PALAVROSSAVRVS REX: DESABAFO COMATOSO NOCTURNO

24-12-2009
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Há noites assim. Noites em que, no Pub, os meus ouvidos continuam o penicodas palavras doridas dela pela crise do casamento dela e eu me faço,na antecipação mesma de esse consabido texto, todo compreensão e audição. E isso pesa.Cansa. Desassossega. Já não o ama. Já não o quer. Só tem gelo em vez de desejo. E ele insiste, como se insiste numa presa carcomida e definhada, incapaz de nela matara fome de sentido e de amor que o amor, pensa-se!, guarda para os seus.Vício e obsessão enclavinharmo-nos justamente em quem nos dejecta sem apelo nem agravo porque as coisas são o que são e não há volta.kljhHá noites, quase todas, em que os meus olhos permanecem o mesmo alvo sentado sob o tirodos perdigotos tagarelas, desses que insistem em conversar comigo a um palmo do meu rosto fugitivo, aflito por tréguas, meu Deus!, tréguas da heterossaliva!, gente que toda se me desabafa como quem me cospe: a sua vida, de aventuras, gozos e tristezas, são o cuspe e eu sou o vaso, a ânfora alada desse esgoto vínico que por mim se adentra espiritual, mola diegética que se quer reescrever por meus dedos, e se evola efectivamente no que evaporaescrevo.Cuspe eles. Vaso eu, mesmo quando estou além conversa e além paciência.kjhNoites em que as pessoas se conglomeram em mais lado nenhum a não ser no meu habitáculo,havendo tanto espaço, tantos recantos para essas intermináveis conversas bissexuais. No meu cubículo mal caibo eu, preciso de espaço para receber e despedir, terei eu um mel qualquer que os cole ali?, serei eu obrigado a sorver esses murmúriosque não me interessam rigorosamente na sua viril efeminescência?lkjTardiamente à porta do Pub apareceram hoje seis alentejanos que se assustaram ao considerarem o valor do consumo mínimo, que se detiveram para conferenciar fraternalmente, afastados de mim,sobre se valeria a pena entrar ou não. Negociei com eles a possibilidade de um bónus. Acordaram que sim e lá entraram sob essa possibilidade. Os seis serenos, tácitos, encolhidos. Há muito tempo que não via aquele tipo de portugueses reservadíssimos, recatados, contidos,democraticamente estrangeiros nacionais no Porto, e que apesar de bem bebidosnão foram capazes de qualquer interacção com a demais gente de outros linguajares,de outros desabrimentos nesta outra língua que por cá, caralho!, puta que os pariu!, se fala.lkjSaíam, e ainda lhes atirei com uma nota biográfica e tentei gracejar: «Dei aulas em Cuba... na vossa Cuba... Afinal, Colombo era cubano, da vossa Cuba do Alentejo... Vila Alva e Vila Ruiva... vinho celeste...que saudade!». Perante o meu inesperado discurso e a minha percepção professada da sua alentejoneidade,estacaram, espectantes, a ouvir-me. Mas eu já sabia que se conservariam hirtos, pesados, fechados, secos, lacónicos, como estátuas de sal sob o enxofre piroclástico do Senhor castigando Sodoma e Gomorra.A custo, um deles, correspondeu com um telegrama sintónico. «É verdadi. O homem é de lá.»E foram-se embora.lkjNoites em que os Senhores Doutores cinquentões também vêm virginais: são três com três, são um trio virginal unido que se ama e ama estatelar-se em álcool,invariavelmente bêbados, Advogados quando sóbrios, ambiguamente impotentes todo o ano e bêbados à Sexta, empresários igualmente, impotentes todo o ano, bêbados à Sexta,quadros técnicos e Directores Gerais igualmente, nos seus carrões despudorados, sempre apesar disso, do álcool, correctíssimos comigo e com toda a gente,e a que alguns atribuem esse sistemático preparo ébrio precisamente à impotência profissional e sexualao passo que eu atribuo-a ao que eles sabem, ao que eles vêem, ao que têm de fazer ou não fazer e tanto lhes pesa na alma.lkjEm noites assim, vejo que o meu grito não faz eco.Em nada fui ouvido sempre que lambi aqui as minhas feridase expus, fracturas expostas e facturas, as lacerações de alma que tanto me rasgam.


