blogue do não: Pérolas do Sim

22-12-2009
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Em réplica anónima ao meu post «Expliquem-me como se eu fosse muito burro - III

dizia-se:

«Se você viajar no tempo (através da arte e da História), e no espaço (sim já há vôos low cost para longe e para nenhures), verificará que aquilo a que se chama vida não é um valor absoluto a não ser no contexto de uma crença.»

Não posso encontrar melhor tréplica do que um texto que me havia sido enviado por um leitor do BdN, que decidira até aqui não publicar, não viesse a deputada Helena Pinto a convocar uma conferência de imprensa a acusar-nos de racistas. Mas agora tem que ser, sem mais comentários, porque julgo que responde à questão que o anónimo levantou, sobre o relativismo da vida humana nas diferentes culturas:

---

«Quando vivi na Guiné, dois colegas meus fizeram um trabalho de campo sobre um fenómeno muito comum em África e que costuma ser designado por infanticídio étnico. Trata-se de matar as crianças que nascem com problemas de saúde. Na Guiné, em regra, quando se detecta um problema (ou um suposto problema, atendendo à inexistência de conhecimentos das pessoas) a mãe e as outras mulheres da família colocam o bébé na margem do rio e deixam-no lá. Ao outro dia vão ver se ainda lá está (na Guiné, por causa da força do mar, os rios têm marés). Se estiver é porque não tem mau espírito, se não estiver, confirma-se o acertado da decisão.

Quando os meus colegas interrogavam as pessoas sobre os seus sentimentos ao deixarem os filhos à mercê da água a resposta era sempre a mesma: não é um filho: é um “có” (um espírito mau) disfarçado de filho/pessoa. Por isso não havia qualquer problema em eliminá-lo. Pelo contrário: era um dever. De acordo com as tradições deles, se o có não fosse eliminado, a primeira pessoa contra a qual ele se voltaria seria a mãe. Os meus colegas diziam, inclusivamente, que os guineenses não usavam palavras como “filho”, “bébé”, “criança”, “pessoa”, ... para significar o có.

Esta lógica de “não faz mal, pois não é uma pessoa” é exactamente a mesma que os nossos cós do não usam. Claro, com menos desculpa.»

Em réplica anónima ao meu post «Expliquem-me como se eu fosse muito burro - III

dizia-se:

«Se você viajar no tempo (através da arte e da História), e no espaço (sim já há vôos low cost para longe e para nenhures), verificará que aquilo a que se chama vida não é um valor absoluto a não ser no contexto de uma crença.»

Não posso encontrar melhor tréplica do que um texto que me havia sido enviado por um leitor do BdN, que decidira até aqui não publicar, não viesse a deputada Helena Pinto a convocar uma conferência de imprensa a acusar-nos de racistas. Mas agora tem que ser, sem mais comentários, porque julgo que responde à questão que o anónimo levantou, sobre o relativismo da vida humana nas diferentes culturas:

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«Quando vivi na Guiné, dois colegas meus fizeram um trabalho de campo sobre um fenómeno muito comum em África e que costuma ser designado por infanticídio étnico. Trata-se de matar as crianças que nascem com problemas de saúde. Na Guiné, em regra, quando se detecta um problema (ou um suposto problema, atendendo à inexistência de conhecimentos das pessoas) a mãe e as outras mulheres da família colocam o bébé na margem do rio e deixam-no lá. Ao outro dia vão ver se ainda lá está (na Guiné, por causa da força do mar, os rios têm marés). Se estiver é porque não tem mau espírito, se não estiver, confirma-se o acertado da decisão.

Quando os meus colegas interrogavam as pessoas sobre os seus sentimentos ao deixarem os filhos à mercê da água a resposta era sempre a mesma: não é um filho: é um “có” (um espírito mau) disfarçado de filho/pessoa. Por isso não havia qualquer problema em eliminá-lo. Pelo contrário: era um dever. De acordo com as tradições deles, se o có não fosse eliminado, a primeira pessoa contra a qual ele se voltaria seria a mãe. Os meus colegas diziam, inclusivamente, que os guineenses não usavam palavras como “filho”, “bébé”, “criança”, “pessoa”, ... para significar o có.

Esta lógica de “não faz mal, pois não é uma pessoa” é exactamente a mesma que os nossos cós do não usam. Claro, com menos desculpa.»

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