Por causa do dia de hoje (Reeditado do "Novo Arco Íris")Mulher, ... Sempre! Ou como a evolução da espécie humana ainda criará o Dia Internacional do Homem (por sinal, no mesmo mês, a 19 de Março?)!Como sinto algo de sombrio sempre que oiço falar de dias internacionais, sobretudo quando evocam o que nem devia ser evocado, porque não há fundamentos para evocar o que nunca careceu de ser evocado! Mulher é, independentemente de quem ou do que quer que seja que digam, como eu sou, assim como qualquer um de nós é. E para o sermos também não carecemos que nos evoquem! Nem, creio, gostaríamos que nos atribuissem um dia em que todos parecem nos querer evocar, num como que sentimento de pena ou pretensa compensação pós-operatória.Por isso, prefiro evocar, neste dia de 8 de Março (embora já o esteja a fazer no começo do dia seguinte), Fernando Pessoa, quando, com o Guardador de Rebanhos, cria o seu heterónimo Alberto Caeiro. O GUARDADOR DE REBANHOS1Eu nunca guardei rebanhos,Mas é como se os guardasse.Minha alma é como um pastor,Conhece o vento e o solE anda pela mão das EstaçõesA seguir e a olhar.Toda a paz da Natureza sem genteVem sentar-se a meu lado.Mas eu fico triste como um pôr de solPara a nossa imaginação,Quando esfria no fundo da planícieE se sente a noite entradaComo uma borboleta pela janella.Mas a minha tristeza é socegoPorque é natural e justaE é o que deve estar na almaQuando já pensa que existeE as mãos colhem flores sem ella dar por isso.Como um ruido de chocalhosPara além da curva da estrada,Os meus pensamentos são contentes.Só tenho pena de saber que elles são contentes,Porque, se o não soubesse,Em vez de serem contentes e tristes,Seriam alegres e contentes.Pensar incommóda como andar á chuvaQuando o vento cresce e parece que chove mais.Não tenho ambições nem desejos.Ser poeta não é uma ambição minha.E´ a minha maneira de estar sòsinho.E se desejo ás vezes,Por imaginar, ser cordeirinho(Ou ser o rebanho todoPara andar espalhado por toda a encostaA ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),E´ só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luzE corre um silencio pela herva fóra.Quando me sento a escrever versosOu, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,Sinto um cajado nas mãosE vejo um recorte de mimNo cimo d´um outeiro,Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéas,Ou olhando para as minhas idéas e vendo o meu rebanho,E sorrindo vagamente como quem não comprehende o que se dizE quer fingir que comprehende.Saúdo todos os que me lerem,Tirando-lhes o chapeu largoQuando me vêem á minha portaMal a diligencia levanta no cimo do outeiro.Saúdo-os e desejo-lhes sol,E chuva, quando a chuva é precisa,E que as suas casas tenhamAo pé dúma janella abertaUma cadeira predilectaOnde se sentem, lendo os meus versos.E ao lerem os meus versos pensemQue sou cousa natural -Por exemplo, a arvore antigaA´ sombra da qual creançasSe sentavam com um baque, cansados de brincar,E limpavam o suor da testa quenteCom a manga do bibe riscado. 8 - 03 – 1914(Retirado do Google.pt)
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Por causa do dia de hoje (Reeditado do "Novo Arco Íris")Mulher, ... Sempre! Ou como a evolução da espécie humana ainda criará o Dia Internacional do Homem (por sinal, no mesmo mês, a 19 de Março?)!Como sinto algo de sombrio sempre que oiço falar de dias internacionais, sobretudo quando evocam o que nem devia ser evocado, porque não há fundamentos para evocar o que nunca careceu de ser evocado! Mulher é, independentemente de quem ou do que quer que seja que digam, como eu sou, assim como qualquer um de nós é. E para o sermos também não carecemos que nos evoquem! Nem, creio, gostaríamos que nos atribuissem um dia em que todos parecem nos querer evocar, num como que sentimento de pena ou pretensa compensação pós-operatória.Por isso, prefiro evocar, neste dia de 8 de Março (embora já o esteja a fazer no começo do dia seguinte), Fernando Pessoa, quando, com o Guardador de Rebanhos, cria o seu heterónimo Alberto Caeiro. O GUARDADOR DE REBANHOS1Eu nunca guardei rebanhos,Mas é como se os guardasse.Minha alma é como um pastor,Conhece o vento e o solE anda pela mão das EstaçõesA seguir e a olhar.Toda a paz da Natureza sem genteVem sentar-se a meu lado.Mas eu fico triste como um pôr de solPara a nossa imaginação,Quando esfria no fundo da planícieE se sente a noite entradaComo uma borboleta pela janella.Mas a minha tristeza é socegoPorque é natural e justaE é o que deve estar na almaQuando já pensa que existeE as mãos colhem flores sem ella dar por isso.Como um ruido de chocalhosPara além da curva da estrada,Os meus pensamentos são contentes.Só tenho pena de saber que elles são contentes,Porque, se o não soubesse,Em vez de serem contentes e tristes,Seriam alegres e contentes.Pensar incommóda como andar á chuvaQuando o vento cresce e parece que chove mais.Não tenho ambições nem desejos.Ser poeta não é uma ambição minha.E´ a minha maneira de estar sòsinho.E se desejo ás vezes,Por imaginar, ser cordeirinho(Ou ser o rebanho todoPara andar espalhado por toda a encostaA ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),E´ só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luzE corre um silencio pela herva fóra.Quando me sento a escrever versosOu, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,Sinto um cajado nas mãosE vejo um recorte de mimNo cimo d´um outeiro,Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéas,Ou olhando para as minhas idéas e vendo o meu rebanho,E sorrindo vagamente como quem não comprehende o que se dizE quer fingir que comprehende.Saúdo todos os que me lerem,Tirando-lhes o chapeu largoQuando me vêem á minha portaMal a diligencia levanta no cimo do outeiro.Saúdo-os e desejo-lhes sol,E chuva, quando a chuva é precisa,E que as suas casas tenhamAo pé dúma janella abertaUma cadeira predilectaOnde se sentem, lendo os meus versos.E ao lerem os meus versos pensemQue sou cousa natural -Por exemplo, a arvore antigaA´ sombra da qual creançasSe sentavam com um baque, cansados de brincar,E limpavam o suor da testa quenteCom a manga do bibe riscado. 8 - 03 – 1914(Retirado do Google.pt)