Festim para os sentidos na selva de Apichatpong Weerasethakul

06-04-2011
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"O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores" é a orquestra dos sentidos e dos fantasmas de um cineasta tailândes, Apichatpong Weerasethakul. A (discutida) Palma de Ouro de Cannes veio da selva. Estamos à altura de mergulhar nela? Hélder Beja, em Hong Kong

Passou quase um ano desde que Cannes viu - e premiou com a Palma de Ouro - um filme que abre com uma sequência de cinco minutos em que o verde da selva e um búfalo enchem o ecrã. Depois, há uns olhos vermelhos de macaco fantasma que fixam a câmara. Nada está explicado. Nada tem de estar.

"O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores", primeiro filme do tailandês Apichatpong Weerasethakul a ter distribuição comercial em Portugal, é isso mesmo: a história de um homem doente dos fígados que, no inverno da vida, consegue pôr-se a recordar existências anteriores, em que foi búfalo, princesa e outras coisas que não sabemos dizer. Há pedaços que são assim, simples, no universo deste arquitecto de formação que cresceu no nordeste da Tailândia (Khon Kaen) antes de rumar aos EUA para estudar cinema no Chicago Art Institute, mesma escola por onde passaram Walt Disney ou Orson Welles. Aliás, tudo é simples em Apichatpong, mesmo aquilo que não se percebe. Só que a simplicidade tem camadas, como a vegetação da selva que a câmara do realizador filma.

Meses depois de ter dividido a crítica com uma obra que espantou mesmo os que conheciam o seu trabalho - desde o exercício surrealista de "cadáver esquisito" que é "Mysterious Object at Noon" (2000), ou da primeira ficção (se lhe podemos chamar assim...) "Blissfully Yours" (2002) - encontramos Apichatpong em Hong Kong, onde veio para apresentar mais uma curta feita a convite do festival internacional de cinema da antiga colónia britânica.

Queremos começar pela porta maior e falar do que está por baixo dessa camada poética e transcendental de "Tio Boonmee...", de um projecto maior chamado "Primitive" do qual a longa-metragem faz parte. O projecto "Primitive" mergulha na história de Nabua, pequena aldeia da província de Isan, no nordeste tailandês junto à fronteira com o Laos, através de um grupo de adolescentes. Compõe-se, além do filme, de uma instalação já mostrada em várias cidades europeias, da curta "A Letter to Uncle Boonmee" (que passou no IndieLisboa), de um livro baseado nos depoimentos das gentes da aldeia que Apichatpong entrevistou e numa instalação vídeo de 11 minutos, disponível em www.animateprojects.org.

"Sinto necessidade de olhar para a região onde cresci. Normalmente foco-me em pessoas, nos meus sentimentos em relação a elas. Mas a situação política na Tailândia nos últimos cinco anos tem sido muito tensa e sinto que as regiões do nordeste têm uma forte relação com isso", começa Apichatpong.

Quis tocar o presente olhando o passado. Reflectir sobre as revoltas dos "camisas vermelhas", que marcaram a Tailândia nos últimos anos e particularmente em 2010, com um desenlace sangrento poucos dias antes de Apichatpong receber a Palma de Ouro. Descobriu Nabua enquanto viajava pelo nordeste menos turístico de um país que fervilha enquanto copia as práticas das sociedades capitalistas mantendo forte base tradicionalista e religiosa.

A aldeia foi, entre os anos 1960 e 1980, identificada pelo regime como um bastião comunista. A violência apertou, os homens foram perseguidos e os que não morreram fugiram para a selva. Sobraram as viúvas e os descendentes que Apichatpong retrata em "Primitive". Descreve o lugar como uma aldeia tipicamente tailandesa, povoada por velhos e crianças. Os jovens trabalham na cidade e regressam apenas para o período da colheita do arroz.

"Fui atingido por esta aldeia e pela sua história de desaparecimento", conta. Hoje com 40 anos, não sentiu na pele as convulsões políticas do país. Mas viveu-as indirectamente. "Não tive a experiência directa que no passado as pessoas das cidades tiveram. Com estes adolescentes passa-se o mesmo, eles experimentam este processo em segunda mão. Por isso sinto-me mais próximo deles do que se trabalhasse com as verdadeiras vítimas. Tive uma experiência distante e identifico-me com a forma como eles vivem os acontecimentos de hoje."

A maior crise política das últimas duas décadas na Tailândia fez dezenas de mortos durante os protestos dos "camisas vermelhas" em Banguecoque, em Abril e Maio do ano passado. A população do norte e nordeste rural desceu à capital para enfrentar aquelas que vêem como as elites do país, que acusam de terem tomado o poder depois do golpe de Estado que destituiu o primeiro-ministro Thaksin Shinawatra, em 2006. Dias depois, os jornais tailandeses largavam a tragédia para dar lugar ao feito histórico logrado por Apichatpong para o cinema daquele país. Foi uma espécie de orgulho nacional de uma bandeira com feridas renovadas.

