrão", e que favorecem os partidos das margens como o BE e o PP.

Uma actividade da análise política do grau zero, muito praticada nos blogues, em debates interpartidários principalmente no Parlamento, é a permanente comparação com o passado pela lógica do "apanhei-te", o que tem os mesmos efeitos do enfado populista pela política. Tudo isto associado à clamorosa falta de memória, que permite a Louçã dizer num debate que as nacionalizações de 1975 eram inevitáveis pelo facto de os donos das empresas terem "fugido" para o Brasil. Sócrates, que o apanhou muitas vezes na contradança, não parecia conhecer as circunstâncias do que se passou, o que revela como se podem dizer enormidades (e Louçã sabe muito bem o que se passou) sem que as pessoas disso se apercebam. Se associarmos tudo isto à generalizada falta de estudo, patente em jornalistas e nos blogues, leva a essa retórica do "sempre o mesmo", com enorme falta de imaginação e nem sequer curiosidade para ver o que muda.

Diferenças - Poucas campanhas nos tempos mais recentes tiveram actores políticos que proponham coisas diferentes aos eleitores, que possam ser entendidas como tais pelo comum dos cidadãos. Em 2005, quer Sócrates, quer Santana propunham um programa desenvolvimentista, negando a "obsessão pelo défice" e proclamando baixas de impostos e empregos. Tinham visões diferentes sobre o passado, como é normal, mas não diferiam muito no que propunham aos portugueses. Hoje não é assim, Manuela Ferreira Leite e Sócrates, Portas e Louçã têm uma visão muito diferenciada quer sobre os problemas do presente, quer sobre as políticas do futuro. E não é apenas um saber da elite, é uma percepção que o homem comum tem.

Outras diferenças - Há também um confronto de carreiras, modo de ver a política, "modernidades", sensibilidades, gerações, imagens, que, particularmente entre Manuela Ferreira Leite e Sócrates, também dizem alguma coisa aos eleitores. Quando Sócrates, nas apreciações políticas, aparece sempre à frente nas apreciações mais valorativas e pessoais (como a "credibilidade", a "honestidade" e a "seriedade") e Manuela Ferreira Leite o suplanta, estamos perante diferenças de percepção cujo peso eleitoral se desconhece, mas que explicam duas campanhas, dois modos de fazer política muito distintos. Aqui também Jerónimo de Sousa é distinto e Louçã e Portas semelhantes a Sócrates.

Debates - Os debates têm sido seguidos por muitos portugueses, o que mostra que existe interesse activo pela política. Mas há muita coisa na fórmula destes debates que é mal conseguida, e a forma está continuamente a sofrer uma evolução nem sempre para melhor. Nas campanhas anteriores, o modelo dos debates era o das perguntas dos jornalistas sobre áreas sectoriais detalhadas, em detrimento da política geral. Eles tinham implícita a ideia de que um candidato a primeiro-ministro devia saber tudo, inclusive o fetiche dos números à unidade, sobre economia, educação, saúde, segurança social. Era uma espécie de exame à antiga, com os jornalistas como examinadores.

Ainda há resquícios dessa fórmula, mas a rigidez dos debates actuais, resultado das pressões políticas mais do que dos órgãos de comunicação social, conduz a uma subserviência a considerações de geografia formal do sistema partidário, que gera alguma abstracção do confronto político, logo a ruído. Os debates com maior sentido, ou como diria um jornalista, com "critérios editoriais", são Manuela Ferreira Leite com Sócrates e Portas, o mesmo para Portas com Manuela Ferreira Leite e Sócrates, entre Portas e Manuela Ferreira Leite, e por fim as duplas Sócrates com Louçã e Jerónimo de Sousa, e entre Jerónimo de Sousa e Louçã. Tem sentido que Sócrates discuta com todos.

