No Expresso do passado Sábado, o Daniel Oliveira insiste que a Igreja devia ter beatificado os sessenta padres bascos mortos pelos franquistas em 1936 para se redimir da sua "cumplicidade com a ditadura" espanhola. Que é uma vergonha, e são sempre os inocentes que morrem nas guerras (as coisas que a gente aprende com o Daniel...), e a Igreja escolheu mais uma vez o lado dos maus, e só do outro estão aqueles a quem "a democracia deve alguma coisa", etc. Enfim, o que o Nuno Ramos de Almeida já tinha dito no Cinco Dias, mas com mais indignação. Expresso oblige.Eu gostava de olhar para o mundo com esta simplicidade. A sério. Os bons de um lado, os maus do outro, e o Daniel Oliveira ou o Nuno Ramos de Almeida a distribuir comendas. Gostava, mas não posso - porque nem a história é uma cerimónia do 10 de Junho, nem os bons e os maus andam por aí tão separados como na cabeça do Daniel. Talvez os que acreditam na bondade da natureza humana vejam no interesse da nossa esquerda pelos altares um sinal de que Deus está mesmo em toda a parte, até na cabeça do Daniel. Será uma conversão paulina? Será que a socialdemocratização acelerada o levou à democracia cristã? Serão efeitos do intenso convívio com os camaradas da Atlântico e do 31 da Armada?Mistérios da fé. Quanto a mim, pobre céptico, reservo toda a minha esperança em milagres para o Benfica. A súbita devoção da esquerda blogosférica ao santoral tem razões mais terrenas. Antes de mais, tentar equivaler os sessentas padres bascos fuzilados pelos franquistas aos sete mil padres espanhóis mortos pelos republicanos. Estratégia velha e muito usada. Se alguém lembra os abusos das ditaduras de esquerda, logo nos atiram com os abusos das ditaduras de direita - ou das democracias, se não há ditadura à mão. É uma forma de relativizar massacres.Acontece que os mortos em causa não se equivalem - e não é só no número. Os primeiros foram fuzilados por razões políticas: tomaram o partido da República, que lhes prometia a autonomia, contra a Espanha centralista. Como diz o insuspeito Raymond Carr, "they were Catholics on the wrong side in a crusade against the murderers of priests and monks (...) who had put Basque nationalism above Catholic unity" (The Spanish Tragedy, 2000, p. 189). Os segundos morreram por razões religiosas: foram assassinados por ódio à fé católica, e seriam assassinados mesmo que fossem zulus. Os sessenta padres bascos foram fuzilados por serem bascos e não por serem padres. Os sete mil padres mortos pelos republicanos, juntamente com outros mil frades, freiras e leigos avulsos, foram-no por serem católicos. Acontece também que, na tradição cristã (não apenas na católica, mas igualmente na ortodoxa), um mártir é alguém que morre pela fé. Não se trata do caso dos padres bascos. A sua morte é tão repugnante como qualquer outra que resulte de uma perseguição política. Mas não resulta de uma perseguição religiosa. É isso que o Daniel Oliveira e o Nuno Ramos de Almeida não conseguem disfarçar, por mais fumo que façam. E é por isso que tentam desesperadamente santificar os mortos do franquismo. Os mortos, se misturados, parecem todos iguais. Matem-nos todos e Deus escolherá os seus, gritava-se na noite de São Bartolomeu. Matem-nos todos e beatifiquem-nos todos, grita-se nos Cinco Dias de Arrastão. Pode ser que ninguém dê por nada.Acontece que nós damos. Em 36 e 37, a esquerda republicana, comunista e anarquista, de que a extema-esquerda portuguesa é hoje herdeira, matou entre oito mil e dez mil espanhóis por puro ódio religioso. Não tinha que ser assim. A República, vitoriosa em eleições, foi bem recebida por muitos católicos, sobretudo no País Basco e na Catalunha - o que motivou a reacção franquista que vimos. Foi a intolerância dos republicanos que atirou a Igreja para os braços de Franco. Quando os bispos de Espanha declararam publicamente o seu apoio à causa nacionalista, na célebre carta pastoral de Setembro de 36, já a perseguição religiosa fizera 6500 vítimas. Para os arautos do lado "a que a democracia deve alguma coisa", eis uma verdade inconveniente. Uma verdade inconveniente porque faz cair pela base o mito da superioridade moral antifascista. E mostra como a violência política está inscrita no ADN da extrema-esquerda.Não estou a falar apenas do passado. Qual o dirigente partidário que aplaudiu o ataque dos verdeufémios ao milheiral de Silves no último Verão? Miguel Portas, do Bloco de Esquerda. Qual o dirigente partidário que minimizou os incidentes do Chiado, protagonizados por anarquistas, no último 25 de Abril? Daniel Oliveira, do Bloco de Esquerda.Qual o dirigente partidário que foi testemunha abonatória de Otelo no julgamento das FP 25? Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda. Qual o partido português que tem nas suas listas autárquicas um ex-condenado das FP 25? O Bloco de Esquerda. Qual o partido português que recebe as FARC na Festa do Avante? O PCP. E assim por diante.Tragam-me já o Oscar e o Nobel, sff.
