DRAGOSCÓPIO: Eu, Dragão pecador, me confesso

21-01-2011
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Nos anteriores pecados mortais, dois em especial aviavam-me em boa velocidade para o inferno: a Ira e o Orgulho. Os restantes nem por isso. Sou um tipo espartano. Era capaz de estar no deserto a comer gafanhotos e a perorar aos calhaus na maior das calmas e descontracções, desde que, claro está, não me chateassem. Porque quando me chateiam está o caldo entornado. E eu chateio-me com uma certa facilidade. Ora, aí, lá rebenta a Ira, e lá desato a pecar desvairadamente, com todas as minhas forças e mais os seiscentos diabos que cismam de surfar nelas. Com o orgulho ainda é pior. Prefiro nem falar nisso.Resta-me apenas uma dúvida: onde se encaixam as mulheres nesta tabela antiga... Na luxúria? Na gula? Na avareza? Na inveja? Porque, bem vistas as coisas, com essas apetitosas criaturas, acho que cometo, pelo menos, o trio último (e respectivos derivados): sou guloso, ganancioso, voraz, avarento, cobiçoso, unhas-de-fome, invejoso, ciumento, garganeiro, açambarcador e só não cometo a luxúria porque, ao contrário do governador de Nova Iorque, me falta a verba dos contribuintes. Tivesse-a eu em justa quantidade, como, aliás, me era devido e mais que merecido, e o prazer ufano, goivótico com que a derreteria entre vulvas, mamas e nalguedos!...Mas calma, Dragão, não nos alucinemos.Vejamos antes que tal fico na nova tabela de crimes...1.Em relação à "manipulação genética" estou completamente isento de qualquer mácula. Não manipulo. Na juventude manipulava. Mas agora prefiro que me manipulem. Ou abocanhem. Felizmente, a "abocanhação genérica", como diria o meu consócio e Engenheiro, não consta na lista.2. Com respeito às "experiências científicas com cobaias humanas" também estou imaculado. O meu ramo é mais o das "experiências filosóficas com cobaias humanas" - que são, para que conste, eu próprio, a mulher e os filhos. Confrontam-se geralmente o meu solipsismo e o estoicismo deles. Ocasionalmente, o Kantismo da minha bem amada esposa também se esmera na "Crítica do Dragão Puro". E outras vezes, eu próprio, fora de casa, alterno as "experiências filosóficas" em "experiências estéticas em cobaias vagamente humanas", isto é, corrijo à patada uma quantas focinheiras bestialmente asquerosas de biltres, labregos e badamecos que nem me agradecem.3. No que concerne à "poluição do meio ambiente" acho que estou em pecado. Além de produzir lixo, não separo. Eles que o separem, o mastiguem, o vendam, o comprem, o idolatrem, façam como bem entenderem. Se as televisões, os ministérios, os jornais e editoras culturais podem emitir lixo a granel, entulho de aluvião, sem qualquer interrupção nem critério, não vejo porque é que eu, simples paisano contribuinte, hei-de estar com essas mesuras e esquisitices. Ao menos sempre tento compensar com um modestíssimo - mas tenaz - contributo para a despoluição blogosférica.4. Quanto a "causar injustiça social", só se for na qualidade de vítima. Porque, convenhamos, os causadores desta infâmia não conseguiriam pecar sozinhos. As vítimas são suas cúmplices, um belo raio as parta. É uma perspectiva que acaba de me ocorrer, mas que me deixa atordoado e com vontade de pregar uns valentes murros em mim próprio.5. Já no que refere ao "causar pobreza" também fico ligeiramente confuso. "Causar pobreza" a si próprio também conta? E que tipo de pobreza - material? Mental? S.Francisco de Assis vai ser descanonizado?...6. De "enriquecimento obsceno" é que estou absolutamente limpo. Nem obsceno, nem pudibundo, nem de qualquer espécie, clube ou categoria. Mais rigorosamente enxuto do que eu será difícil. De modo a não correr sequer o risco de pecar nesse departamento, nem a taludas me habilito ou casinos demando. Nisso, da fortuna, de resto, sou mesmo um perfeito pirata: tesouro ganho é tesouro gasto. Torrado e refundido o mais depressa e reconditamente possível. Legassem-me hoje mesmo uma imensa herança e em menos de nada já eu a teria delapidado com as pobrezinhas.7. E tomar drogas também não é comigo. Além de não ingeri-las por qualquer dos orifícios proverbiais, em forma de drageia ou supositório, também não as ingurgito, de regular, por olhos nem ouvidos. Cinema é estábulo que não frequento vai para mais de oito ou dez anos e televisão é caixote que raramente vislumbro.Tudo somado, sou capaz de ter ficado a ganhar com a pecamentosa reforma. Continuo a ir parar ao inferno, mas suspeito que a alma já não vai em correio azul: segue em correio normal (e, com um bocado de sorte, ainda se extravia).Todavia, se lá chegar, sei bem o que o meu primo das profundezas exclamará:"Este vem da Terra, rapazes! Tratamento especial. É da família; e já vem bestialmente calejado!..."