Os outros debates podem ser curiosos, mas são pouco mais do que ruído. Que sentido tem uma discussão entre Manuela Ferreira Leite ou Portas com Louçã e Jerónimo de Sousa? Ou é um debate de pura ideologia, ou uma competição de populismos (como pode ser o debate entre PP e BE, que não vi quando escrevo este artigo), ou são monólogos em mútua companhia. Desta rigidez pode não vir nenhum mal ao mundo, mas não é muito diferente da que levou a um programa com doze candidatos autárquicos a Lisboa ao mesmo tempo.

A percepção que se tem dos debates é muito diferente quando se tenha visto todo o debate, ou quando se vejam apenas excertos. Manuela Ferreira Leite é favorecida pelos excertos e prejudicada pelo conjunto dos debates. Jerónimo de Sousa é prejudicado por tudo, só brilhou na Festa do Avante!. Louçã, que é de todos o mais preparado para a mecânica deste tipo de confrontos políticos - veja-se como ele interrompe sempre Manuela Ferreira Leite quando o argumento que esta dá lhe é prejudicial, a mesma técnica que usa Portas -, é muito prejudicado pelo conjunto dos debates porque quanto mais fala mais cansativo se torna e mais vazias parecem as suas propostas. Parecem "speedados". Portas tem os mesmos problemas de Louçã, quanto mais se ouve mais antipático parece e mais afastado da realidade. No confronto com Manuela Ferreira Leite, Portas parece conhecer as palavras e Manuela Ferreira Leite as pessoas, e isso intui-se porque, contrariamente ao que alguns pensam, há uma comunicação empática que vem das posturas pessoais dos que debatem. Por exemplo, Manuela Ferreira Leite, Jerónimo de Sousa e Sócrates ouviam os seus opositores, Louçã e Portas, mais este último, não ouviam nada. Quem vê e não está viciado na retórica política apercebe-se destes factores. Sócrates está quase sempre bem e prepara melhor que todos os debates, principalmente tendo uma estratégia para evitar discutir o presente e recorrer à técnica parlamentar de tentar apanhar em falso os seus adversários. Todos eles, menos Manuela Ferreira Leite, beneficiam do treino parlamentar e de muitos anos de política feita pelo verbo.

Temas ausentes - continua a ausência, por responsabilidade de todos, políticos e jornalistas, de vários temas dos mais importantes da vida política, como seja a Europa, as relações externas e a defesa. O predomínio é o da economia, seguida de agendas importadas da actualidade muitas vezes puramente casuísticas, outras artificiais.

Profissionalismo da campanha - O PS bate todos, com o recurso a toda uma panóplia profissional, com a entrada cada vez mais importante de agências de comunicação, especialistas de marketing, task forces , "campanhas negras" nos blogues vindas dos gabinetes governamentais, etc. A utilização de recursos públicos e os abusos de poder, como o panfleto da Rave, são recebidos com indiferença pela comunicação social, mesmo quando é diante dos olhos de todos, em contraste com os igualmente condenáveis quinhentos metros no carro madeirense. Em seguida, em matéria de profissionalismo, vem o BE, que se tornou um partido com posses, mas que tem também os melhores cartazes, e uma capacidade real de integrar a sua mensagem de campanha. O PP, com menos posses, também utiliza muito bem os seus cartazes de campanha, privilegiando, como o BE, uma campanha de "conteúdos" em directa consonância com os temas da sua campanha.

(Para a semana fica a "asfixia democrática", o engraçadismo, os "jovens", os brindes, etc.)

