Vias de Facto: Sobre a política e os seus aproveitamentos

24-01-2011
marcar artigo


A ausência de Cavaco (e de Jaime Gama) do funeral de Saramago, sendo um pormenor, não me parece tão irrelevante quanto isso. Aqui nesta casa e em outros tegúrios, o assunto tem sido discutido com alguma animação. Reconheço que a grandeza de Saramago e a comoção popular que a sua morte causou são bem superiores à recusa do PR em interromper as suas férias nos Açores. Sou sensível ao argumento daqueles que acham que Saramago esteve muito bem acompanhado pelos seus e que Cavaco (e Gama) não fizeram falta. Só que a questão não está na falta que Gama e Cavaco possam ter feito, mas na ausência que Saramago fará ao país e à literatura. E se os dois dias de luto nacional são a expressão disso mesmo, o normal seria que as duas mais altas figuras da nação estivessem presentes e não se fizessem representar por coroas de flores, Guilherme Silva e homens da Casa Civil. As declarações com que Cavaco justificou a sua ausência - «nunca o conheci publicamente, só dos livros» - roçam o insulto e são típicas da figura quando apanhada sem guião. Como lembra o Daniel Oliveira, «se Aníbal Cavaco Silva tivesse comparecido no funeral de José Saramago muitos diriam que se tratava de hipocrisia. Mas, ainda assim, o Presidente da República tinha de ir e aguentar com dignidade essa acusação. Porque as críticas que lhe fariam, pondo em causa o homem, deixariam intacta a instituição que ele representa. Porque quem lá estaria não seria Cavaco Silva. Seria o Presidente da República Portuguesa». Assim, ao contrário do meu companheiro Miguel Serras Pereira, que aponta armas a Louçã e Soares, acho que neste caso o «aproveitamento político» (coisas de difícil e subjectiva aferição quando os assuntos são políticos, como é o caso), está sobretudo do lado do transitório presidente, que pisca os olhos aos seus naturais sectores católicos e conservadores, desgostosos com a sua promulgação do casamento gay e esquecidos da apertada e familiar companhia que proporcionou a Ratzinger na sua visita a Portugal. A ausência do sr. Aníbal ofusca a última despedida a Saramago? Nem por isso. Mas lembra-nos o presidente que ainda temos.


A ausência de Cavaco (e de Jaime Gama) do funeral de Saramago, sendo um pormenor, não me parece tão irrelevante quanto isso. Aqui nesta casa e em outros tegúrios, o assunto tem sido discutido com alguma animação. Reconheço que a grandeza de Saramago e a comoção popular que a sua morte causou são bem superiores à recusa do PR em interromper as suas férias nos Açores. Sou sensível ao argumento daqueles que acham que Saramago esteve muito bem acompanhado pelos seus e que Cavaco (e Gama) não fizeram falta. Só que a questão não está na falta que Gama e Cavaco possam ter feito, mas na ausência que Saramago fará ao país e à literatura. E se os dois dias de luto nacional são a expressão disso mesmo, o normal seria que as duas mais altas figuras da nação estivessem presentes e não se fizessem representar por coroas de flores, Guilherme Silva e homens da Casa Civil. As declarações com que Cavaco justificou a sua ausência - «nunca o conheci publicamente, só dos livros» - roçam o insulto e são típicas da figura quando apanhada sem guião. Como lembra o Daniel Oliveira, «se Aníbal Cavaco Silva tivesse comparecido no funeral de José Saramago muitos diriam que se tratava de hipocrisia. Mas, ainda assim, o Presidente da República tinha de ir e aguentar com dignidade essa acusação. Porque as críticas que lhe fariam, pondo em causa o homem, deixariam intacta a instituição que ele representa. Porque quem lá estaria não seria Cavaco Silva. Seria o Presidente da República Portuguesa». Assim, ao contrário do meu companheiro Miguel Serras Pereira, que aponta armas a Louçã e Soares, acho que neste caso o «aproveitamento político» (coisas de difícil e subjectiva aferição quando os assuntos são políticos, como é o caso), está sobretudo do lado do transitório presidente, que pisca os olhos aos seus naturais sectores católicos e conservadores, desgostosos com a sua promulgação do casamento gay e esquecidos da apertada e familiar companhia que proporcionou a Ratzinger na sua visita a Portugal. A ausência do sr. Aníbal ofusca a última despedida a Saramago? Nem por isso. Mas lembra-nos o presidente que ainda temos.

marcar artigo