"Se olhar para as pessoas, elas vêm do mesmo tipo de regime opressor, do Exército e de outras instituições. E até hoje não houve nenhum pedido de desculpas a este povo", refere Apichatpong sobre os conflitos. Para o artista, a Tailândia "continua agora mesmo a ver a violência a acontecer, o apontar de dedo. Ninguém é suficientemente corajoso para pedir desculpa, preferem ficar com as mãos sujas de sangue".

No filme, a personagem Boonmee (interpretada por Thanapat Saisaymar) também refere directamente a perseguição feita aos comunistas. Ou se estava com os vermelhos ou contra eles e, com a morte a aproximar-se, Boonmee, servo do regime, recorda os homens que silenciou. A referência "não foi planeada no início" e surgiu "da necessidade de ligar a história daquela região à história de Boonmee", que Apichatpong encontrou num pequeno livro inspirador.

Tributos

Apichatpong Weerasethakul vê "Tio Boonmee..." - derradeiro elemento do projecto "Primitive" que começou a mostrar em 2009 - como "um tributo a toda as coisas que estão a morrer", a começar pelo protagonista. Tributo esse que se estende a uma maneira de fazer cinema. "Tudo está a mudar, a transformar-se. Isso acontece também no modo como fazemos filmes, em que tudo está a tornar-se digital. Depois, a forma como trabalhamos, o mercado, os meios de distribuição... Este filme, nesse sentido, é uma despedida, foi filmado em 16 milímetros e tem qualidades muito artesanais."

A decisão de rodar em 16 milímetros ajudou a reduzir o orçamento e serviu para dar ao filme uma textura que recorda da TV tailandesa que via em adolescente. "Ainda sou desse tempo em que os programas eram filmados assim, em estúdio, e em que os monstros estavam sempre no escuro, para que não se visse como a caracterização e o guarda-roupa eram maus. Por isso quis mostrar o modo como me sentia em relação a essa coisas com que cresci", diz. Comenta uma das cenas mais faladas, em que o fantasma da mulher de Boonmee e o filho desaparecido surgem no ecrã. O segundo está vestido de macaco, com um fato que tem semelhanças a Chewbacca, de "Star Wars", e uns olhos vermelhos flamejantes. Uma das personagens, com a maior seriedade deste mundo e do outro, pergunta-lhe por que deixou crescer tanto o cabelo. Apichatpong ri-se do nonsense.

"Quando olho para o cinema antigo, tenho sempre um sentimento duplo, que por um lado é de tristeza por todos aqueles actores que já desapareceram. Por outro é de divertimento, porque eles são muito sérios em relação ao seu papel de intérpretes. Queria que o público tivesse esta sensação esquisita entre ter vontade de chorar ou de rir", continua.

A personagem do macaco nasceu de um compêndio de influências que vão dos "comics" tailandeses à televisão, passando pela ficção científica. Estas e outras homenagens ao passado fazem com que Apichatpong desconfie quando lhe dizem que está a fazer algo de novo com o cinema. "Não sei o que é novo. Há tantos tipos de cinema experimental... É como um universo em que é impossível identificar tudo o que as pessoas têm vindo a fazer. Não penso em como inventar qualquer coisa mas em como posso fazer filmes que estejam relacionados com os meus sentimentos. Esse é o meu ângulo. Como se pode ver, o "Tio Boonmee" tem imensas referências a cinema clássico. Nada há de inventivo ali."

Quero recordar

Para Apichatpong, "o conceito é o mais importante" e, no caso deste filme, começou a construir-se depois de ter encontrado um livro escrito por um monge budista, sobre um homem (Boonmee) que certo dia apareceu no templo garantindo que, enquanto meditava, podia recordar ao detalhe as suas vidas passadas. "Tio Boonmee" não é uma adaptação da obra de 1983, porque Apichatpong percebeu que não seria capaz de fazê-lo. É, antes, um "diário pessoal" em que o realizador armazena algumas das suas próprias memórias.

"O livro é incrível, porque tem uma linha temporal cheia de saltos, entre várias vidas e memórias. Sou fascinado pelo acto de recordar, de como nos conseguimos lembrar das coisas. E sou uma pessoa muito esquecida. Foi por isso que quis fazer um filme sobre as minhas memórias - eu quero recordar", vinca. Depois de ler o livro, percebeu que estava perante um homem que "era uma máquina de memórias", que voltava a vidas passadas como se fossem sonhos. "Num certo sentido é como o cinema, onde podemos saltar no tempo."