(Versão do Público de 12 de Setembro de 2009.) Já fiz várias campanhas eleitorais, em diferentes circunstâncias, em diferentes momentos. Muitas coisas são comparáveis e outras não o são de todo. Tenho para mim que é sempre mais importante perceber as diferenças do que estar a procurar semelhanças. E há movimento, apesar de tudo. Há coisas a mudar, poucas mas significativas, embora a resistência para fazer o mesmo continue, principalmente nas máquinas partidárias. No entanto, como o desgosto pela política é hoje dominante, com uma espécie de enfado pelos partidos que roça o antidemocrático, tende a privilegiar-se o meter tudo no mesmo saco, logo a insistir nas semelhanças. Há alguma intencionalidade política nestas afirmações, que vêm em pacote com as imprecações contra o "sistema", ou o "centrão", e que favorecem os partidos das margens como o BE e o PP.Uma actividade da análise política do grau zero, muito praticada nos blogues, em debates interpartidários principalmente no Parlamento, é a permanente comparação com o passado pela lógica do "apanhei-te", o que tem os mesmos efeitos do enfado populista pela política. Tudo isto associado à clamorosa falta de memória, que permite a Louçã dizer num debate que as nacionalizações de 1975 eram inevitáveis pelo facto de os donos das empresas terem "fugido" para o Brasil. Sócrates, que o apanhou muitas vezes na contradança, não parecia conhecer as circunstâncias do que se passou, o que revela como se podem dizer enormidades (e Louçã sabe muito bem o que se passou) sem que as pessoas disso se apercebam. Se associarmos tudo isto à generalizada falta de estudo, patente em jornalistas e nos blogues, leva a essa retórica do "sempre o mesmo", com enorme falta de imaginação e nem sequer curiosidade para ver o que muda.- Poucas campanhas nos tempos mais recentes tiveram actores políticos que proponham coisas diferentes aos eleitores, que possam ser entendidas como tais pelo comum dos cidadãos. Em 2005, quer Sócrates, quer Santana propunham um programa desenvolvimentista, negando a "obsessão pelo défice" e proclamando baixas de impostos e empregos. Tinham visões diferentes sobre o passado, como é normal, mas não diferiam muito no que propunham aos portugueses. Hoje não é assim, Manuela Ferreira Leite e Sócrates, Portas e Louçã têm uma visão muito diferenciada quer sobre os problemas do presente, quer sobre as políticas do futuro. E não é apenas um saber da elite, é uma percepção que o homem comum tem.- Há também um confronto de carreiras, modo de ver a política, "modernidades", sensibilidades, gerações, imagens, que, particularmente entre Manuela Ferreira Leite e Sócrates, também dizem alguma coisa aos eleitores. Quando Sócrates, nas apreciações políticas, aparece sempre à frente nas apreciações mais valorativas e pessoais (como a "credibilidade", a "honestidade" e a "seriedade") e Manuela Ferreira Leite o suplanta, estamos perante diferenças de percepção cujo peso eleitoral se desconhece, mas que explicam duas campanhas, dois modos de fazer política muito distintos. Aqui também Jerónimo de Sousa é distinto e Louçã e Portas semelhantes a Sócrates.- Os debates têm sido seguidos por muitos portugueses, o que mostra que existe interesse activo pela política. Mas há muita coisa na fórmula destes debates que é mal conseguida, e a forma está continuamente a sofrer uma evolução nem sempre para melhor. Nas campanhas anteriores, o modelo dos debates era o das perguntas dos jornalistas sobre áreas sectoriais detalhadas, em detrimento da política geral. Eles tinham implícita a ideia de que um candidato a primeiro-ministro devia saber tudo, inclusive odos números à unidade, sobre economia, educação, saúde, segurança social. Era uma espécie de exame à antiga, com os jornalistas como examinadores.Ainda há resquícios dessa fórmula, mas a rigidez dos debates actuais, resultado das pressões políticas mais do que dos órgãos de comunicação social, conduz a uma