Sérvia pediu desculpa por Srebrenica para romper com o passado

01-04-2010
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Resolução aprovada pelo Parlamento não fala em genocídio. Para as famílias das vítimas, o gesto é insuficiente. A oposição diz que se foi longe de mais

O Parlamento de Belgrado aprovou, na madrugada de ontem, uma resolução pedindo desculpa pelo massacre de oito mil homens e rapazes no enclave muçulmano bósnio de Srebrenica - a pior atrocidade cometida na Europa desde a II Guerra Mundial. O gesto rompe 15 anos de silêncio (cumplicidade para alguns) mas para as famílias das vítimas a iniciativa é insuficiente e chega demasiado tarde. Os nacionalistas dizem, no entanto, que se foi longe de mais nas concessões à União Europeia.

"Coloquemos uma pedra sobre estes trágicos acontecimentos e abramos a porta do futuro", pediu, logo no início do debate, Nada Kolundzija, líder parlamentar do Partido Democrático, o maior da coligação pró-europeia no poder. Com esta resolução, acrescentou, "a Sérvia diz ao mundo que não apoia aqueles que cometeram estes crimes". Mas o debate, transmitido em directo pela televisão, foi aceso e o texto demorou 13 horas a ser aprovado. Pelo meio, houve uma falsa ameaça de bomba e protestos no exterior do Parlamento.

Finalmente, 127 dos 173 deputados presentes (num total de 250) condenaram "com extremo vigor o crime cometido contra a população muçulmana da Bósnia" e em nome do povo sérvio pediram "desculpa às famílias das vítimas por não ter sido feito tudo para impedir a tragédia".

Em nenhum momento o texto usa a palavra genocídio, limitando-se a repudiar o crime "tal como descrito" no acórdão de 2007 do Tribunal Internacional de Justiça, onde o massacre é assim tipificado.

A omissão indignou as vítimas. "Infelizmente, deixaram o fardo para as próximas gerações e serão elas que um dia terão de admitir o que verdadeiramente aqui aconteceu", disse à AFP Sehida Abdurahmanovic, que perdeu o irmão no massacre de 1995. "Não reconhecer o genocídio só junta insulto à dor", acrescentou Ilijas Pilav, que só sobreviveu porque arriscou a vida fugindo durante dias pela floresta ao cerco dos paramilitares sérvios.

Marko Karadzic, ministro sérvio para os direitos humanos e das minorias, dá razão aos protestos, mas explicou ao jornal holandês NRC Handelsblad que o uso da palavra apenas dificultaria a aprovação do texto, porque "ainda há muito medo que os sérvios sejam etiquetados como o povo do genocídio". A propaganda de Milosevic "ensinou-nos que metade do mundo está contra nós."

Slobodan Aligrudic, deputado nacionalista, foi porta-voz deste discurso no debate de quarta-feira, ao defender que "o crime em Srebrenica não foi maior do que noutros locais". Os radicais exigiam que a resolução condenasse, com igual firmeza, as atrocidades cometidas por croatas e muçulmanos nos conflitos que levaram ao colapso da ex-Jugoslávia. Não o fazendo, "transformamos a Sérvia na eterna vilã" das guerras nos Balcãs, acrescentou o deputado Slobodan Aligrudic.

O pedido formal de desculpa - cinco anos depois de o próprio Presidente sérvio, Boris Tadic, ter ido a Srebrenica prestar homenagem às vítimas - é o mais recente "atestado de bom comportamento" que a coligação pró-ocidental sérvia inclui na sua candidatura à União Europeia, formalizada em Dezembro do ano passado.

Decisão soberana

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Os Vinte e Sete fazem, no entanto, depender o início das negociações da captura e extradição para Haia de Ratko Mladic, o ex-comandante das forças sérvias da Bósnia. Acusado de genocídio pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, onde está já a ser julgado o líder político da comunidade, Radovan Karadzic, Mladic continua em fuga.

A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, saudou, por isso, "o passo em frente" dado por Belgrado, que disse ser importante "não só para a Sérvia como para toda a região". Um aplauso repetido em França e na Holanda (um dos países que mais tem insistido na imposição de condições a Belgrado), mas o Presidente sérvio apressou-se a sublinhar que esta foi uma decisão "patriótica" e "soberana". "O povo sérvio mostrou que quer distanciar-se deste crime monstruoso", disse Tadic.

Um diplomata europeu disse, no entanto, à Reuters que a resolução parlamentar pouco efeito terá se Belgrado não entregar Mladic, que se acredita estar refugiado na Sérvia: "Como substituto [da captura] é um insulto, como gesto legal é insignificante." Esta é também a convicção de Munira Subasic, viúva e mãe de vítimas do massacre. "Não há perdão para o crime. Só poderá haver justiça quando todos os responsáveis forem identificados e punidos."

