Há mais de 140 razões para seguir @jafurtado

09-04-2011
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José Afonso Furtado, director da Biblioteca de Arte da Gulbenkian, considerado pela Time "o Borges do Twitter" diz que esta rede social é um "albergue espanhol" e que é preciso as pessoas terem competência para a utilizar. Produz-se cada vez mais informação, há que saber contextualizá-la

Ao olhar recentemente para a lista de pessoas que o seguem no Twitter, o director da Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian, José Afonso Furtado, percebeu de repente que entre elas estava o economista norte-americano e colunista do The New York Times Paul Krugman. Foi uma surpresa, quase tão grande como quando, uns dias antes, soube que a revista Time o escolheu como uma das 140 personalidades mundiais que vale a pena seguir nesta rede social. Passava pouco da uma e meia da manhã, quando no dia 28 de Março de 2011, @jafurtado enviou aos seus mais de cinco mil seguidores no Twitter a seguinte mensagem: "Astonishing: I have been listed n TIME magazine 140 best twitter feeds!!!" Ao lado, um link enviava os seguidores para a página online da revista norte-americana que o seleccionou na categoria "Notícias" (News Feeds) - ao lado da agência Reuters e da cadeia de televisão CNN. Este português nascido em Alcobaça, em 1953, que foi presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura e trabalha na Gulbenkian desde 1992, é apresentado na Time, pelo jornalista Dan Fastenberg, como "o Borges do Twitter": "Um bibliotecário português que traz o seu amor não adulterado por todas as coisas relacionadas com livros e com a edição para a Twitteresfera."

Para quem não sabe, o Twitter é uma rede social de microblogging, um sítio onde se pode criar um blogue com microtextos de 140 caracteres que são enviados para a nossa rede de amigos, aqueles que gentilmente nos seguem. Por isso, quando soube que tinha sido escolhido pela Time, José Afonso Furtado não perdeu tempo e foi ver se o jornalista americano - que o equiparava a Jorge Luis Borges - o seguia. "Eu não sabia quem ele era. Percebi então que ele me seguia e que eu não o seguia. Passei a seguir, claro! Não posso deixar de seguir uma pessoa que acha que eu sou o Borges português [risos]", conta divertido o autor de A Edição de Livros e a Gestão Estratégica (2009) no seu gabinete com janela para os jardins da Gulbenkian.

"Fiquei perplexo. Primeiro, por estar na lista dos 140. Depois, quando li o perfil brevíssimo que o jornalista faz e percebi que é obviamente uma pessoa que muito esteve atento ao tipo de bilhetes que ponho no Twitter", diz. Quanto ao paralelo com Borges, Furtado tem uma interpretação - que não sabe se é correcta -, só pode ser por causa da relação com as bibliotecas. Borges foi responsável pela Biblioteca Nacional Argentina, os seus contos giram muito à volta da biblioteca, fala dos antepassados portugueses. "Quero acreditar que seja pelo interesse dos livros, das bibliotecas e pelo domínio de algumas línguas que o Borges tinha, muitíssimo mais do que eu alguma vez poderei ter." Embora Furtado admita que "twittar em inglês é twittar para o mundo que nos interessa" e assim, de repente, percebeu que tinha o Paul Krugman a prestar atenção à sua timeline.

"Não sei quanto tempo ele vai seguir-me, sabemos bem como estes fenómenos são voláteis. De vez em quando, se dizemos alguma coisa que não agradou a um conjunto de pessoas, podemos perder 100 seguidores. Não me preocupo muito com isso. Essencialmente eu twitto para mim, para as minhas aulas, para a biblioteca e para as pessoas que têm os mesmos interesses que eu. Não quero ter um milhão de seguidores, porque enlouqueceria." Mas desde que apareceu na Time ganhou mais dois mil seguidores numa semana. A sua posição na rede alterou-se, na altura em que conversámos eram 7212 os seus seguidores. Entre as felicitações que recebeu está a do editor Francisco José Viegas, que escreveu na sua coluna do Correio da Manhã: "Os seus tweets mostram um homem atento a tudo o que tem a ver com o livro, o seu futuro, o seu negócio e a sua história recente e passada; hoje em dia, para estarmos a par de tudo o que tem a ver com a edição e indústria do livro, não temos outro remédio senão segui-lo no Twitter. Não sei como este país se pode dar ao luxo de dispensar José Afonso Furtado."