subserviência a considerações de geografia formal do sistema partidário, que gera alguma abstracção do confronto político, logo a ruído. Os debates com maior sentido, ou como diria um jornalista, com "critérios editoriais", são Manuela Ferreira Leite com Sócrates e Portas, o mesmo para Portas com Manuela Ferreira Leite e Sócrates, entre Portas e Manuela Ferreira Leite, e por fim as duplas Sócrates com Louçã e Jerónimo de Sousa, e entre Jerónimo de Sousa e Louçã. Tem sentido que Sócrates discuta com todos.Os outros debates podem ser curiosos, mas são pouco mais do que ruído. Que sentido tem uma discussão entre Manuela Ferreira Leite ou Portas com Louçã e Jerónimo de Sousa? Ou é um debate de pura ideologia, ou uma competição de populismos (como pode ser o debate entre PP e BE, que não vi quando escrevo este artigo), ou são monólogos em mútua companhia. Desta rigidez pode não vir nenhum mal ao mundo, mas não é muito diferente da que levou a um programa com doze candidatos autárquicos a Lisboa ao mesmo tempo.A percepção que se tem dos debates é muito diferente quando se tenha visto todo o debate, ou quando se vejam apenas excertos. Manuela Ferreira Leite é favorecida pelos excertos e prejudicada pelo conjunto dos debates. Jerónimo de Sousa é prejudicado por tudo, só brilhou na Festa do Avante!. Louçã, que é de todos o mais preparado para a mecânica deste tipo de confrontos políticos - veja-se como ele interrompe sempre Manuela Ferreira Leite quando o argumento que esta dá lhe é prejudicial, a mesma técnica que usa Portas -, é muito prejudicado pelo conjunto dos debates porque quanto mais fala mais cansativo se torna e mais vazias parecem as suas propostas. Parecem "speedados". Portas tem os mesmos problemas de Louçã, quanto mais se ouve mais antipático parece e mais afastado da realidade. No confronto com Manuela Ferreira Leite, Portas parece conhecer as palavras e Manuela Ferreira Leite as pessoas, e isso intui-se porque, contrariamente ao que alguns pensam, há uma comunicação empática que vem das posturas pessoais dos que debatem. Por exemplo, Manuela Ferreira Leite, Jerónimo de Sousa e Sócrates ouviam os seus opositores, Louçã e Portas, mais este último, não ouviam nada. Quem vê e não está viciado na retórica política apercebe-se destes factores. Sócrates está quase sempre bem e prepara melhor que todos os debates, principalmente tendo uma estratégia para evitar discutir o presente e recorrer à técnica parlamentar de tentar apanhar em falso os seus adversários. Todos eles, menos Manuela Ferreira Leite, beneficiam do treino parlamentar e de muitos anos de política feita pelo verbo.- continua a ausência, por responsabilidade de todos, políticos e jornalistas, de vários temas dos mais importantes da vida política, como seja a Europa, as relações externas e a defesa. O predomínio é o da economia, seguida de agendas importadas da actualidade muitas vezes puramente casuísticas, outras artificiais.- O PS bate todos, com o recurso a toda uma panóplia profissional, com a entrada cada vez mais importante de agências de comunicação, especialistas de marketing,, "campanhas negras" nos blogues vindas dos gabinetes governamentais, etc. A utilização de recursos públicos e os abusos de poder, como o panfleto da Rave, são recebidos com indiferença pela comunicação social, mesmo quando é diante dos olhos de todos, em contraste com os igualmente condenáveis quinhentos metros no carro madeirense. Em seguida, em matéria de profissionalismo, vem o BE, que se tornou um partido com posses, mas que tem também os melhores cartazes, e uma capacidade real de integrar a sua mensagem de campanha. O PP, com menos posses, também utiliza muito bem os seus cartazes de campanha, privilegiando, como o BE, uma campanha de "conteúdos" em directa consonância com os temas da sua campanha.(Para a semana fica a "asfixia democrática", o engraçadismo, os "jovens", os brindes, etc.)(Versão dode 12 de Setembro de 2009.)