O realizador, que ao mesmo tempo que faz projectos como este já trabalhou em pequenos filmes para a Dior e a Louis Vuitton, começou então a pensar que seria desafiante fazer um filme a partir dali. Hoje não tem dúvidas: "Acho que falhei". Porquê? "Quando li o livro foi tão fantástico... De cada vez que o leio tenho imagens diferentes. Boonmee chegou mesmo a ser um fantasma. E como é que se põe isso em imagens?" Explica que com o livro "a imaginação solta-se mais, não tem amarras". Já o cinema "é limitação". "E é por isso que ponho tanto de mim e menos do livro." Entre as criações narrativas de Apichatpong, está o tomo em que uma princesa (também retirada do imaginário da TV e das telenovelas tailandesas) faz sexo com um peixe-gato num lago. É uma alegoria do belo e da ideologia do belo, "de como as pessoas querem manter a mesma aparência" e seguir os padrões.

A estrutura é elíptica e não nos é dito muito do que pode ser percebido ou interpretado. Daí nasce a sequência em que Boonmee, já embrenhado na selva e no mundo animista de todas as coisas vivas e transformáveis, fala de um sonho que teve - outra vez com os olhos rubros a observarem-no a partir das trevas. A voz do velho que se apresta a morrer para nascer de novo é pintada por fotografias da aldeia de Nabua, em que aparecem adolescentes com uniformes militares acompanhados do macaco que percorre o filme. "São as minhas memórias de ter trabalhado com os adolescentes daquela aldeia. O sonho de Boonmee é sobre o futuro e ao mesmo tempo sobre cinema. Estão lá todas as referências, que vão dos filmes de ficção científica de Chris Marker a Antonioni e "Blow Up"", refere.

Cinema honesto

Não foi de fácil digestão para alguma crítica a consagração em Cannes de um tipo que põe os créditos a meio do filme (por acaso até não faz isso neste filme), que trabalha com actores não profissionais, que faz longas sequências de planos sem diálogos nem aquilo a que nos acostumámos a chamar acção, entrecruzando-as com uma componente quase esotérica ou transcendental.

Apichatpong começou a mostrar-se em Cannes em 2002, na secção Un Certain Regard, com "Blissfully Yours", e prosseguiu com "Tropical Malady", que mereceu o Prémio do Júri dois anos depois. É duro resumir os filmes numas quantas frases, mas destes pode dizer-se que são ambos sobre relações amorosas, os trabalhadores migrantes (no caso do primeiro) e a homossexualidade (no segundo). E isto é extremamente redutor.

"Penso que os filmes são sempre pessoais, são sobre como sermos honestos connosco próprios. E claro que quando se é honesto não se pode agradar toda a gente. Claro que estou a falar de um tipo particular de cinema. Depois há outro tipo que todos conhecemos, que é o "mainstream". Mas para mim, com o meu interesse pelas artes visuais e a minha boa sorte - porque tenho um bom produtor, que me compreende e me dá liberdade - consigo ser honesto comigo nos meus filmes."

Não há grandes segredos no modo como trabalha. Em 1999 criou a sua produtora, Kick The Machine, e a partir daí tratou de olhar em volta e encontrar as pessoas com quem lhe interessava fazer caminho.

"Acho sempre que há muitas pessoas mais interessantes que eu", ri-se. "Escolho sempre alguém com quem possa aprender. Muitas das vezes mudo o guião para que possa encaixar os ensinamentos que vou recebendo. Isso permite que nos encontremos a meio caminho."

No essencial, continua a olhar para um país e uma região que têm não uma mas várias histórias de violência. "A Tailândia é um país violento, tem passado por intermináveis regimes opressivos. Mesmo que quando se é turista se vá lá e tudo pareça livre e natural, quando se lá vive há imensas limitações", lamenta.

Já teve seu quinhão de problemas com as autoridades. E qualifica de "inocentemente brutais" os regimes do Sudeste Asiático e a própria China.

"Os problemas que tive fizeram-me perceber o contexto geral e não apenas a questão do cinema. São limites de expressão que existem, porque se vive numa sociedade conservadora que age através da violência. Há censura e sufoca-se a liberdade de expressão em nome da tradição. É com isso que tenho lutado", denuncia.

A religião budista, comum à larga maioria da população, é um assunto sensível para aquela monarquia constitucional. E, ao mesmo tempo, um dos temas recorrentes em Apichatpong. "Fui criado num ambiente budista mas a minha família não era louca por todos os rituais. Claro que íamos a templos mas, depois de o meu pai morrer em 2003, senti-me mais próximo do budismo como um caminho para estar com os meus sentimentos e a minha mente."