Trabalhar a twittar

Na lista de 140 pessoas escolhidas pelaencontram-se escritores (William Gibson, Margaret Atwood, Neil Gaiman); apresentadores e comediantes (Ellen DeGeneres, Stephen Colbert); cantores (Justin Bieber e Lady Gaga); políticos (Sarah Palin) ou desportistas (Shaquille O"Neal). Na lista, Furtado destaca as escolhas na área da tecnologia, o conjunto de pessoas que considera mais sólido, realçando que na lista aparecem muitas celebridades e actores cómicos. "Os americanos fogem muito para equiparar a cultura ao entretenimento. Nas mensagens de felicitações que tenho recebido, as pessoas destacam o facto de ser a primeira vez que numa lista destas aparece uma pessoa ligada a uma biblioteca e à edição. Numa altura em que as bibliotecas estão a passar um período muito difícil nos EUA, é uma espécie de alento de alma." No entanto, esta não foi a primeira vez que o Twitter de jafurtado foi reconhecido nos Estados Unidos. O português, que tem mais seguidores estrangeiros do que portugueses, venceu o prémio de melhor twitter dedo mundo atribuído pelos Shorty Awardsem 2009 e 2010.

Este bibliotecário, que também é fotógrafo (expõe desde 1984) e percorre o país sozinho num jipe para fotografar paisagens que reflectem a tensão entre o homem e a natureza (minas desactivadas, por exemplo), inscreveu-se na rede social Twitter no dia 4 de Abril de 2008. Teve consciência clara de que não era possível pensar a evolução das bibliotecas e a sua relação com os leitores - "activos ou potenciais, à distância ou localmente" - sem conhecer bem as redes sociais. Elas ajudavam-no a ter informação "muito intempestiva, actualizada, sobre, por exemplo, determinados acontecimentos na área do publishing". E, além disso, permitiam-lhe chegar aos leitores. "Tinha que ir onde as pessoas estavam e, hoje em dia, as pessoas estão pelo menos uma parte da sua vida nas redes sociais", explica o também professor da cadeira O Livro e a Edição na Era Digital no curso de Pós-graduação em Edição - Livros e Suportes Digitais da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.

Na sua análise das redes sociais, o autor de A Edição de Livros e a Gestão Estratégica (2009) percebeu que havia uma que se adaptava aos seus interesses e à sua disponibilidade: o Twitter. "Ao mesmo tempo que estou a fazer o meu trabalho quotidiano, tenho uma janela aberta com o Twitter no computador onde ponho essa informação com um link ou um comentário", diz, explicando a sua rotina. Um director de biblioteca que "tenha sentido de responsabilidade e saiba em que mundo está a viver" tem de ter um conhecimento, pelo menos suficiente, das novas tecnologias. Precisa, por exemplo, de estar atento às experiências que estão a ser feitas nas bibliotecas norte-americanas sobre a disponibilização ao público de dispositivos de leitura. Pode ter de decidir se deve criar ou não uma aplicação para o iPad, ou se deve apostar no sistema Androide, ou se deve estar presente nos dois. "O Twitter é uma ferramenta que pode ser utilizada de várias maneiras: desde as pessoas que discutem se alguém estava bem vestido na festa de ontem aos que discutem problemas políticos. Muitos jornalistas estão no Twitter e utilizam-no como ferramenta, a primeira notícia sobre a queda do avião no rio Hudson foi dada no Twitter. Por vezes, quando há catástrofes naturais, fazem-se redes de solidariedade momentâneas no Twitter. Claro que também existe o lado negro, tal como nas outras redes sociais ou na Internet ou no Google, em que as pessoas podem utilizar o Twitter para as mais nefandas actuações." A nossa utilização das novas tecnologias não é independente das suas características. As tecnologias são adoptadas e depois adaptadas pelas pessoas em função daquilo que as aproxima mais delas e daquilo em que elas sentem que lhes pode ser mais útil. O facto de o Twitter só permitir que se escrevam mensagens até 140 caracteres "não é nenhuma aflição" para Furtado, que envia uma média de 50 mensagens por dia e desde que está no Twitter ultrapassou as 50 mil.