(url) © José Pacheco Pereira

TUDO ESTÁ A MUDAR, TUDO ESTÁ NA MESMA (1)

Nada é permanente, salvo a mudança . (Heráclito)

Já fiz várias campanhas eleitorais, em diferentes circunstâncias, em diferentes momentos. Muitas coisas são comparáveis e outras não o são de todo. Tenho para mim que é sempre mais importante perceber as diferenças do que estar a procurar semelhanças. E há movimento, apesar de tudo. Há coisas a mudar, poucas mas significativas, embora a resistência para fazer o mesmo continue, principalmente nas máquinas partidárias. No entanto, como o desgosto pela política é hoje dominante, com uma espécie de enfado pelos partidos que roça o antidemocrático, tende a privilegiar-se o meter tudo no mesmo saco, logo a insistir nas semelhanças. Há alguma intencionalidade política nestas afirmações, que vêm em pacote com as imprecações contra o "sistema", ou o "centrão", e que favorecem os partidos das margens como o BE e o PP.

Uma actividade da análise política do grau zero, muito praticada nos blogues, em debates interpartidários principalmente no Parlamento, é a permanente comparação com o passado pela lógica do "apanhei-te", o que tem os mesmos efeitos do enfado populista pela política. Tudo isto associado à clamorosa falta de memória, que permite a Louçã dizer num debate que as nacionalizações de 1975 eram inevitáveis pelo facto de os donos das empresas terem "fugido" para o Brasil. Sócrates, que o apanhou muitas vezes na contradança, não parecia conhecer as circunstâncias do que se passou, o que revela como se podem dizer enormidades (e Louçã sabe muito bem o que se passou) sem que as pessoas disso se apercebam. Se associarmos tudo isto à generalizada falta de estudo, patente em jornalistas e nos blogues, leva a essa retórica do "sempre o mesmo", com enorme falta de imaginação e nem sequer curiosidade para ver o que muda.

Diferenças - Poucas campanhas nos tempos mais recentes tiveram actores políticos que proponham coisas diferentes aos eleitores, que possam ser entendidas como tais pelo comum dos cidadãos. Em 2005, quer Sócrates, quer Santana propunham um programa desenvolvimentista, negando a "obsessão pelo défice" e proclamando baixas de impostos e empregos. Tinham visões diferentes sobre o passado, como é normal, mas não diferiam muito no que propunham aos portugueses. Hoje não é assim, Manuela Ferreira Leite e Sócrates, Portas e Louçã têm uma visão muito diferenciada quer sobre os problemas do presente, quer sobre as políticas do futuro. E não é apenas um saber da elite, é uma percepção que o homem comum tem.

Outras diferenças - Há também um confronto de carreiras, modo de ver a política, "modernidades", sensibilidades, gerações, imagens, que, particularmente entre Manuela Ferreira Leite e Sócrates, também dizem alguma coisa aos eleitores. Quando Sócrates, nas apreciações políticas, aparece sempre à frente nas apreciações mais valorativas e pessoais (como a "credibilidade", a "honestidade" e a "seriedade") e Manuela Ferreira Leite o suplanta, estamos perante diferenças de percepção cujo peso eleitoral se desconhece, mas que explicam duas campanhas, dois modos de fazer política muito distintos. Aqui também Jerónimo de Sousa é distinto e Louçã e Portas semelhantes a Sócrates.

Debates - Os debates têm sido seguidos por muitos portugueses, o que mostra que existe interesse activo pela política. Mas há muita coisa na fórmula destes debates que é mal conseguida, e a forma está continuamente a sofrer uma evolução nem sempre para melhor. Nas campanhas anteriores, o modelo dos debates era o das perguntas dos jornalistas sobre áreas sectoriais detalhadas, em detrimento da política geral. Eles tinham implícita a ideia de que um candidato a primeiro-ministro devia saber tudo, inclusive o fetiche dos números à unidade, sobre economia, educação, saúde, segurança social. Era uma espécie de exame à antiga, com os jornalistas como examinadores.

Ainda há resquícios dessa fórmula, mas a rigidez dos debates actuais, resultado das pressões políticas mais do que dos órgãos de comunicação social, conduz a uma subserviência a considerações de geografia formal do sistema partidário, que gera alguma abstracção do confronto político, logo a ruído. Os debates com maior sentido, ou como diria um jornalista, com "critérios editoriais", são Manuela Ferreira Leite com Sócrates e Portas, o mesmo para Portas com Manuela Ferreira Leite e Sócrates, entre Portas e Manuela Ferreira Leite, e por fim as duplas Sócrates com Louçã e Jerónimo de Sousa, e entre Jerónimo de Sousa e Louçã. Tem sentido que Sócrates discuta com todos.

