Fórum Palestina: O absurdo boicote pedido a Cohen contra Israel

19-12-2009
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In: Editorial do Público de 31.07.2009, por Nuno PachecoLeonard Cohen deve actuar em Israel como devia actuar na Palestina. A música, por muitas guerras que traga dentro, ainda é das melhores armas para a paz.A campanha já começou há alguns meses e Portugal viu-se envolvido nela por razões de circunstância. O cantor, compositor e poeta canadiano Leonard Cohen voltou a incluir Lisboa no roteiro da sua digressão mundial (actuou ontem à noite no Pavilhão Atlântico) e aqui, como já sucedera noutros países, um grupo de activistas pró-palestinianos juntou-se ao coro dos que tentam que ele anule o concerto que tem marcado para Telavive, num cenário mais vasto de boicote a Israel.Além do relativo absurdo da situação (Cohen é de origem judaica e em 1973 chegou a actuar para soldados israelitas durante a guerra de Yom Kipur, quando tropas árabes lideradas pelo Egipto e pela Síria intentaram, sem êxito, uma retaliação contra Israel), esta tentativa de boicote ressuscita uma velha tendência de duvidosos resultados: o uso de músicos como armas de arremesso em guerras onde são sempre meros figurantes.É curioso, contudo, que o anunciado concerto de Telavive (que deverá ocorrer, como prometido, a 24 de Setembro deste ano no Ramat-Gan Stadium) não conste da lista oficial da digressão de Cohen onde, além de Lisboa, surgem cidades como Veneza, Istambul, Nimes, Viena, Praga, Budapeste, Belgrado ou Barcelona, entre muitas. Pode haver uma razão adicional para tal omissão. É que, depois da marcação para Israel, o músico anunciou também um concerto para Ramallah, West Bank. Mas os palestinianos que o receberiam resolveram cancelá-lo, unilateralmente, por acharem que a "dupla" actuação de Cohen só branquearia as acções de Israel e não lhes traria nenhum benefício.Há duas décadas e meia, outro músico, Paul Simon, foi fortemente criticado por actuar na África do Sul em 1992, quando o apartheid (apesar da libertação de Mandela e de o processo de democratização estar em marcha) ainda não tinha sido dissolvido. Mesmo assim, ele ignorou os protestos e, por causa disso, muitos brancos ouviram pela primeira vez (ao seu lado, no palco) músicos negros tão importantes como Miriam Makeba (que acabava de chegar de um exílio voluntário) ou os Ladysmith Black Mambazo. Simon, como se percebeu depois, não foi um instrumento nas mãos do apartheid, foi mais um episódio na sua queda.Portugal devia ter sido impedido de ouvir, por exemplo, nomes como Chico Buarque nos anos 1960, só porque o regime então vigente era uma ditadura? Faria sentido pedir a músicos como ele que, por "boicote", não passassem a fronteira enquanto Salazar ou Caetano estivessem no poder? Pelo contrário: a música foi, também em Portugal, um veículo de transformação do poder.No caso do antiquíssimo conflito israelo-palestiniano nenhum concerto a mais ou a menos fará diferença, no estado a que se chegou. Mas impedir israelitas e palestinianos de terem acesso a qualquer músico que seja a pretexto do comportamento dos regimes ou da guerra que ainda mantêm acesa não faz qualquer sentido. Leonard Cohen deve, pois, actuar em Israel como devia actuar na Palestina. A música, por muitas guerras que traga dentro, ainda é uma das melhores armas para a paz.


In: Editorial do Público de 31.07.2009, por Nuno PachecoLeonard Cohen deve actuar em Israel como devia actuar na Palestina. A música, por muitas guerras que traga dentro, ainda é das melhores armas para a paz.A campanha já começou há alguns meses e Portugal viu-se envolvido nela por razões de circunstância. O cantor, compositor e poeta canadiano Leonard Cohen voltou a incluir Lisboa no roteiro da sua digressão mundial (actuou ontem à noite no Pavilhão Atlântico) e aqui, como já sucedera noutros países, um grupo de activistas pró-palestinianos juntou-se ao coro dos que tentam que ele anule o concerto que tem marcado para Telavive, num cenário mais vasto de boicote a Israel.Além do relativo absurdo da situação (Cohen é de origem judaica e em 1973 chegou a actuar para soldados israelitas durante a guerra de Yom Kipur, quando tropas árabes lideradas pelo Egipto e pela Síria intentaram, sem êxito, uma retaliação contra Israel), esta tentativa de boicote ressuscita uma velha tendência de duvidosos resultados: o uso de músicos como armas de arremesso em guerras onde são sempre meros figurantes.É curioso, contudo, que o anunciado concerto de Telavive (que deverá ocorrer, como prometido, a 24 de Setembro deste ano no Ramat-Gan Stadium) não conste da lista oficial da digressão de Cohen onde, além de Lisboa, surgem cidades como Veneza, Istambul, Nimes, Viena, Praga, Budapeste, Belgrado ou Barcelona, entre muitas. Pode haver uma razão adicional para tal omissão. É que, depois da marcação para Israel, o músico anunciou também um concerto para Ramallah, West Bank. Mas os palestinianos que o receberiam resolveram cancelá-lo, unilateralmente, por acharem que a "dupla" actuação de Cohen só branquearia as acções de Israel e não lhes traria nenhum benefício.Há duas décadas e meia, outro músico, Paul Simon, foi fortemente criticado por actuar na África do Sul em 1992, quando o apartheid (apesar da libertação de Mandela e de o processo de democratização estar em marcha) ainda não tinha sido dissolvido. Mesmo assim, ele ignorou os protestos e, por causa disso, muitos brancos ouviram pela primeira vez (ao seu lado, no palco) músicos negros tão importantes como Miriam Makeba (que acabava de chegar de um exílio voluntário) ou os Ladysmith Black Mambazo. Simon, como se percebeu depois, não foi um instrumento nas mãos do apartheid, foi mais um episódio na sua queda.Portugal devia ter sido impedido de ouvir, por exemplo, nomes como Chico Buarque nos anos 1960, só porque o regime então vigente era uma ditadura? Faria sentido pedir a músicos como ele que, por "boicote", não passassem a fronteira enquanto Salazar ou Caetano estivessem no poder? Pelo contrário: a música foi, também em Portugal, um veículo de transformação do poder.No caso do antiquíssimo conflito israelo-palestiniano nenhum concerto a mais ou a menos fará diferença, no estado a que se chegou. Mas impedir israelitas e palestinianos de terem acesso a qualquer músico que seja a pretexto do comportamento dos regimes ou da guerra que ainda mantêm acesa não faz qualquer sentido. Leonard Cohen deve, pois, actuar em Israel como devia actuar na Palestina. A música, por muitas guerras que traga dentro, ainda é uma das melhores armas para a paz.

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