Quem segue @jafurtado?

Usa o Twitter numa relação muito estreita e muito focada em determinados assuntos. "Nunca me verá a trocar graçolas ou. No Twitter, o que pretendo é distribuir e recolher informação que eu acho que é importante para mim e pode ser importante para os outros." Procurou também encontrar pessoas cujos interesses eram semelhantes aos seus ou eram focados na mesma área e passou a segui-las. E quem segue @jafurtado? Pessoas que conhece pessoalmente, com quem teve qualquer tipo de relação, com quem andou na escola, jornalistas. Segue também os bibliotecários portugueses, porque lhe interessa saber o que se está a passar nas bibliotecas em Portugal. No estrangeiro, segue pessoas "com preocupações mais especializadas, mas que são referência incontornável do que se está a fazer de ponta nessas disciplinas". Na sua lista estão Lorcan Dempsey, o vice-presidente da OCLC -Online Computer Library Center(uma associação privada maioritariamente constituída por bibliotecas norte-americanas), ou consultores editoriais como Mike Shatzkin (da The Idea Logical Co.). Mas no Twitter não basta seguir as pessoas. "Para haver interacção é preciso provar que se justifica que elas nos sigam também", explica. Não foi fácil: José Afonso Furtado precisou de ter muita paciência e demorou tempo. "É preciso demonstrar às pessoas que têm milhares de seguidores que eu estou num país - que muitas vezes eles nem sabem muito bem onde fica - e que ponho coisas no Twitter que lhes podem interessar. Há essa fase em que as pessoas têm que perceber que aquilo que eu digo não é uma fantasia que me passou pela cabeça, são coisas credíveis, fiáveis e que lhes podem ser úteis." E em relação aos americanos, José Afonso Furtado tem uma vantagem: quando eles se levantam, já lá têm a informação que ele pôs. É a partir daí que se entra na fase em que os seguidores respondem com comentários aosou os reenviam para os seus seguidores. Essa interactividade pode levar em que no melhor dos casos as pessoas, além de estarem no Twitter, passem a ser amigas no Facebook. "Por exemplo, dois dos textos que vou utilizar no livro que estou a escrever pude consultá-los com autorizações expressas de pessoas que estão no meu Facebook. Um deles é uma tese de doutoramento nunca publicada e outro uma conferência dada em Berkeley nunca editada. Imagine a transformação que é para a vida de uma pessoa cuja profissão é trabalhar nestas áreas. Se eu lhes mandasse umou se lhes escrevesse, como seria há cinco anos, com certeza não me responderiam."

Este caminho, que implica um "tempo de maturação", levou a que José Afonso Furtado tenha agora acesso a relatórios, a sugestões, a documentos que muitas vezes não estão em mais lado nenhum, sem os pagar e sem sair de Lisboa. "Esta é uma das coisas que o Twitter pode fazer por nós, mas não o pode fazer sozinho. Porque o Twitter é o grande albergue espanhol. É preciso as pessoas já terem alguma competência para o poderem utilizar como ponto de referência para credibilidade de fontes de informação. É evidente que quem traz um capital cultural, à partida, para uma nova tecnologia tem vantagens sobre as outras pessoas - ou seja, eu à partida sei quem são as pessoas que gostaria de seguir. Se eu não souber quem é o Lorcan Dempsey, não lhe atribuo credibilidade. É só mais um que lá está", acrescenta.