Os outros debates podem ser curiosos, mas são pouco mais do que ruído. Que sentido tem uma discussão entre Manuela Ferreira Leite ou Portas com Louçã e Jerónimo de Sousa? Ou é um debate de pura ideologia, ou uma competição de populismos (como pode ser o debate entre PP e BE, que não vi quando escrevo este artigo), ou são monólogos em mútua companhia. Desta rigidez pode não vir nenhum mal ao mundo, mas não é muito diferente da que levou a um programa com doze candidatos autárquicos a Lisboa ao mesmo tempo.

A percepção que se tem dos debates é muito diferente quando se tenha visto todo o debate, ou quando se vejam apenas excertos. Manuela Ferreira Leite é favorecida pelos excertos e prejudicada pelo conjunto dos debates. Jerónimo de Sousa é prejudicado por tudo, só brilhou na Festa do Avante!. Louçã, que é de todos o mais preparado para a mecânica deste tipo de confrontos políticos - veja-se como ele interrompe sempre Manuela Ferreira Leite quando o argumento que esta dá lhe é prejudicial, a mesma técnica que usa Portas -, é muito prejudicado pelo conjunto dos debates porque quanto mais fala mais cansativo se torna e mais vazias parecem as suas propostas. Parecem "speedados". Portas tem os mesmos problemas de Louçã, quanto mais se ouve mais antipático parece e mais afastado da realidade. No confronto com Manuela Ferreira Leite, Portas parece conhecer as palavras e Manuela Ferreira Leite as pessoas, e isso intui-se porque, contrariamente ao que alguns pensam, há uma comunicação empática que vem das posturas pessoais dos que debatem. Por exemplo, Manuela Ferreira Leite, Jerónimo de Sousa e Sócrates ouviam os seus opositores, Louçã e Portas, mais este último, não ouviam nada. Quem vê e não está viciado na retórica política apercebe-se destes factores. Sócrates está quase sempre bem e prepara melhor que todos os debates, principalmente tendo uma estratégia para evitar discutir o presente e recorrer à técnica parlamentar de tentar apanhar em falso os seus adversários. Todos eles, menos Manuela Ferreira Leite, beneficiam do treino parlamentar e de muitos anos de política feita pelo verbo.

Temas ausentes - continua a ausência, por responsabilidade de todos, políticos e jornalistas, de vários temas dos mais importantes da vida política, como seja a Europa, as relações externas e a defesa. O predomínio é o da economia, seguida de agendas importadas da actualidade muitas vezes puramente casuísticas, outras artificiais.

Profissionalismo da campanha - O PS bate todos, com o recurso a toda uma panóplia profissional, com a entrada cada vez mais importante de agências de comunicação, especialistas de marketing, task forces , "campanhas negras" nos blogues vindas dos gabinetes governamentais, etc. A utilização de recursos públicos e os abusos de poder, como o panfleto da Rave, são recebidos com indiferença pela comunicação social, mesmo quando é diante dos olhos de todos, em contraste com os igualmente condenáveis quinhentos metros no carro madeirense. Em seguida, em matéria de profissionalismo, vem o BE, que se tornou um partido com posses, mas que tem também os melhores cartazes, e uma capacidade real de integrar a sua mensagem de campanha. O PP, com menos posses, também utiliza muito bem os seus cartazes de campanha, privilegiando, como o BE, uma campanha de "conteúdos" em directa consonância com os temas da sua campanha.

(Para a semana fica a "asfixia democrática", o engraçadismo, os "jovens", os brindes, etc.)