Ao contrário do que se escreveu muitas vezes depois de o cineasta agradecer a "todos os espíritos e todos os fantasmas da Tailândia" quando venceu a Palma de Ouro, Apichatpong não é assim tão místico. "Hoje olho para a religião de um ponto de vista mais científico. Mesmo a ideia de reencarnação, não posso dizer que acredito nisso, mas é possível, só precisamos de alguma prova", concede.

Fala com o compasso repousado dos seus filmes. Vive fora da cidade, a 30 quilómetros de Chiang Mai, uma das principais urbes do norte do país, "numa aldeia muito tranquila". A selva continua a ser a sua preferência. "Mesmo assim não estou acostumado. Quando vamos à selva temos medo de todas as coisas que não nos são familiares. Os sons, a repetição do verde, a camuflagem que faz as coisas não parecerem claras - é por isso que temos medo. Os meus filmes são uma tentativa de me relacionar com essa realidade, ainda que continue a ser um homem da cidade", admite.

Foi da selva que bebeu um dos principais elementos do seu trabalho: o som, que em "Tio Boonmee" é uma massa espessa que enche a sala. "Para mim o som é tão importante como as imagens, e às vezes mais. É como uma orquestração, é conduzir música. Eu sou obcecado com o som, é por isso que adoro o sistema "dolby surround", porque estimula a nossa percepção." E é também por isso que já disse mais de uma vez que os seus filmes não funcionam em DVD.

A orquestra de Apichatpong pode ser a mesma depois de Cannes, mas tem outro peso. O sucesso não o faz trabalhar com sofreguidão. Quer manter-se tranquilo e lançar-se na produção, ao mesmo tempo que explora outras vertentes artísticas. "Se não conseguir ter o financiamento necessário para voltar a fazer filmes, estou de bem com isso. Contenta-me o que tenho. Por isso é que às vezes me dizem "por que és tão preguiçoso?" E eu posso sempre responder que estou a viajar".

"O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores" acabou por ser bem aceite na Tailândia, onde foi o filme escolhido na hora de indicar um título para os Óscares. O reconhecimento deixa Apichatpong contente, principalmente por lhe permitir chegar às pessoas. "É um encorajamento para os realizadores independentes. A Tailândia percebeu que há um público para este tipo de cinema. Não temos cinematecas mas temos locais que agora abrem as suas portas para os cineastas independentes falarem com o público."

Paralelamente, tem um percurso na instalação e na vídeo-arte. Cada vez trabalha mais com projectos como "Primitive", que depois se ramificam e onde o cinema é apenas uma das formas de expressão. Para Julho, apresentará já a primeira parte de um estudo que parte do grande rio Mekong, que nasce nas montanhas do Tibete para atravessar a província de Yunnan, na China, o Myanmar, Laos, Tailândia, Camboja e Vietname. O resultado será exposto no Irish Museum of Modern Art, em Dublin. "Quero focar-me na escuridão. A escuridão no cinema, na História e também a escuridão à volta daquele rio", diz.

Está concentrado nos fenómenos naturais, e avisa que isto em nada tem que ver com a tragédia que se abateu sobre o Japão. "Estou interessado há muito tempo na ideia da mãe natureza e de quando falamos nela ser aparentemente uma coisa boa. Mas na verdade esta mãe é muito cruel, é má às vezes. Quero olhar para a natureza sob essa perspectiva, de qualquer coisa que pode catastrófica." E, no Mekong, a principal catástrofe são as recorrentes cheias.

Também este novo projecto terá o seu braço de cinema, no qual participará a actriz Tilda Swinton, que deve visitar a Tailândia ainda este ano. "Sou fascinado por ela desde que vejo cinema de um modo mais sério, logo a partir dos filmes que ela fez com Derek Jarman. Soube que ela gosta do meu trabalho e começámos a comunicar. Fico sensibilizado por estar disposta a quebrar esta fronteira. Gosto de quebrar fronteiras no cinema e na arte, e acho que ela é uma das poucas que percebe essa vontade de partilhar."

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Para já, continua a seguir com grande interesse o trabalho de Tsai Ming-liang e Hou Hsiao-Hsien, por quem tem "muita admiração", e de Jacques Rivette, Terrance Davis ou Manoel de Oliveira. "Não o digo por ele ser português, e nem quero falar da idade que tem. Mas o facto de conseguir fazer filmes tão maravilhosos uma e outra vez é de loucos e ao mesmo tempo é muito bom."

Apichatpong Weerasethakul quer encontrar meios de contornar o impacto díspar que um filme visto numa sala e as obras que estão num museu têm nas pessoas. "Para mim é muito interessante poder usar diferentes meios, desafiar as tais fronteiras de que falava. Claro que o cinema é arte mas o modo como o percepcionamos ainda é muito diferente. Quero encontrar caminhos para criar qualquer coisa... Qualquer coisa que mostre tudo."