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Actualmente a produção de conteúdos é vertiginosa. Não há maneira de se fazer com que a informação pare de ser produzida, porque as próprias tecnologias digitais o favorecem. "Agora há duas teses: ou não devia haver tanta informação, ou então devia haver mais mecanismos de filtragem. Escolha a que quiser, porque isto para mim é exactamente a mesma coisa", afirma Furtado. "A informação produzida vai ser muito pouco útil, ou vai ser muito prejudicial, se as pessoas não conseguirem encontrar mecanismos de credibilização e de fiabilidade. Quando abrimos uma página na Internet, não sabemos exactamente se estamos na página de alguém, a ver um relatório, numa página de Twitter, num blogue, portanto é preciso qualificar essa informação e isso tem muito valor."

Precisamos de contexto. "Temos conteúdo, mas temos muito pouca contextualização desse conteúdo. E precisamos dessa contextualização a dois níveis: primeiro metadados sobre a informação - precisamos de saber quem a fez, quando foi produzida, em que área do saber, etc. E depois de saber como nos orientar na Web. Quem não tem referências à partida entra num motor de pesquisa, ou procura a definição de alguma coisa na Wikipedia. Temos que aprender a ir além das pesquisas simples e fazer pesquisas booleanas . O problema é que há quase uma impaciência da parte de alguns pesquisadores na Web, o que os leva a nem sequer passarem para a segunda página de resultados que lhes aparecem nas pesquisas que fazem no Google. Nem reflectem sobre aqueles resultados que o Google lhes dá, como são valorizados. Nada disto é transparente e por isso temos que saber cruzar a informação."

O livro que José Afonso Furtado está a escrever agora é sobre isto: o que é a literacia, como é que a informação mudou, por que é que mudou e em que medida o universo digital colaborou nessa mudança, que não é só tecnológica, é também digital. Tentar perceber como é que a informação vai entrar nas nossas vidas e vai provocar fracturas digitais que se acrescentam à fractura que já existe entre as pessoas que sabem ler e as que não sabem é um dos seus objectivos. Mais uma das 140 razões para seguirmos @jafurtado no Twitter.

José Afonso Furtado, director da Biblioteca de Arte da Gulbenkian, considerado pela Time "o Borges do Twitter" diz que esta rede social é um "albergue espanhol" e que é preciso as pessoas terem competência para a utilizar. Produz-se cada vez mais informação, há que saber contextualizá-la

Ao olhar recentemente para a lista de pessoas que o seguem no Twitter, o director da Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian, José Afonso Furtado, percebeu de repente que entre elas estava o economista norte-americano e colunista do The New York Times Paul Krugman. Foi uma surpresa, quase tão grande como quando, uns dias antes, soube que a revista Time o escolheu como uma das 140 personalidades mundiais que vale a pena seguir nesta rede social. Passava pouco da uma e meia da manhã, quando no dia 28 de Março de 2011, @jafurtado enviou aos seus mais de cinco mil seguidores no Twitter a seguinte mensagem: "Astonishing: I have been listed n TIME magazine 140 best twitter feeds!!!" Ao lado, um link enviava os seguidores para a página online da revista norte-americana que o seleccionou na categoria "Notícias" (News Feeds) - ao lado da agência Reuters e da cadeia de televisão CNN. Este português nascido em Alcobaça, em 1953, que foi presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura e trabalha na Gulbenkian desde 1992, é apresentado na Time, pelo jornalista Dan Fastenberg, como "o Borges do Twitter": "Um bibliotecário português que traz o seu amor não adulterado por todas as coisas relacionadas com livros e com a edição para a Twitteresfera."

Para quem não sabe, o Twitter é uma rede social de microblogging, um sítio onde se pode criar um blogue com microtextos de 140 caracteres que são enviados para a nossa rede de amigos, aqueles que gentilmente nos seguem. Por isso, quando soube que tinha sido escolhido pela Time, José Afonso Furtado não perdeu tempo e foi ver se o jornalista americano - que o equiparava a Jorge Luis Borges - o seguia. "Eu não sabia quem ele era. Percebi então que ele me seguia e que eu não o seguia. Passei a seguir, claro! Não posso deixar de seguir uma pessoa que acha que eu sou o Borges português [risos]", conta divertido o autor de A Edição de Livros e a Gestão Estratégica (2009) no seu gabinete com janela para os jardins da Gulbenkian.