(Versão do Público de 12 de Setembro de 2009.) Já fiz várias campanhas eleitorais, em diferentes circunstâncias, em diferentes momentos. Muitas coisas são comparáveis e outras não o são de todo. Tenho para mim que é sempre mais importante perceber as diferenças do que estar a procurar semelhanças. E há movimento, apesar de tudo. Há coisas a mudar, poucas mas significativas, embora a resistência para fazer o mesmo continue, principalmente nas máquinas partidárias. No entanto, como o desgosto pela política é hoje dominante, com uma espécie de enfado pelos partidos que roça o antidemocrático, tende a privilegiar-se o meter tudo no mesmo saco, logo a insistir nas semelhanças. Há alguma intencionalidade política nestas afirmações, que vêm em pacote com as imprecações contra o "sistema", ou o "centrão", e que favorecem os partidos das margens como o BE e o PP.Uma actividade da análise política do grau zero, muito praticada nos blogues, em debates interpartidários principalmente no Parlamento, é a permanente comparação com o passado pela lógica do "apanhei-te", o que tem os mesmos efeitos do enfado populista pela política. Tudo isto associado à clamorosa falta de memória, que permite a Louçã dizer num debate que as nacionalizações de 1975 eram inevitáveis pelo facto de os donos das empresas terem "fugido" para o Brasil. Sócrates, que o apanhou muitas vezes na contradança, não parecia conhecer as circunstâncias do que se passou, o que revela como se podem dizer enormidades (e Louçã sabe muito bem o que se passou) sem que as pessoas disso se apercebam. Se associarmos tudo isto à generalizada falta de estudo, patente em jornalistas e nos blogues, leva a essa retórica do "sempre o mesmo", com enorme falta de imaginação e nem sequer curiosidade para ver o que muda.- Poucas campanhas nos tempos mais recentes tiveram actores políticos que proponham coisas diferentes aos eleitores, que possam ser entendidas como tais pelo comum dos cidadãos. Em 2005, quer Sócrates, quer Santana propunham um programa desenvolvimentista, negando a "obsessão pelo défice" e proclamando baixas de impostos e empregos. Tinham visões diferentes sobre o passado, como é normal, mas não diferiam muito no que propunham aos portugueses. Hoje não é assim, Manuela Ferreira Leite e Sócrates, Portas e Louçã têm uma visão muito diferenciada quer sobre os problemas do presente, quer sobre as políticas do futuro. E não é apenas um saber da elite, é uma percepção que o homem comum tem.- Há também um confronto de carreiras, modo de ver a política, "modernidades", sensibilidades, gerações, imagens, que, particularmente entre Manuela Ferreira Leite e Sócrates, também dizem alguma coisa aos eleitores. Quando Sócrates, nas apreciações políticas, aparece sempre à frente nas apreciações mais valorativas e pessoais (como a "credibilidade", a "honestidade" e a "seriedade") e Manuela Ferreira Leite o suplanta, estamos perante diferenças de percepção cujo peso eleitoral se desconhece, mas que explicam duas campanhas, dois modos de fazer política muito distintos. Aqui também Jerónimo de Sousa é distinto e Louçã e Portas semelhantes a Sócrates.- Os debates têm sido seguidos por muitos portugueses, o que mostra que existe interesse activo pela política. Mas há muita coisa na fórmula destes debates que é mal conseguida, e a forma está continuamente a sofrer uma evolução nem sempre para melhor. Nas campanhas anteriores, o modelo dos debates era o das perguntas dos jornalistas sobre áreas sectoriais detalhadas, em detrimento da política geral. Eles tinham implícita a ideia de que um candidato a primeiro-ministro devia saber tudo, inclusive odos números à unidade, sobre economia, educação, saúde, segurança social. Era uma espécie de exame à antiga, com os jornalistas como examinadores.Ainda há resquícios dessa fórmula, mas a rigidez dos debates actuais, resultado das pressões políticas mais do que dos órgãos de comunicação social, conduz a uma subserviência a considerações de geografia