Há noites assim. Noites em que, no Pub, os meus ouvidos continuam o penicodas palavras doridas dela pela crise do casamento dela e eu me faço,na antecipação mesma de esse consabido texto, todo compreensão e audição. E isso pesa.Cansa. Desassossega. Já não o ama. Já não o quer. Só tem gelo em vez de desejo. E ele insiste, como se insiste numa presa carcomida e definhada, incapaz de nela matara fome de sentido e de amor que o amor, pensa-se!, guarda para os seus.Vício e obsessão enclavinharmo-nos justamente em quem nos dejecta sem apelo nem agravo porque as coisas são o que são e não há volta.kljhHá noites, quase todas, em que os meus olhos permanecem o mesmo alvo sentado sob o tirodos perdigotos tagarelas, desses que insistem em conversar comigo a um palmo do meu rosto fugitivo, aflito por tréguas, meu Deus!, tréguas da heterossaliva!, gente que toda se me desabafa como quem me cospe: a sua vida, de aventuras, gozos e tristezas, são o cuspe e eu sou o vaso, a ânfora alada desse esgoto vínico que por mim se adentra espiritual, mola diegética que se quer reescrever por meus dedos, e se evola efectivamente no que evaporaescrevo.Cuspe eles. Vaso eu, mesmo quando estou além conversa e além paciência.kjhNoites em que as pessoas se conglomeram em mais lado nenhum a não ser no meu habitáculo,havendo tanto espaço, tantos recantos para essas intermináveis conversas bissexuais. No meu cubículo mal caibo eu, preciso de espaço para receber e despedir, terei eu um mel qualquer que os cole ali?, serei eu obrigado a sorver esses murmúriosque não me interessam rigorosamente na sua viril efeminescência?lkjTardiamente à porta do Pub apareceram hoje seis alentejanos que se assustaram ao considerarem o valor do consumo mínimo, que se detiveram para conferenciar fraternalmente, afastados de mim,sobre se valeria a pena entrar ou não. Negociei com eles a possibilidade de um bónus. Acordaram que sim e lá entraram sob essa possibilidade. Os seis serenos, tácitos, encolhidos. Há muito tempo que não via aquele tipo de portugueses reservadíssimos, recatados, contidos,democraticamente estrangeiros nacionais no Porto, e que apesar de bem bebidosnão foram capazes de qualquer interacção com a demais gente de outros linguajares,de outros desabrimentos nesta outra língua que por cá, caralho!, puta que os pariu!, se fala.lkjSaíam, e ainda lhes atirei com uma nota biográfica e tentei gracejar: «Dei aulas em Cuba... na vossa Cuba... Afinal, Colombo era cubano, da vossa Cuba do Alentejo... Vila Alva e Vila Ruiva... vinho celeste...que saudade!». Perante o meu inesperado discurso e a minha percepção professada da sua alentejoneidade,estacaram, espectantes, a ouvir-me. Mas eu já sabia que se conservariam hirtos, pesados, fechados, secos, lacónicos, como estátuas de sal sob o enxofre piroclástico do Senhor castigando Sodoma e Gomorra.A custo, um deles, correspondeu com um telegrama sintónico. «É verdadi. O homem é de lá.»E foram-se embora.lkjNoites em que os Senhores Doutores cinquentões também vêm virginais: são três com três, são um trio virginal unido que se ama e ama estatelar-se em álcool,invariavelmente bêbados, Advogados quando sóbrios, ambiguamente impotentes todo o ano e bêbados à Sexta, empresários igualmente, impotentes todo o ano, bêbados à Sexta,quadros técnicos e Directores Gerais igualmente, nos seus carrões despudorados, sempre apesar disso, do álcool, correctíssimos comigo e com toda a gente,e a que alguns atribuem esse sistemático preparo ébrio precisamente à impotência profissional e sexualao passo que eu atribuo-a ao que eles sabem, ao que eles vêem, ao que têm de fazer ou não fazer e tanto lhes pesa na alma.lkjEm noites assim, vejo que o meu grito não faz eco.Em nada fui ouvido sempre que lambi aqui as minhas feridase expus, fracturas expostas e facturas, as lacerações de alma que tanto me rasgam.

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