Antologias: Perfis: Afonso Costa. "A hora é dos medíocres"

20-01-2011
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Perfis: Afonso Costa. "A hora é dos medíocres" via Centenário da República by noreply@blogger.com (NR) on 1/20/10 Estátua a Afonso Costa no Campo 24 de Agosto, Porto.Obra de Laureano Guedes.É tradicionalmente um local de romagemonde alguns saudosistas vão no dia 31 de Janeiro,confundindo fascismo com monarquiae república com liberdade, mas sobretudoesquecendo o governo de terrore perseguição que Afonso Costaimprimiu durante aI RepúblicaEscreve Raúl Brandão, nas suas Memórias:«Os ódios aumentam. Os republicanos torturam os presos. Mas o que fariam os monárquicos se vencessem? A monarquia, nesta altura, seria de fugir… E a república? A república – diz Junqueiro – não se atura nem se pode aturar!Foram os do governo provisório que lhe imprimiram o feitio intolerante e jacobino – foram o Afonso Costa, O Bernardino, o Camacho e o António José. Foi principalmente o Afonso que lhe colou a máscara que ela nunca mais pôde arrancar. Fê-la à sua imagem e semelhança: materialista e orgíaca, acolhendo de braços abertos a pior escória dos partidos monárquicos – os que não tinham convicções e queriam continuam no gozo dos seus interesses».É o tipo do bicho de escritório que julga tudo segundo a papelada e mete a vida dentro de articulados. Advogado cábula, foi para o governo, com os seus amigos, depois de uma orgia à luz da manhã e com a gola do casaco levantada. Ora o país não é apenas sério: é trombudo. Remexeu nas cousas e nos homens resolvendo dar cabo do cristianismo no Palácio de Cristal no porto – daquele Porto de granito espesso – em duas ou três gerações. Resultado: quem reformou os padres foi ele – não foram os arcebispos. Quando acabou de pegar fogo ao país fez de largo a vê-lo arder… Chegou, assim, a ser um símbolo – o tipo das gerações de Coimbra, que criaram, com código e frases, uma alma ao lado da vida. Tudo o que fez cheira ao saguão onde o fez – às conversas do empregado da Boa Hora, do jornalista azedo e do Alexandre Braga, que fez da existência uma orgia – com esplêndidos discursos… (…)Dizem que é um homem inteligente. A sua inteligência, até hoje não tem passado de esperteza. Só lhe reconheço uma superioridade incontestável: é um parlamentar e não se prende com escrúpulos. – O Afonso – dizem – é um homem com quem todos se pode entender para os seus negócios.Não é só o medo que o tem afastado de Lisboa. Às repetidas instâncias dos seus amigos para regressar à política recusou sempre, recomendando uma certa moralidade (!) – o que fazia dizer a António José de Almeida: - Eu, se me chamassem para o meu país, voltava logo, ainda que fosse para ser capitão de ladrões!Mas não é só o medo que o tem afastado. – Porque não vais para Lisboa? – perguntou-lhe o Montalvão, que o encontrou em Paris. – Não, que lá até os rapazes de catorze anos andam com bombas nas algibeiras. – Andam, mas foi ele o culpado – foi ele que as forjou. Não é, porém, só o medo; os que fingem que o querem a governar, detestam-no. Armam-lhe logo dificuldades. Sabem perfeitamente que ele viria ocupar o primeiro lugar… A hora é dos medíocres.»BRANDÃO, Raúl – Memórias (tomo III). Obras completas, vol. I. Lisboa: Relógio D'Agua, 2000, pp. 62-63


Perfis: Afonso Costa. "A hora é dos medíocres" via Centenário da República by noreply@blogger.com (NR) on 1/20/10 Estátua a Afonso Costa no Campo 24 de Agosto, Porto.Obra de Laureano Guedes.É tradicionalmente um local de romagemonde alguns saudosistas vão no dia 31 de Janeiro,confundindo fascismo com monarquiae república com liberdade, mas sobretudoesquecendo o governo de terrore perseguição que Afonso Costaimprimiu durante aI RepúblicaEscreve Raúl Brandão, nas suas Memórias:«Os ódios aumentam. Os republicanos torturam os presos. Mas o que fariam os monárquicos se vencessem? A monarquia, nesta altura, seria de fugir… E a república? A república – diz Junqueiro – não se atura nem se pode aturar!Foram os do governo provisório que lhe imprimiram o feitio intolerante e jacobino – foram o Afonso Costa, O Bernardino, o Camacho e o António José. Foi principalmente o Afonso que lhe colou a máscara que ela nunca mais pôde arrancar. Fê-la à sua imagem e semelhança: materialista e orgíaca, acolhendo de braços abertos a pior escória dos partidos monárquicos – os que não tinham convicções e queriam continuam no gozo dos seus interesses».É o tipo do bicho de escritório que julga tudo segundo a papelada e mete a vida dentro de articulados. Advogado cábula, foi para o governo, com os seus amigos, depois de uma orgia à luz da manhã e com a gola do casaco levantada. Ora o país não é apenas sério: é trombudo. Remexeu nas cousas e nos homens resolvendo dar cabo do cristianismo no Palácio de Cristal no porto – daquele Porto de granito espesso – em duas ou três gerações. Resultado: quem reformou os padres foi ele – não foram os arcebispos. Quando acabou de pegar fogo ao país fez de largo a vê-lo arder… Chegou, assim, a ser um símbolo – o tipo das gerações de Coimbra, que criaram, com código e frases, uma alma ao lado da vida. Tudo o que fez cheira ao saguão onde o fez – às conversas do empregado da Boa Hora, do jornalista azedo e do Alexandre Braga, que fez da existência uma orgia – com esplêndidos discursos… (…)Dizem que é um homem inteligente. A sua inteligência, até hoje não tem passado de esperteza. Só lhe reconheço uma superioridade incontestável: é um parlamentar e não se prende com escrúpulos. – O Afonso – dizem – é um homem com quem todos se pode entender para os seus negócios.Não é só o medo que o tem afastado de Lisboa. Às repetidas instâncias dos seus amigos para regressar à política recusou sempre, recomendando uma certa moralidade (!) – o que fazia dizer a António José de Almeida: - Eu, se me chamassem para o meu país, voltava logo, ainda que fosse para ser capitão de ladrões!Mas não é só o medo que o tem afastado. – Porque não vais para Lisboa? – perguntou-lhe o Montalvão, que o encontrou em Paris. – Não, que lá até os rapazes de catorze anos andam com bombas nas algibeiras. – Andam, mas foi ele o culpado – foi ele que as forjou. Não é, porém, só o medo; os que fingem que o querem a governar, detestam-no. Armam-lhe logo dificuldades. Sabem perfeitamente que ele viria ocupar o primeiro lugar… A hora é dos medíocres.»BRANDÃO, Raúl – Memórias (tomo III). Obras completas, vol. I. Lisboa: Relógio D'Agua, 2000, pp. 62-63

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