Da Literatura: RECALCAMENTO

05-08-2010
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A imprensa portuguesa não tem por hábito cobrir congressos, seminários e colóquios de perfil académico. Quando muito, se vem a Portugal algum prémio Nobel ou outra notabilidade equivalente, dá conta do facto em registo mundano. Portanto, não é de admirar o descaso dos media relativamente ao colóquio de estudos GLQ que durante dois dias reuniu no Instituto Franco-Português um conjunto de vinte especialistas de várias áreas: psicologia, literatura, artes e estudos culturais, cinema, ciências sociais, e política. Em todo o caso, coincidindo esse colóquio com três iniciativas de apelo mediático óbvio, como é o caso da 9ª edição do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa (a decorrer até ao próximo dia 21); o anúncio público, por parte da ILGA, da recolha de assinaturas para uma petição que leve a Assembleia da República a alterar o Código Civil de modo a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo; e também a manif da extrema-direita que tinha por objecto três coisas diferentes, uma delas o putativo lóbi gay; coincidindo, dizia eu, esse colóquio de estudos GLQ com tais «chamarizes», era natural um módico de atenção. O silêncio foi de chumbo. Porém, a revista Grande Reportagem, distribuída ontem com o DN, dedica sete páginas aos dark rooms de Lisboa, Porto e Portimão, não poupando no recorte escatológico. Quando se realizar um congresso pró-família, um daqueles bem ultramontanos, espero ver na mesma revista idêntica reportagem sobre os círculos de wife swapping (troca de casais) que existem um pouco por todo o país, da Lapa às mais profundas berças. Voltando ao colóquio Culturas, Identidades, Visibilidades, o qual contou com assinalável presença de público em todas as sessões, é significativo que jornalistas, opinion makers e académicos que tanto gostam de elaborar sobre a deriva queer e a comunidade gay, etc., não tenham posto os pés no Instituto Franco-Português, ao menos para ouvir Didier Eribon (fotografado ao alto por Sebastien Dolidon), uma autoridade na matéria, cuja intervenção na sessão de abertura foi relevante a vários títulos. Igualmente significativo o comportamento dos partidos políticos representados na AR. Apenas dois marcaram presença: o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda, representados, respectivamente, pelas deputadas Ana Catarina Mendes, co-autora da lei das uniões de facto, e Helena Pinto. O desembaraço e fluência de ambas, em que pese uma não despicienda nuance programática, valeu, no debate que encerrou o colóquio, por todas as ausências. A notória dificuldade do PCP em lidar com a homossexualidade (o affaire Fogaça continua a inquietar), o recalcamento do PPD/PSD e do CDS/PP, bem como a natureza virtual dos Verdes, têm valor «pedagógico». Tendo assistido a quatro dos seis painéis temáticos, não quero deixar de destacar as prestações de Gabriela Moita e Eduarda Ferreira (psicologia), Frederico Lourenço (literatura), Miguel Vale de Almeida, Teresa Levy e Tito Lívio (ciências sociais), sem esquecer Paulo Jorge Vieira, com um desenvolvido trabalho sobre geografia social e cultural, embora, do meu ponto de vista, tal contributo fosse desadequado ao tema em pauta. Não pude assistir, mas ouvi comentários elogiando a comunicação de João Ferreira, director do festival de cinema, sobre «Representações da masculinidade na mais recente cinematografia gay», e a de Ana Luísa Amaral em torno de The Price of Salt de Patricia Highsmith. Tenho dito.Etiquetas: AAA

A imprensa portuguesa não tem por hábito cobrir congressos, seminários e colóquios de perfil académico. Quando muito, se vem a Portugal algum prémio Nobel ou outra notabilidade equivalente, dá conta do facto em registo mundano. Portanto, não é de admirar o descaso dos media relativamente ao colóquio de estudos GLQ que durante dois dias reuniu no Instituto Franco-Português um conjunto de vinte especialistas de várias áreas: psicologia, literatura, artes e estudos culturais, cinema, ciências sociais, e política. Em todo o caso, coincidindo esse colóquio com três iniciativas de apelo mediático óbvio, como é o caso da 9ª edição do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa (a decorrer até ao próximo dia 21); o anúncio público, por parte da ILGA, da recolha de assinaturas para uma petição que leve a Assembleia da República a alterar o Código Civil de modo a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo; e também a manif da extrema-direita que tinha por objecto três coisas diferentes, uma delas o putativo lóbi gay; coincidindo, dizia eu, esse colóquio de estudos GLQ com tais «chamarizes», era natural um módico de atenção. O silêncio foi de chumbo. Porém, a revista Grande Reportagem, distribuída ontem com o DN, dedica sete páginas aos dark rooms de Lisboa, Porto e Portimão, não poupando no recorte escatológico. Quando se realizar um congresso pró-família, um daqueles bem ultramontanos, espero ver na mesma revista idêntica reportagem sobre os círculos de wife swapping (troca de casais) que existem um pouco por todo o país, da Lapa às mais profundas berças. Voltando ao colóquio Culturas, Identidades, Visibilidades, o qual contou com assinalável presença de público em todas as sessões, é significativo que jornalistas, opinion makers e académicos que tanto gostam de elaborar sobre a deriva queer e a comunidade gay, etc., não tenham posto os pés no Instituto Franco-Português, ao menos para ouvir Didier Eribon (fotografado ao alto por Sebastien Dolidon), uma autoridade na matéria, cuja intervenção na sessão de abertura foi relevante a vários títulos. Igualmente significativo o comportamento dos partidos políticos representados na AR. Apenas dois marcaram presença: o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda, representados, respectivamente, pelas deputadas Ana Catarina Mendes, co-autora da lei das uniões de facto, e Helena Pinto. O desembaraço e fluência de ambas, em que pese uma não despicienda nuance programática, valeu, no debate que encerrou o colóquio, por todas as ausências. A notória dificuldade do PCP em lidar com a homossexualidade (o affaire Fogaça continua a inquietar), o recalcamento do PPD/PSD e do CDS/PP, bem como a natureza virtual dos Verdes, têm valor «pedagógico». Tendo assistido a quatro dos seis painéis temáticos, não quero deixar de destacar as prestações de Gabriela Moita e Eduarda Ferreira (psicologia), Frederico Lourenço (literatura), Miguel Vale de Almeida, Teresa Levy e Tito Lívio (ciências sociais), sem esquecer Paulo Jorge Vieira, com um desenvolvido trabalho sobre geografia social e cultural, embora, do meu ponto de vista, tal contributo fosse desadequado ao tema em pauta. Não pude assistir, mas ouvi comentários elogiando a comunicação de João Ferreira, director do festival de cinema, sobre «Representações da masculinidade na mais recente cinematografia gay», e a de Ana Luísa Amaral em torno de The Price of Salt de Patricia Highsmith. Tenho dito.Etiquetas: AAA

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