Mesmo que sejam fantasmas.

"O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores" é a orquestra dos sentidos e dos fantasmas de um cineasta tailândes, Apichatpong Weerasethakul. A (discutida) Palma de Ouro de Cannes veio da selva. Estamos à altura de mergulhar nela? Hélder Beja, em Hong Kong

Passou quase um ano desde que Cannes viu - e premiou com a Palma de Ouro - um filme que abre com uma sequência de cinco minutos em que o verde da selva e um búfalo enchem o ecrã. Depois, há uns olhos vermelhos de macaco fantasma que fixam a câmara. Nada está explicado. Nada tem de estar.

"O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores", primeiro filme do tailandês Apichatpong Weerasethakul a ter distribuição comercial em Portugal, é isso mesmo: a história de um homem doente dos fígados que, no inverno da vida, consegue pôr-se a recordar existências anteriores, em que foi búfalo, princesa e outras coisas que não sabemos dizer. Há pedaços que são assim, simples, no universo deste arquitecto de formação que cresceu no nordeste da Tailândia (Khon Kaen) antes de rumar aos EUA para estudar cinema no Chicago Art Institute, mesma escola por onde passaram Walt Disney ou Orson Welles. Aliás, tudo é simples em Apichatpong, mesmo aquilo que não se percebe. Só que a simplicidade tem camadas, como a vegetação da selva que a câmara do realizador filma.

Meses depois de ter dividido a crítica com uma obra que espantou mesmo os que conheciam o seu trabalho - desde o exercício surrealista de "cadáver esquisito" que é "Mysterious Object at Noon" (2000), ou da primeira ficção (se lhe podemos chamar assim...) "Blissfully Yours" (2002) - encontramos Apichatpong em Hong Kong, onde veio para apresentar mais uma curta feita a convite do festival internacional de cinema da antiga colónia britânica.

Queremos começar pela porta maior e falar do que está por baixo dessa camada poética e transcendental de "Tio Boonmee...", de um projecto maior chamado "Primitive" do qual a longa-metragem faz parte. O projecto "Primitive" mergulha na história de Nabua, pequena aldeia da província de Isan, no nordeste tailandês junto à fronteira com o Laos, através de um grupo de adolescentes. Compõe-se, além do filme, de uma instalação já mostrada em várias cidades europeias, da curta "A Letter to Uncle Boonmee" (que passou no IndieLisboa), de um livro baseado nos depoimentos das gentes da aldeia que Apichatpong entrevistou e numa instalação vídeo de 11 minutos, disponível em www.animateprojects.org.

"Sinto necessidade de olhar para a região onde cresci. Normalmente foco-me em pessoas, nos meus sentimentos em relação a elas. Mas a situação política na Tailândia nos últimos cinco anos tem sido muito tensa e sinto que as regiões do nordeste têm uma forte relação com isso", começa Apichatpong.

Quis tocar o presente olhando o passado. Reflectir sobre as revoltas dos "camisas vermelhas", que marcaram a Tailândia nos últimos anos e particularmente em 2010, com um desenlace sangrento poucos dias antes de Apichatpong receber a Palma de Ouro. Descobriu Nabua enquanto viajava pelo nordeste menos turístico de um país que fervilha enquanto copia as práticas das sociedades capitalistas mantendo forte base tradicionalista e religiosa.

A aldeia foi, entre os anos 1960 e 1980, identificada pelo regime como um bastião comunista. A violência apertou, os homens foram perseguidos e os que não morreram fugiram para a selva. Sobraram as viúvas e os descendentes que Apichatpong retrata em "Primitive". Descreve o lugar como uma aldeia tipicamente tailandesa, povoada por velhos e crianças. Os jovens trabalham na cidade e regressam apenas para o período da colheita do arroz.

"Fui atingido por esta aldeia e pela sua história de desaparecimento", conta. Hoje com 40 anos, não sentiu na pele as convulsões políticas do país. Mas viveu-as indirectamente. "Não tive a experiência directa que no passado as pessoas das cidades tiveram. Com estes adolescentes passa-se o mesmo, eles experimentam este processo em segunda mão. Por isso sinto-me mais próximo deles do que se trabalhasse com as verdadeiras vítimas. Tive uma experiência distante e identifico-me com a forma como eles vivem os acontecimentos de hoje."

A maior crise política das últimas duas décadas na Tailândia fez dezenas de mortos durante os protestos dos "camisas vermelhas" em Banguecoque, em Abril e Maio do ano passado. A população do norte e nordeste rural desceu à capital para enfrentar aquelas que vêem como as elites do país, que acusam de terem tomado o poder depois do golpe de Estado que destituiu o primeiro-ministro Thaksin Shinawatra, em 2006. Dias depois, os jornais tailandeses largavam a tragédia para dar lugar ao feito histórico logrado por Apichatpong para o cinema daquele país. Foi uma espécie de orgulho nacional de uma bandeira com feridas renovadas.