Resolução aprovada pelo Parlamento não fala em genocídio. Para as famílias das vítimas, o gesto é insuficiente. A oposição diz que se foi longe de mais

O Parlamento de Belgrado aprovou, na madrugada de ontem, uma resolução pedindo desculpa pelo massacre de oito mil homens e rapazes no enclave muçulmano bósnio de Srebrenica - a pior atrocidade cometida na Europa desde a II Guerra Mundial. O gesto rompe 15 anos de silêncio (cumplicidade para alguns) mas para as famílias das vítimas a iniciativa é insuficiente e chega demasiado tarde. Os nacionalistas dizem, no entanto, que se foi longe de mais nas concessões à União Europeia.

"Coloquemos uma pedra sobre estes trágicos acontecimentos e abramos a porta do futuro", pediu, logo no início do debate, Nada Kolundzija, líder parlamentar do Partido Democrático, o maior da coligação pró-europeia no poder. Com esta resolução, acrescentou, "a Sérvia diz ao mundo que não apoia aqueles que cometeram estes crimes". Mas o debate, transmitido em directo pela televisão, foi aceso e o texto demorou 13 horas a ser aprovado. Pelo meio, houve uma falsa ameaça de bomba e protestos no exterior do Parlamento.

Finalmente, 127 dos 173 deputados presentes (num total de 250) condenaram "com extremo vigor o crime cometido contra a população muçulmana da Bósnia" e em nome do povo sérvio pediram "desculpa às famílias das vítimas por não ter sido feito tudo para impedir a tragédia".

Em nenhum momento o texto usa a palavra genocídio, limitando-se a repudiar o crime "tal como descrito" no acórdão de 2007 do Tribunal Internacional de Justiça, onde o massacre é assim tipificado.

A omissão indignou as vítimas. "Infelizmente, deixaram o fardo para as próximas gerações e serão elas que um dia terão de admitir o que verdadeiramente aqui aconteceu", disse à AFP Sehida Abdurahmanovic, que perdeu o irmão no massacre de 1995. "Não reconhecer o genocídio só junta insulto à dor", acrescentou Ilijas Pilav, que só sobreviveu porque arriscou a vida fugindo durante dias pela floresta ao cerco dos paramilitares sérvios.

Marko Karadzic, ministro sérvio para os direitos humanos e das minorias, dá razão aos protestos, mas explicou ao jornal holandês NRC Handelsblad que o uso da palavra apenas dificultaria a aprovação do texto, porque "ainda há muito medo que os sérvios sejam etiquetados como o povo do genocídio". A propaganda de Milosevic "ensinou-nos que metade do mundo está contra nós."

Slobodan Aligrudic, deputado nacionalista, foi porta-voz deste discurso no debate de quarta-feira, ao defender que "o crime em Srebrenica não foi maior do que noutros locais". Os radicais exigiam que a resolução condenasse, com igual firmeza, as atrocidades cometidas por croatas e muçulmanos nos conflitos que levaram ao colapso da ex-Jugoslávia. Não o fazendo, "transformamos a Sérvia na eterna vilã" das guerras nos Balcãs, acrescentou o deputado Slobodan Aligrudic.

O pedido formal de desculpa - cinco anos depois de o próprio Presidente sérvio, Boris Tadic, ter ido a Srebrenica prestar homenagem às vítimas - é o mais recente "atestado de bom comportamento" que a coligação pró-ocidental sérvia inclui na sua candidatura à União Europeia, formalizada em Dezembro do ano passado.

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Os Vinte e Sete fazem, no entanto, depender o início das negociações da captura e extradição para Haia de Ratko Mladic, o ex-comandante das forças sérvias da Bósnia. Acusado de genocídio pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, onde está já a ser julgado o líder político da comunidade, Radovan Karadzic, Mladic continua em fuga.

A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, saudou, por isso, "o passo em frente" dado por Belgrado, que disse ser importante "não só para a Sérvia como para toda a região". Um aplauso repetido em França e na Holanda (um dos países que mais tem insistido na imposição de condições a Belgrado), mas o Presidente sérvio apressou-se a sublinhar que esta foi uma decisão "patriótica" e "soberana". "O povo sérvio mostrou que quer distanciar-se deste crime monstruoso", disse Tadic.

Um diplomata europeu disse, no entanto, à Reuters que a resolução parlamentar pouco efeito terá se Belgrado não entregar Mladic, que se acredita estar refugiado na Sérvia: "Como substituto [da captura] é um insulto, como gesto legal é insignificante." Esta é também a convicção de Munira Subasic, viúva e mãe de vítimas do massacre. "Não há perdão para o crime. Só poderá haver justiça quando todos os responsáveis forem identificados e punidos."

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