"Fiquei perplexo. Primeiro, por estar na lista dos 140. Depois, quando li o perfil brevíssimo que o jornalista faz e percebi que é obviamente uma pessoa que muito esteve atento ao tipo de bilhetes que ponho no Twitter", diz. Quanto ao paralelo com Borges, Furtado tem uma interpretação - que não sabe se é correcta -, só pode ser por causa da relação com as bibliotecas. Borges foi responsável pela Biblioteca Nacional Argentina, os seus contos giram muito à volta da biblioteca, fala dos antepassados portugueses. "Quero acreditar que seja pelo interesse dos livros, das bibliotecas e pelo domínio de algumas línguas que o Borges tinha, muitíssimo mais do que eu alguma vez poderei ter." Embora Furtado admita que "twittar em inglês é twittar para o mundo que nos interessa" e assim, de repente, percebeu que tinha o Paul Krugman a prestar atenção à sua timeline.

"Não sei quanto tempo ele vai seguir-me, sabemos bem como estes fenómenos são voláteis. De vez em quando, se dizemos alguma coisa que não agradou a um conjunto de pessoas, podemos perder 100 seguidores. Não me preocupo muito com isso. Essencialmente eu twitto para mim, para as minhas aulas, para a biblioteca e para as pessoas que têm os mesmos interesses que eu. Não quero ter um milhão de seguidores, porque enlouqueceria." Mas desde que apareceu na Time ganhou mais dois mil seguidores numa semana. A sua posição na rede alterou-se, na altura em que conversámos eram 7212 os seus seguidores. Entre as felicitações que recebeu está a do editor Francisco José Viegas, que escreveu na sua coluna do Correio da Manhã: "Os seus tweets mostram um homem atento a tudo o que tem a ver com o livro, o seu futuro, o seu negócio e a sua história recente e passada; hoje em dia, para estarmos a par de tudo o que tem a ver com a edição e indústria do livro, não temos outro remédio senão segui-lo no Twitter. Não sei como este país se pode dar ao luxo de dispensar José Afonso Furtado."

Trabalhar a twittar

Na lista de 140 pessoas escolhidas pelaencontram-se escritores (William Gibson, Margaret Atwood, Neil Gaiman); apresentadores e comediantes (Ellen DeGeneres, Stephen Colbert); cantores (Justin Bieber e Lady Gaga); políticos (Sarah Palin) ou desportistas (Shaquille O"Neal). Na lista, Furtado destaca as escolhas na área da tecnologia, o conjunto de pessoas que considera mais sólido, realçando que na lista aparecem muitas celebridades e actores cómicos. "Os americanos fogem muito para equiparar a cultura ao entretenimento. Nas mensagens de felicitações que tenho recebido, as pessoas destacam o facto de ser a primeira vez que numa lista destas aparece uma pessoa ligada a uma biblioteca e à edição. Numa altura em que as bibliotecas estão a passar um período muito difícil nos EUA, é uma espécie de alento de alma." No entanto, esta não foi a primeira vez que o Twitter de jafurtado foi reconhecido nos Estados Unidos. O português, que tem mais seguidores estrangeiros do que portugueses, venceu o prémio de melhor twitter dedo mundo atribuído pelos Shorty Awardsem 2009 e 2010.