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No Expresso do passado Sábado, o Daniel Oliveira insiste que a Igreja devia ter beatificado os sessenta padres bascos mortos pelos franquistas em 1936 para se redimir da sua "cumplicidade com a ditadura" espanhola. Que é uma vergonha, e são sempre os inocentes que morrem nas guerras (as coisas que a gente aprende com o Daniel...), e a Igreja escolheu mais uma vez o lado dos maus, e só do outro estão aqueles a quem "a democracia deve alguma coisa", etc. Enfim, o que o Nuno Ramos de Almeida já tinha dito no Cinco Dias, mas com mais indignação. Expresso oblige.Eu gostava de olhar para o mundo com esta simplicidade. A sério. Os bons de um lado, os maus do outro, e o Daniel Oliveira ou o Nuno Ramos de Almeida a distribuir comendas. Gostava, mas não posso - porque nem a história é uma cerimónia do 10 de Junho, nem os bons e os maus andam por aí tão separados como na cabeça do Daniel. Talvez os que acreditam na bondade da natureza humana vejam no interesse da nossa esquerda pelos altares um sinal de que Deus está mesmo em toda a parte, até na cabeça do Daniel. Será uma conversão paulina? Será que a socialdemocratização acelerada o levou à democracia cristã? Serão efeitos do intenso convívio com os camaradas da Atlântico e do 31 da Armada?Mistérios da fé. Quanto a mim, pobre céptico, reservo toda a minha esperança em milagres para o Benfica. A súbita devoção da esquerda blogosférica ao santoral tem razões mais terrenas. Antes de mais, tentar equivaler os sessentas padres bascos fuzilados pelos franquistas aos sete mil padres espanhóis mortos pelos republicanos. Estratégia velha e muito usada. Se alguém lembra os abusos das ditaduras de esquerda, logo nos atiram com os abusos das ditaduras de direita - ou das democracias, se não há ditadura à mão. É uma forma de relativizar massacres.Acontece que os mortos em causa não se equivalem - e não é só no número. Os primeiros foram fuzilados por razões políticas: tomaram o partido da República, que lhes prometia a autonomia, contra a Espanha centralista. Como diz o insuspeito Raymond Carr, "they were Catholics on the wrong side in a crusade against the murderers of priests and monks (...) who had put Basque nationalism above Catholic unity" (The Spanish Tragedy, 2000, p. 189). Os segundos morreram por razões religiosas: foram assassinados por ódio à fé católica, e seriam assassinados mesmo que fossem zulus. Os sessenta padres bascos foram fuzilados por serem bascos e não por serem padres. Os sete mil padres mortos pelos republicanos, juntamente com outros mil frades, freiras e leigos avulsos, foram-no por serem católicos. Acontece também que, na tradição cristã (não apenas na católica, mas igualmente na ortodoxa), um mártir é alguém que morre pela fé. Não se trata do caso dos padres bascos. A sua morte é tão repugnante como qualquer outra que resulte de uma perseguição política. Mas não resulta de uma perseguição religiosa. É isso que o Daniel Oliveira e o Nuno Ramos de Almeida não conseguem disfarçar, por mais fumo que façam. E é por isso que tentam desesperadamente santificar os mortos do franquismo. Os mortos, se misturados, parecem todos iguais. Matem-nos todos e Deus escolherá os seus, gritava-se na noite de São Bartolomeu. Matem-nos todos e beatifiquem-nos todos, grita-se nos Cinco Dias de Arrastão. Pode ser que ninguém dê por nada.Acontece que nós damos. Em 36 e 37, a esquerda republicana, comunista e anarquista, de que a extema-esquerda portuguesa é hoje herdeira, matou entre oito mil e dez mil espanhóis por puro ódio religioso. Não tinha que ser assim. A República, vitoriosa em eleições, foi bem recebida por muitos católicos, sobretudo no País Basco e na Catalunha - o que motivou a reacção franquista que vimos. Foi a intolerância dos republicanos que atirou a Igreja para os braços de Franco. Quando os bispos de Espanha declararam publicamente o seu apoio à causa nacionalista, na célebre carta pastoral de Setembro de 36, já a perseguição religiosa fizera 6500 vítimas. Para os arautos do lado "a que a democracia deve alguma coisa", eis uma verdade inconveniente. Uma verdade inconveniente porque faz cair pela base o mito da superioridade moral antifascista. E mostra como a violência política está inscrita no ADN da extrema-esquerda.Não estou a falar apenas do passado. Qual o dirigente partidário que aplaudiu o ataque dos verdeufémios ao milheiral de Silves no último Verão? Miguel Portas, do Bloco de Esquerda. Qual o dirigente partidário que minimizou os incidentes do Chiado, protagonizados por anarquistas, no último 25 de Abril? Daniel Oliveira, do Bloco de Esquerda.Qual o dirigente partidário que foi testemunha abonatória de Otelo no julgamento das FP 25? Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda. Qual o partido português que tem nas suas listas autárquicas um ex-condenado das FP 25? O Bloco de Esquerda. Qual o partido português que recebe as FARC na Festa do Avante? O PCP. E assim por diante.Tragam-me já o Oscar e o Nobel, sff.