"Se olhar para as pessoas, elas vêm do mesmo tipo de regime opressor, do Exército e de outras instituições. E até hoje não houve nenhum pedido de desculpas a este povo", refere Apichatpong sobre os conflitos. Para o artista, a Tailândia "continua agora mesmo a ver a violência a acontecer, o apontar de dedo. Ninguém é suficientemente corajoso para pedir desculpa, preferem ficar com as mãos sujas de sangue".

No filme, a personagem Boonmee (interpretada por Thanapat Saisaymar) também refere directamente a perseguição feita aos comunistas. Ou se estava com os vermelhos ou contra eles e, com a morte a aproximar-se, Boonmee, servo do regime, recorda os homens que silenciou. A referência "não foi planeada no início" e surgiu "da necessidade de ligar a história daquela região à história de Boonmee", que Apichatpong encontrou num pequeno livro inspirador.

Tributos

Apichatpong Weerasethakul vê "Tio Boonmee..." - derradeiro elemento do projecto "Primitive" que começou a mostrar em 2009 - como "um tributo a toda as coisas que estão a morrer", a começar pelo protagonista. Tributo esse que se estende a uma maneira de fazer cinema. "Tudo está a mudar, a transformar-se. Isso acontece também no modo como fazemos filmes, em que tudo está a tornar-se digital. Depois, a forma como trabalhamos, o mercado, os meios de distribuição... Este filme, nesse sentido, é uma despedida, foi filmado em 16 milímetros e tem qualidades muito artesanais."

A decisão de rodar em 16 milímetros ajudou a reduzir o orçamento e serviu para dar ao filme uma textura que recorda da TV tailandesa que via em adolescente. "Ainda sou desse tempo em que os programas eram filmados assim, em estúdio, e em que os monstros estavam sempre no escuro, para que não se visse como a caracterização e o guarda-roupa eram maus. Por isso quis mostrar o modo como me sentia em relação a essa coisas com que cresci", diz. Comenta uma das cenas mais faladas, em que o fantasma da mulher de Boonmee e o filho desaparecido surgem no ecrã. O segundo está vestido de macaco, com um fato que tem semelhanças a Chewbacca, de "Star Wars", e uns olhos vermelhos flamejantes. Uma das personagens, com a maior seriedade deste mundo e do outro, pergunta-lhe por que deixou crescer tanto o cabelo. Apichatpong ri-se do nonsense.

"Quando olho para o cinema antigo, tenho sempre um sentimento duplo, que por um lado é de tristeza por todos aqueles actores que já desapareceram. Por outro é de divertimento, porque eles são muito sérios em relação ao seu papel de intérpretes. Queria que o público tivesse esta sensação esquisita entre ter vontade de chorar ou de rir", continua.

A personagem do macaco nasceu de um compêndio de influências que vão dos "comics" tailandeses à televisão, passando pela ficção científica. Estas e outras homenagens ao passado fazem com que Apichatpong desconfie quando lhe dizem que está a fazer algo de novo com o cinema. "Não sei o que é novo. Há tantos tipos de cinema experimental... É como um universo em que é impossível identificar tudo o que as pessoas têm vindo a fazer. Não penso em como inventar qualquer coisa mas em como posso fazer filmes que estejam relacionados com os meus sentimentos. Esse é o meu ângulo. Como se pode ver, o "Tio Boonmee" tem imensas referências a cinema clássico. Nada há de inventivo ali."

Quero recordar

Para Apichatpong, "o conceito é o mais importante" e, no caso deste filme, começou a construir-se depois de ter encontrado um livro escrito por um monge budista, sobre um homem (Boonmee) que certo dia apareceu no templo garantindo que, enquanto meditava, podia recordar ao detalhe as suas vidas passadas. "Tio Boonmee" não é uma adaptação da obra de 1983, porque Apichatpong percebeu que não seria capaz de fazê-lo. É, antes, um "diário pessoal" em que o realizador armazena algumas das suas próprias memórias.

"O livro é incrível, porque tem uma linha temporal cheia de saltos, entre várias vidas e memórias. Sou fascinado pelo acto de recordar, de como nos conseguimos lembrar das coisas. E sou uma pessoa muito esquecida. Foi por isso que quis fazer um filme sobre as minhas memórias - eu quero recordar", vinca. Depois de ler o livro, percebeu que estava perante um homem que "era uma máquina de memórias", que voltava a vidas passadas como se fossem sonhos. "Num certo sentido é como o cinema, onde podemos saltar no tempo."