Este bibliotecário, que também é fotógrafo (expõe desde 1984) e percorre o país sozinho num jipe para fotografar paisagens que reflectem a tensão entre o homem e a natureza (minas desactivadas, por exemplo), inscreveu-se na rede social Twitter no dia 4 de Abril de 2008. Teve consciência clara de que não era possível pensar a evolução das bibliotecas e a sua relação com os leitores - "activos ou potenciais, à distância ou localmente" - sem conhecer bem as redes sociais. Elas ajudavam-no a ter informação "muito intempestiva, actualizada, sobre, por exemplo, determinados acontecimentos na área do publishing". E, além disso, permitiam-lhe chegar aos leitores. "Tinha que ir onde as pessoas estavam e, hoje em dia, as pessoas estão pelo menos uma parte da sua vida nas redes sociais", explica o também professor da cadeira O Livro e a Edição na Era Digital no curso de Pós-graduação em Edição - Livros e Suportes Digitais da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.

Na sua análise das redes sociais, o autor de A Edição de Livros e a Gestão Estratégica (2009) percebeu que havia uma que se adaptava aos seus interesses e à sua disponibilidade: o Twitter. "Ao mesmo tempo que estou a fazer o meu trabalho quotidiano, tenho uma janela aberta com o Twitter no computador onde ponho essa informação com um link ou um comentário", diz, explicando a sua rotina. Um director de biblioteca que "tenha sentido de responsabilidade e saiba em que mundo está a viver" tem de ter um conhecimento, pelo menos suficiente, das novas tecnologias. Precisa, por exemplo, de estar atento às experiências que estão a ser feitas nas bibliotecas norte-americanas sobre a disponibilização ao público de dispositivos de leitura. Pode ter de decidir se deve criar ou não uma aplicação para o iPad, ou se deve apostar no sistema Androide, ou se deve estar presente nos dois. "O Twitter é uma ferramenta que pode ser utilizada de várias maneiras: desde as pessoas que discutem se alguém estava bem vestido na festa de ontem aos que discutem problemas políticos. Muitos jornalistas estão no Twitter e utilizam-no como ferramenta, a primeira notícia sobre a queda do avião no rio Hudson foi dada no Twitter. Por vezes, quando há catástrofes naturais, fazem-se redes de solidariedade momentâneas no Twitter. Claro que também existe o lado negro, tal como nas outras redes sociais ou na Internet ou no Google, em que as pessoas podem utilizar o Twitter para as mais nefandas actuações." A nossa utilização das novas tecnologias não é independente das suas características. As tecnologias são adoptadas e depois adaptadas pelas pessoas em função daquilo que as aproxima mais delas e daquilo em que elas sentem que lhes pode ser mais útil. O facto de o Twitter só permitir que se escrevam mensagens até 140 caracteres "não é nenhuma aflição" para Furtado, que envia uma média de 50 mensagens por dia e desde que está no Twitter ultrapassou as 50 mil.

Quem segue @jafurtado?

Usa o Twitter numa relação muito estreita e muito focada em determinados assuntos. "Nunca me verá a trocar graçolas ou. No Twitter, o que pretendo é distribuir e recolher informação que eu acho que é importante para mim e pode ser importante para os outros." Procurou também encontrar pessoas cujos interesses eram semelhantes aos seus ou eram focados na mesma área e passou a segui-las. E quem segue @jafurtado? Pessoas que conhece pessoalmente, com quem teve qualquer tipo de relação, com quem andou na escola, jornalistas. Segue também os bibliotecários portugueses, porque lhe interessa saber o que se está a passar nas bibliotecas em Portugal. No estrangeiro, segue pessoas "com preocupações mais especializadas, mas que são referência incontornável do que se está a fazer de ponta nessas disciplinas". Na sua lista estão Lorcan Dempsey, o vice-presidente da OCLC -Online Computer Library Center(uma associação privada maioritariamente constituída por bibliotecas norte-americanas), ou consultores editoriais como Mike Shatzkin (da The Idea Logical Co.). Mas no Twitter não basta seguir as pessoas. "Para haver interacção é preciso provar que se justifica que elas nos sigam também", explica. Não foi fácil: José Afonso Furtado precisou de ter muita paciência e demorou tempo. "É preciso demonstrar às pessoas que têm milhares de seguidores que eu estou num país - que muitas vezes eles nem sabem muito bem onde fica - e que ponho coisas no Twitter que lhes podem interessar. Há essa fase em que as pessoas têm que perceber que aquilo que eu digo não é uma fantasia que me passou pela cabeça, são coisas credíveis, fiáveis e que lhes podem ser úteis." E em relação aos americanos, José Afonso Furtado tem uma vantagem: quando eles se levantam, já lá têm a informação que ele pôs. É a partir daí que se entra na fase em que os seguidores respondem com comentários aosou os reenviam para os seus seguidores. Essa interactividade pode levar em que no melhor dos casos as pessoas, além de estarem no Twitter, passem a ser amigas no Facebook. "Por exemplo, dois dos textos que vou utilizar no livro que estou a escrever pude consultá-los com autorizações expressas de pessoas que estão no meu Facebook. Um deles é uma tese de doutoramento nunca publicada e outro uma conferência dada em Berkeley nunca editada. Imagine a transformação que é para a vida de uma pessoa cuja profissão é trabalhar nestas áreas. Se eu lhes mandasse umou se lhes escrevesse, como seria há cinco anos, com certeza não me responderiam."