formal do sistema partidário, que gera alguma abstracção do confronto político, logo a ruído. Os debates com maior sentido, ou como diria um jornalista, com "critérios editoriais", são Manuela Ferreira Leite com Sócrates e Portas, o mesmo para Portas com Manuela Ferreira Leite e Sócrates, entre Portas e Manuela Ferreira Leite, e por fim as duplas Sócrates com Louçã e Jerónimo de Sousa, e entre Jerónimo de Sousa e Louçã. Tem sentido que Sócrates discuta com todos.Os outros debates podem ser curiosos, mas são pouco mais do que ruído. Que sentido tem uma discussão entre Manuela Ferreira Leite ou Portas com Louçã e Jerónimo de Sousa? Ou é um debate de pura ideologia, ou uma competição de populismos (como pode ser o debate entre PP e BE, que não vi quando escrevo este artigo), ou são monólogos em mútua companhia. Desta rigidez pode não vir nenhum mal ao mundo, mas não é muito diferente da que levou a um programa com doze candidatos autárquicos a Lisboa ao mesmo tempo.A percepção que se tem dos debates é muito diferente quando se tenha visto todo o debate, ou quando se vejam apenas excertos. Manuela Ferreira Leite é favorecida pelos excertos e prejudicada pelo conjunto dos debates. Jerónimo de Sousa é prejudicado por tudo, só brilhou na Festa do Avante!. Louçã, que é de todos o mais preparado para a mecânica deste tipo de confrontos políticos - veja-se como ele interrompe sempre Manuela Ferreira Leite quando o argumento que esta dá lhe é prejudicial, a mesma técnica que usa Portas -, é muito prejudicado pelo conjunto dos debates porque quanto mais fala mais cansativo se torna e mais vazias parecem as suas propostas. Parecem "speedados". Portas tem os mesmos problemas de Louçã, quanto mais se ouve mais antipático parece e mais afastado da realidade. No confronto com Manuela Ferreira Leite, Portas parece conhecer as palavras e Manuela Ferreira Leite as pessoas, e isso intui-se porque, contrariamente ao que alguns pensam, há uma comunicação empática que vem das posturas pessoais dos que debatem. Por exemplo, Manuela Ferreira Leite, Jerónimo de Sousa e Sócrates ouviam os seus opositores, Louçã e Portas, mais este último, não ouviam nada. Quem vê e não está viciado na retórica política apercebe-se destes factores. Sócrates está quase sempre bem e prepara melhor que todos os debates, principalmente tendo uma estratégia para evitar discutir o presente e recorrer à técnica parlamentar de tentar apanhar em falso os seus adversários. Todos eles, menos Manuela Ferreira Leite, beneficiam do treino parlamentar e de muitos anos de política feita pelo verbo.- continua a ausência, por responsabilidade de todos, políticos e jornalistas, de vários temas dos mais importantes da vida política, como seja a Europa, as relações externas e a defesa. O predomínio é o da economia, seguida de agendas importadas da actualidade muitas vezes puramente casuísticas, outras artificiais.- O PS bate todos, com o recurso a toda uma panóplia profissional, com a entrada cada vez mais importante de agências de comunicação, especialistas de marketing,, "campanhas negras" nos blogues vindas dos gabinetes governamentais, etc. A utilização de recursos públicos e os abusos de poder, como o panfleto da Rave, são recebidos com indiferença pela comunicação social, mesmo quando é diante dos olhos de todos, em contraste com os igualmente condenáveis quinhentos metros no carro madeirense. Em seguida, em matéria de profissionalismo, vem o BE, que se tornou um partido com posses, mas que tem também os melhores cartazes, e uma capacidade real de integrar a sua mensagem de campanha. O PP, com menos posses, também utiliza muito bem os seus cartazes de campanha, privilegiando, como o BE, uma campanha de "conteúdos" em directa consonância com os temas da sua campanha.(Para a semana fica a "asfixia democrática", o engraçadismo, os "jovens", os brindes, etc.)(Versão dode 12 de Setembro de 2009.)

(url) © José Pacheco Pereira

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