O realizador, que ao mesmo tempo que faz projectos como este já trabalhou em pequenos filmes para a Dior e a Louis Vuitton, começou então a pensar que seria desafiante fazer um filme a partir dali. Hoje não tem dúvidas: "Acho que falhei". Porquê? "Quando li o livro foi tão fantástico... De cada vez que o leio tenho imagens diferentes. Boonmee chegou mesmo a ser um fantasma. E como é que se põe isso em imagens?" Explica que com o livro "a imaginação solta-se mais, não tem amarras". Já o cinema "é limitação". "E é por isso que ponho tanto de mim e menos do livro." Entre as criações narrativas de Apichatpong, está o tomo em que uma princesa (também retirada do imaginário da TV e das telenovelas tailandesas) faz sexo com um peixe-gato num lago. É uma alegoria do belo e da ideologia do belo, "de como as pessoas querem manter a mesma aparência" e seguir os padrões.

A estrutura é elíptica e não nos é dito muito do que pode ser percebido ou interpretado. Daí nasce a sequência em que Boonmee, já embrenhado na selva e no mundo animista de todas as coisas vivas e transformáveis, fala de um sonho que teve - outra vez com os olhos rubros a observarem-no a partir das trevas. A voz do velho que se apresta a morrer para nascer de novo é pintada por fotografias da aldeia de Nabua, em que aparecem adolescentes com uniformes militares acompanhados do macaco que percorre o filme. "São as minhas memórias de ter trabalhado com os adolescentes daquela aldeia. O sonho de Boonmee é sobre o futuro e ao mesmo tempo sobre cinema. Estão lá todas as referências, que vão dos filmes de ficção científica de Chris Marker a Antonioni e "Blow Up"", refere.

Cinema honesto

Não foi de fácil digestão para alguma crítica a consagração em Cannes de um tipo que põe os créditos a meio do filme (por acaso até não faz isso neste filme), que trabalha com actores não profissionais, que faz longas sequências de planos sem diálogos nem aquilo a que nos acostumámos a chamar acção, entrecruzando-as com uma componente quase esotérica ou transcendental.

Apichatpong começou a mostrar-se em Cannes em 2002, na secção Un Certain Regard, com "Blissfully Yours", e prosseguiu com "Tropical Malady", que mereceu o Prémio do Júri dois anos depois. É duro resumir os filmes numas quantas frases, mas destes pode dizer-se que são ambos sobre relações amorosas, os trabalhadores migrantes (no caso do primeiro) e a homossexualidade (no segundo). E isto é extremamente redutor.

"Penso que os filmes são sempre pessoais, são sobre como sermos honestos connosco próprios. E claro que quando se é honesto não se pode agradar toda a gente. Claro que estou a falar de um tipo particular de cinema. Depois há outro tipo que todos conhecemos, que é o "mainstream". Mas para mim, com o meu interesse pelas artes visuais e a minha boa sorte - porque tenho um bom produtor, que me compreende e me dá liberdade - consigo ser honesto comigo nos meus filmes."

Não há grandes segredos no modo como trabalha. Em 1999 criou a sua produtora, Kick The Machine, e a partir daí tratou de olhar em volta e encontrar as pessoas com quem lhe interessava fazer caminho.

"Acho sempre que há muitas pessoas mais interessantes que eu", ri-se. "Escolho sempre alguém com quem possa aprender. Muitas das vezes mudo o guião para que possa encaixar os ensinamentos que vou recebendo. Isso permite que nos encontremos a meio caminho."

No essencial, continua a olhar para um país e uma região que têm não uma mas várias histórias de violência. "A Tailândia é um país violento, tem passado por intermináveis regimes opressivos. Mesmo que quando se é turista se vá lá e tudo pareça livre e natural, quando se lá vive há imensas limitações", lamenta.

Já teve seu quinhão de problemas com as autoridades. E qualifica de "inocentemente brutais" os regimes do Sudeste Asiático e a própria China.

"Os problemas que tive fizeram-me perceber o contexto geral e não apenas a questão do cinema. São limites de expressão que existem, porque se vive numa sociedade conservadora que age através da violência. Há censura e sufoca-se a liberdade de expressão em nome da tradição. É com isso que tenho lutado", denuncia.

A religião budista, comum à larga maioria da população, é um assunto sensível para aquela monarquia constitucional. E, ao mesmo tempo, um dos temas recorrentes em Apichatpong. "Fui criado num ambiente budista mas a minha família não era louca por todos os rituais. Claro que íamos a templos mas, depois de o meu pai morrer em 2003, senti-me mais próximo do budismo como um caminho para estar com os meus sentimentos e a minha mente."