Este caminho, que implica um "tempo de maturação", levou a que José Afonso Furtado tenha agora acesso a relatórios, a sugestões, a documentos que muitas vezes não estão em mais lado nenhum, sem os pagar e sem sair de Lisboa. "Esta é uma das coisas que o Twitter pode fazer por nós, mas não o pode fazer sozinho. Porque o Twitter é o grande albergue espanhol. É preciso as pessoas já terem alguma competência para o poderem utilizar como ponto de referência para credibilidade de fontes de informação. É evidente que quem traz um capital cultural, à partida, para uma nova tecnologia tem vantagens sobre as outras pessoas - ou seja, eu à partida sei quem são as pessoas que gostaria de seguir. Se eu não souber quem é o Lorcan Dempsey, não lhe atribuo credibilidade. É só mais um que lá está", acrescenta.

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Actualmente a produção de conteúdos é vertiginosa. Não há maneira de se fazer com que a informação pare de ser produzida, porque as próprias tecnologias digitais o favorecem. "Agora há duas teses: ou não devia haver tanta informação, ou então devia haver mais mecanismos de filtragem. Escolha a que quiser, porque isto para mim é exactamente a mesma coisa", afirma Furtado. "A informação produzida vai ser muito pouco útil, ou vai ser muito prejudicial, se as pessoas não conseguirem encontrar mecanismos de credibilização e de fiabilidade. Quando abrimos uma página na Internet, não sabemos exactamente se estamos na página de alguém, a ver um relatório, numa página de Twitter, num blogue, portanto é preciso qualificar essa informação e isso tem muito valor."

Precisamos de contexto. "Temos conteúdo, mas temos muito pouca contextualização desse conteúdo. E precisamos dessa contextualização a dois níveis: primeiro metadados sobre a informação - precisamos de saber quem a fez, quando foi produzida, em que área do saber, etc. E depois de saber como nos orientar na Web. Quem não tem referências à partida entra num motor de pesquisa, ou procura a definição de alguma coisa na Wikipedia. Temos que aprender a ir além das pesquisas simples e fazer pesquisas booleanas . O problema é que há quase uma impaciência da parte de alguns pesquisadores na Web, o que os leva a nem sequer passarem para a segunda página de resultados que lhes aparecem nas pesquisas que fazem no Google. Nem reflectem sobre aqueles resultados que o Google lhes dá, como são valorizados. Nada disto é transparente e por isso temos que saber cruzar a informação."

O livro que José Afonso Furtado está a escrever agora é sobre isto: o que é a literacia, como é que a informação mudou, por que é que mudou e em que medida o universo digital colaborou nessa mudança, que não é só tecnológica, é também digital. Tentar perceber como é que a informação vai entrar nas nossas vidas e vai provocar fracturas digitais que se acrescentam à fractura que já existe entre as pessoas que sabem ler e as que não sabem é um dos seus objectivos. Mais uma das 140 razões para seguirmos @jafurtado no Twitter.

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