Sexta-feira, 17 de Dezembro de 2010, podia ter sido apenas mais um dia na vida rotineira de Bouazizi. Sem pai desde os três anos, vendia fruta e legumes no mercado de rua desde os dez, primeiro depois das aulas, a tempo inteiro desde que completara o liceu. Por algum motivo, esse foi o dia em que ele não aguentou mais, sem saber que inspiraria todo um país a dizer “basta”.
“Eu sabia que ele se sentia humilhado com os agentes do município, mas ele fingia sempre que estava tudo bem”, conta a irmã Samia, 19 anos. “Acho que ele rebentou por guardar sempre tudo dentro dele.” O que fez Mohamed rebentar foi a impotência face aos funcionários municipais que costumavam procurá-lo na rua em que vendia. Exigiam-lhe uma licença que nem sequer existe para quem vende como ele, com um carro de mão e sem posto fixo. Depois, pediam-lhe dinheiro por não ter licença. Disseram-lhe: ‘Dá-nos o papel, dá-nos o papel.’ Era o pretexto. Puxaram-lhe pelo carro e ele agarrou-se à balança, a tentar que não lha levassem. Ela deu-lhe um estalo. Eles deitaram-no ao chão e bateram-lhe com bastões. Ele ficou ali a gritar e a chorar, com toda a gente a ver. E eles chamaram-lhe nomes e disseram palavras feias sobre o pai dele.”
Mohamed repetiu os mesmos passos que dera das outras vezes que lhe calhara em sorte ser o alvo dos agentes. “Foi ao município para recuperar as coisas e a mesma mulher bateu-lhe com a porta na cara. Mohamed disse-lhe que ia à sede do Governo fazer queixa, mas lá encontrou mais portas fechadas. Os polícias gozaram com ele por ter a roupa suja”. E depois Mohamed fez o que ninguém podia ter imaginado. Foi a uma estação de serviço, comprou uma lata de gasolina e regressou à câmara municipal. Regou-se e acendeu um isqueiro. “Ele não queria morrer. Mas estava farto. Era um rapaz justo e só queria ser tratado com justiça.”
Pode ler ainda:
- Entrevista com Rodrigo Leão, o co-fundador dos Sétima Legião e Madredeus. A dias de voltar a apresentar o seu primeiro álbum a solo no Coliseu, em Lisboa, Vítor Belanciano falou com o músico sobre a sua vida profissional e pessoal, mais interligadas do que se possa imaginar.
- A história de Nicholas Volker, que não é um num milhão — é um em mil milhões. Desde os dois anos que esta criança sofre de uma doença única e inexplicável. A decisão de sequenciar o seu genoma para identificar a origem dos seus problemas levou um hospital do Wisconsin a fazer história, ao aproximar a medicina genómica da realidade.
- Isabel Coutinho partilha as aplicações do seu iPad, onde “ler é o que interessa”, jornais, revistas e livros, “mas de outra forma”. Como se, com o “tablet” da Apple, tudo estivesse mais perto, mesmo quando está longe.
- Joana Amaral Cardoso conta como Jonathan Adler se tornou uma estrela do design de interiores nos EUA. Jurado de programas de TV, autor, coleccionador, para ele, as cores “happy chic” são um substituto do Prozac.
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Sexta-feira, 17 de Dezembro de 2010, podia ter sido apenas mais um dia na vida rotineira de Bouazizi. Sem pai desde os três anos, vendia fruta e legumes no mercado de rua desde os dez, primeiro depois das aulas, a tempo inteiro desde que completara o liceu. Por algum motivo, esse foi o dia em que ele não aguentou mais, sem saber que inspiraria todo um país a dizer “basta”.
“Eu sabia que ele se sentia humilhado com os agentes do município, mas ele fingia sempre que estava tudo bem”, conta a irmã Samia, 19 anos. “Acho que ele rebentou por guardar sempre tudo dentro dele.” O que fez Mohamed rebentar foi a impotência face aos funcionários municipais que costumavam procurá-lo na rua em que vendia. Exigiam-lhe uma licença que nem sequer existe para quem vende como ele, com um carro de mão e sem posto fixo. Depois, pediam-lhe dinheiro por não ter licença. Disseram-lhe: ‘Dá-nos o papel, dá-nos o papel.’ Era o pretexto. Puxaram-lhe pelo carro e ele agarrou-se à balança, a tentar que não lha levassem. Ela deu-lhe um estalo. Eles deitaram-no ao chão e bateram-lhe com bastões. Ele ficou ali a gritar e a chorar, com toda a gente a ver. E eles chamaram-lhe nomes e disseram palavras feias sobre o pai dele.”
Mohamed repetiu os mesmos passos que dera das outras vezes que lhe calhara em sorte ser o alvo dos agentes. “Foi ao município para recuperar as coisas e a mesma mulher bateu-lhe com a porta na cara. Mohamed disse-lhe que ia à sede do Governo fazer queixa, mas lá encontrou mais portas fechadas. Os polícias gozaram com ele por ter a roupa suja”. E depois Mohamed fez o que ninguém podia ter imaginado. Foi a uma estação de serviço, comprou uma lata de gasolina e regressou à câmara municipal. Regou-se e acendeu um isqueiro. “Ele não queria morrer. Mas estava farto. Era um rapaz justo e só queria ser tratado com justiça.”
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- Isabel Coutinho partilha as aplicações do seu iPad, onde “ler é o que interessa”, jornais, revistas e livros, “mas de outra forma”. Como se, com o “tablet” da Apple, tudo estivesse mais perto, mesmo quando está longe.
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