Ao contrário do que se escreveu muitas vezes depois de o cineasta agradecer a "todos os espíritos e todos os fantasmas da Tailândia" quando venceu a Palma de Ouro, Apichatpong não é assim tão místico. "Hoje olho para a religião de um ponto de vista mais científico. Mesmo a ideia de reencarnação, não posso dizer que acredito nisso, mas é possível, só precisamos de alguma prova", concede.

Fala com o compasso repousado dos seus filmes. Vive fora da cidade, a 30 quilómetros de Chiang Mai, uma das principais urbes do norte do país, "numa aldeia muito tranquila". A selva continua a ser a sua preferência. "Mesmo assim não estou acostumado. Quando vamos à selva temos medo de todas as coisas que não nos são familiares. Os sons, a repetição do verde, a camuflagem que faz as coisas não parecerem claras - é por isso que temos medo. Os meus filmes são uma tentativa de me relacionar com essa realidade, ainda que continue a ser um homem da cidade", admite.

Foi da selva que bebeu um dos principais elementos do seu trabalho: o som, que em "Tio Boonmee" é uma massa espessa que enche a sala. "Para mim o som é tão importante como as imagens, e às vezes mais. É como uma orquestração, é conduzir música. Eu sou obcecado com o som, é por isso que adoro o sistema "dolby surround", porque estimula a nossa percepção." E é também por isso que já disse mais de uma vez que os seus filmes não funcionam em DVD.

A orquestra de Apichatpong pode ser a mesma depois de Cannes, mas tem outro peso. O sucesso não o faz trabalhar com sofreguidão. Quer manter-se tranquilo e lançar-se na produção, ao mesmo tempo que explora outras vertentes artísticas. "Se não conseguir ter o financiamento necessário para voltar a fazer filmes, estou de bem com isso. Contenta-me o que tenho. Por isso é que às vezes me dizem "por que és tão preguiçoso?" E eu posso sempre responder que estou a viajar".

"O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores" acabou por ser bem aceite na Tailândia, onde foi o filme escolhido na hora de indicar um título para os Óscares. O reconhecimento deixa Apichatpong contente, principalmente por lhe permitir chegar às pessoas. "É um encorajamento para os realizadores independentes. A Tailândia percebeu que há um público para este tipo de cinema. Não temos cinematecas mas temos locais que agora abrem as suas portas para os cineastas independentes falarem com o público."

Paralelamente, tem um percurso na instalação e na vídeo-arte. Cada vez trabalha mais com projectos como "Primitive", que depois se ramificam e onde o cinema é apenas uma das formas de expressão. Para Julho, apresentará já a primeira parte de um estudo que parte do grande rio Mekong, que nasce nas montanhas do Tibete para atravessar a província de Yunnan, na China, o Myanmar, Laos, Tailândia, Camboja e Vietname. O resultado será exposto no Irish Museum of Modern Art, em Dublin. "Quero focar-me na escuridão. A escuridão no cinema, na História e também a escuridão à volta daquele rio", diz.

Está concentrado nos fenómenos naturais, e avisa que isto em nada tem que ver com a tragédia que se abateu sobre o Japão. "Estou interessado há muito tempo na ideia da mãe natureza e de quando falamos nela ser aparentemente uma coisa boa. Mas na verdade esta mãe é muito cruel, é má às vezes. Quero olhar para a natureza sob essa perspectiva, de qualquer coisa que pode catastrófica." E, no Mekong, a principal catástrofe são as recorrentes cheias.

Também este novo projecto terá o seu braço de cinema, no qual participará a actriz Tilda Swinton, que deve visitar a Tailândia ainda este ano. "Sou fascinado por ela desde que vejo cinema de um modo mais sério, logo a partir dos filmes que ela fez com Derek Jarman. Soube que ela gosta do meu trabalho e começámos a comunicar. Fico sensibilizado por estar disposta a quebrar esta fronteira. Gosto de quebrar fronteiras no cinema e na arte, e acho que ela é uma das poucas que percebe essa vontade de partilhar."

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Para já, continua a seguir com grande interesse o trabalho de Tsai Ming-liang e Hou Hsiao-Hsien, por quem tem "muita admiração", e de Jacques Rivette, Terrance Davis ou Manoel de Oliveira. "Não o digo por ele ser português, e nem quero falar da idade que tem. Mas o facto de conseguir fazer filmes tão maravilhosos uma e outra vez é de loucos e ao mesmo tempo é muito bom."

Apichatpong Weerasethakul quer encontrar meios de contornar o impacto díspar que um filme visto numa sala e as obras que estão num museu têm nas pessoas. "Para mim é muito interessante poder usar diferentes meios, desafiar as tais fronteiras de que falava. Claro que o cinema é arte mas o modo como o percepcionamos ainda é muito diferente. Quero encontrar caminhos para criar qualquer coisa... Qualquer coisa que mostre tudo."

Mesmo que sejam fantasmas.

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