A alegria de cumprir um desejo de última hora

27-12-2009
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Cristina tinha 50 anos e já estava casada. Mas na fase terminal da vida quis celebrar a sua união pela Igreja. Mesmo sem conseguir levantar-se da cama do hospital, vestiu-se de noiva, foi maquilhada, e levou o bouquet na mão. Houve missa, bolo e champanhe na festa. E uma emoção indescritível. A noiva viria a morrer quatro dias depois.

Alice, alentejana de gema, não quis partir sem voltar a deliciar-se com uma típica refeição alentejana. João optou pelos caracóis e uma cerveja, e Maria pediu para saborear um gelado do Santini. Os nomes são fictícios mas as situações reais viveram-se na unidade de cuidados paliativos do Hospital da Luz.

As pessoas aqui internadas têm uma doença incurável em estado avançado, quase sempre oncológica. "Mas isso não lhes retira o direito de ter momentos felizes", diz Cristina Rodrigues, psicóloga da equipa que assistiu a alguns destes episódios carregados de emoção vividos no sereno quarto andar deste hospital. "Parece estranho. Mas o que tentamos aqui é devolver-lhes esse direito, a capacidade de ainda sonhar", acrescenta, arrancando um sorriso tímido aos colegas que assistem à conversa.

A esperança de quem aqui passa semanas ou meses não é a cura, explica, pois isso seria irrealista. Mas as expectativas são trabalhadas pelos técnicos que acreditam que os doentes ainda são capazes de traçar objectivos, rir e sorrir, independente do futuro que o seu estado clínico lhes reserva. "O que muda é a medida da esperança", explica Isabel Galriça Neto, responsável do serviço, e pioneira dos cuidados paliativos em Portugal. "A concretização do sonho é muito importante. Não tem de ser subir os Himalaias, ou ir à Suíça, como foi o Bruno, mas podem ser coisas simples como nadar numa piscina ou ver o cão." Ou simplesmente levantar-se para ir à janela olhar a rua.

Isabel Neto recorda-se bem da alegria da senhora a quem foi posta a mesa junto à janela para a refeição alentejana. "Nunca me hei-de esquecer. Dizia:'estava aqui pensando, enquanto como esta comidinha tão boa, se esta paisagem é mesmo verdade ou é um poster que puseram para me sentir melhor'", conta, com um sorriso nostálgico.

A médica enumera surpresas feitas por jogadores de futebol, cantores, e até políticos que visitaram doentes que, em certa altura, expressaram por eles admiração. "É importante perceberem que ainda contam para os outros. Que não deixaram de ser pessoas por estarem doentes." Mas para terem vontade de fazer algo, é preciso aliviar-lhes o sofrimento, atenuando as dores e controlando sintomas como a ansiedade, os vómitos ou a falta de ar.

Médicos, enfermeiros, psicólogos e voluntários sabem que nunca é fácil percorrer este caminho de angústia e tristeza. Os novos sofrem por deixar os filhos, os velhos por não terem resolvido tudo na vida que abandonam. "Para quem acredita na vida para além da morte é mais fácil", diz Frei Filipe, assistente espiritual. Há ainda quem nem fale do assunto, evitando sofrer junto da família. "O sofrimento é maior porque não é partilhado. É como se houvesse um elefante na sala."

Joana Brito Fontes, voluntária, conversa, chora, ri e escuta o desabafo dos doentes. "Viver é isso mesmo. Não é roubar dias à morte", diz, num tom tranquilizador. E se a chegada da morte parece não dar tempo de cumprir um último sonho, como passar o Natal ou o aniversário do filho, este pode sempre ser antecipado. Não seria a primeira vez.

Cristina tinha 50 anos e já estava casada. Mas na fase terminal da vida quis celebrar a sua união pela Igreja. Mesmo sem conseguir levantar-se da cama do hospital, vestiu-se de noiva, foi maquilhada, e levou o bouquet na mão. Houve missa, bolo e champanhe na festa. E uma emoção indescritível. A noiva viria a morrer quatro dias depois.

Alice, alentejana de gema, não quis partir sem voltar a deliciar-se com uma típica refeição alentejana. João optou pelos caracóis e uma cerveja, e Maria pediu para saborear um gelado do Santini. Os nomes são fictícios mas as situações reais viveram-se na unidade de cuidados paliativos do Hospital da Luz.

As pessoas aqui internadas têm uma doença incurável em estado avançado, quase sempre oncológica. "Mas isso não lhes retira o direito de ter momentos felizes", diz Cristina Rodrigues, psicóloga da equipa que assistiu a alguns destes episódios carregados de emoção vividos no sereno quarto andar deste hospital. "Parece estranho. Mas o que tentamos aqui é devolver-lhes esse direito, a capacidade de ainda sonhar", acrescenta, arrancando um sorriso tímido aos colegas que assistem à conversa.

A esperança de quem aqui passa semanas ou meses não é a cura, explica, pois isso seria irrealista. Mas as expectativas são trabalhadas pelos técnicos que acreditam que os doentes ainda são capazes de traçar objectivos, rir e sorrir, independente do futuro que o seu estado clínico lhes reserva. "O que muda é a medida da esperança", explica Isabel Galriça Neto, responsável do serviço, e pioneira dos cuidados paliativos em Portugal. "A concretização do sonho é muito importante. Não tem de ser subir os Himalaias, ou ir à Suíça, como foi o Bruno, mas podem ser coisas simples como nadar numa piscina ou ver o cão." Ou simplesmente levantar-se para ir à janela olhar a rua.

Isabel Neto recorda-se bem da alegria da senhora a quem foi posta a mesa junto à janela para a refeição alentejana. "Nunca me hei-de esquecer. Dizia:'estava aqui pensando, enquanto como esta comidinha tão boa, se esta paisagem é mesmo verdade ou é um poster que puseram para me sentir melhor'", conta, com um sorriso nostálgico.

A médica enumera surpresas feitas por jogadores de futebol, cantores, e até políticos que visitaram doentes que, em certa altura, expressaram por eles admiração. "É importante perceberem que ainda contam para os outros. Que não deixaram de ser pessoas por estarem doentes." Mas para terem vontade de fazer algo, é preciso aliviar-lhes o sofrimento, atenuando as dores e controlando sintomas como a ansiedade, os vómitos ou a falta de ar.

Médicos, enfermeiros, psicólogos e voluntários sabem que nunca é fácil percorrer este caminho de angústia e tristeza. Os novos sofrem por deixar os filhos, os velhos por não terem resolvido tudo na vida que abandonam. "Para quem acredita na vida para além da morte é mais fácil", diz Frei Filipe, assistente espiritual. Há ainda quem nem fale do assunto, evitando sofrer junto da família. "O sofrimento é maior porque não é partilhado. É como se houvesse um elefante na sala."

Joana Brito Fontes, voluntária, conversa, chora, ri e escuta o desabafo dos doentes. "Viver é isso mesmo. Não é roubar dias à morte", diz, num tom tranquilizador. E se a chegada da morte parece não dar tempo de cumprir um último sonho, como passar o Natal ou o aniversário do filho, este pode sempre ser antecipado. Não seria a primeira vez.

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