Nos anteriores pecados mortais, dois em especial aviavam-me em boa velocidade para o inferno: a Ira e o Orgulho. Os restantes nem por isso. Sou um tipo espartano. Era capaz de estar no deserto a comer gafanhotos e a perorar aos calhaus na maior das calmas e descontracções, desde que, claro está, não me chateassem. Porque quando me chateiam está o caldo entornado. E eu chateio-me com uma certa facilidade. Ora, aí, lá rebenta a Ira, e lá desato a pecar desvairadamente, com todas as minhas forças e mais os seiscentos diabos que cismam de surfar nelas. Com o orgulho ainda é pior. Prefiro nem falar nisso.Resta-me apenas uma dúvida: onde se encaixam as mulheres nesta tabela antiga... Na luxúria? Na gula? Na avareza? Na inveja? Porque, bem vistas as coisas, com essas apetitosas criaturas, acho que cometo, pelo menos, o trio último (e respectivos derivados): sou guloso, ganancioso, voraz, avarento, cobiçoso, unhas-de-fome, invejoso, ciumento, garganeiro, açambarcador e só não cometo a luxúria porque, ao contrário do governador de Nova Iorque, me falta a verba dos contribuintes. Tivesse-a eu em justa quantidade, como, aliás, me era devido e mais que merecido, e o prazer ufano, goivótico com que a derreteria entre vulvas, mamas e nalguedos!...Mas calma, Dragão, não nos alucinemos.Vejamos antes que tal fico na nova tabela de crimes...1.Em relação à "manipulação genética" estou completamente isento de qualquer mácula. Não manipulo. Na juventude manipulava. Mas agora prefiro que me manipulem. Ou abocanhem. Felizmente, a "abocanhação genérica", como diria o meu consócio e Engenheiro, não consta na lista.2. Com respeito às "experiências científicas com cobaias humanas" também estou imaculado. O meu ramo é mais o das "experiências filosóficas com cobaias humanas" - que são, para que conste, eu próprio, a mulher e os filhos. Confrontam-se geralmente o meu solipsismo e o estoicismo deles. Ocasionalmente, o Kantismo da minha bem amada esposa também se esmera na "Crítica do Dragão Puro". E outras vezes, eu próprio, fora de casa, alterno as "experiências filosóficas" em "experiências estéticas em cobaias vagamente humanas", isto é, corrijo à patada uma quantas focinheiras bestialmente asquerosas de biltres, labregos e badamecos que nem me agradecem.3. No que concerne à "poluição do meio ambiente" acho que estou em pecado. Além de produzir lixo, não separo. Eles que o separem, o mastiguem, o vendam, o comprem, o idolatrem, façam como bem entenderem. Se as televisões, os ministérios, os jornais e editoras culturais podem emitir lixo a granel, entulho de aluvião, sem qualquer interrupção nem critério, não vejo porque é que eu, simples paisano contribuinte, hei-de estar com essas mesuras e esquisitices. Ao menos sempre tento compensar com um modestíssimo - mas tenaz - contributo para a despoluição blogosférica.4. Quanto a "causar injustiça social", só se for na qualidade de vítima. Porque, convenhamos, os causadores desta infâmia não conseguiriam pecar sozinhos. As vítimas são suas cúmplices, um belo raio as parta. É uma perspectiva que acaba de me ocorrer, mas que me deixa atordoado e com vontade de pregar uns valentes murros em mim próprio.5. Já no que refere ao "causar pobreza" também fico ligeiramente confuso. "Causar pobreza" a si próprio também conta? E que tipo de pobreza - material? Mental? S.Francisco de Assis vai ser descanonizado?...6. De "enriquecimento obsceno" é que estou absolutamente limpo. Nem obsceno, nem pudibundo, nem de qualquer espécie, clube ou categoria. Mais rigorosamente enxuto do que eu será difícil. De modo a não correr sequer o risco de pecar nesse departamento, nem a taludas me habilito ou casinos demando. Nisso, da fortuna, de resto, sou mesmo um perfeito pirata: tesouro ganho é tesouro gasto. Torrado e refundido o mais depressa e reconditamente possível. Legassem-me hoje mesmo uma imensa herança e em menos de nada já eu a teria delapidado com as pobrezinhas.7. E tomar drogas também não é comigo. Além de não ingeri-las por qualquer dos orifícios proverbiais, em forma de drageia ou supositório, também não as ingurgito, de regular, por olhos nem ouvidos. Cinema é estábulo que não frequento vai para mais de oito ou dez anos e televisão é caixote que raramente vislumbro.Tudo somado, sou capaz de ter ficado a ganhar com a pecamentosa reforma. Continuo a ir parar ao inferno, mas suspeito que a alma já não vai em correio azul: segue em correio normal (e, com um bocado de sorte, ainda se extravia).Todavia, se lá chegar, sei bem o que o meu primo das profundezas exclamará:"Este vem da Terra, rapazes! Tratamento especial. É da família; e já vem bestialmente calejado!..."

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