Consenso para reformar a Justiça é urgente, mas será difícil

16-05-2011
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Todos concordam que é "agora ou nunca", mas há muitas ideias sobre como concretizar reformas da troika

Tornar a Justiça mais célere, reorganizar geograficamente os tribunais, melhorar a gestão do sistema, simplificar o processo civil e tornar eficaz a cobrança de dívidas são objectivos com que políticos, magistrados, advogados e funcionários judiciais concordam. Mas a forma de os atingir não é consensual.

Todos concordam em dois pontos: a pressão externa sobre Portugal para reformar a Justiça é uma oportunidade única para resolver problemas que se arrastam há décadas. E a solução implica um compromisso entre políticos e operadores judiciais.

Manuel Costa Andrade, professor catedrático de Direito Penal da Universidade de Coimbra, enfatiza que a reforma tem condicionantes culturais que são decisivas e não custam dinheiro. "É preciso pôr entre parênteses a conflitualidade entre os grupos profissionais interessados na Justiça, sejam magistrados, advogados, polícias ou funcionários." E realça: "A justiça é uma causa comum, onde nenhum grupo se safa sozinho."

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, António Martins, concorda e sublinha que todos devem "olhar para um bem maior: a Justiça ao serviço dos cidadãos".

"Este é um momento de oportunidade, apenas porque há vontade política", considera o secretário-geral do Sindicado dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso. "Se queremos atingir bons resultados a curto prazo", acrescenta, "temos de chamar todos os actores do sistema e encontrar as melhores soluções para os problemas existentes". As medidas acordadas com os responsáveis do Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia são um ponto de partida.

É preciso passar à prática...

O deputado socialista Filipe Neto Brandão concorda que o consenso nesta área é essencial e diz que "o PS está disponível e consciente da urgência desse consenso". Para o deputado do CDS Filipe Lobo D"Ávila, tem faltado "determinação política" para reformar. "Grupos de trabalho e unidades de missão temos visto muitas, agora é preciso passar à prática e executar as medidas."

Muitos salientam que tribunais mais eficazes e mais céleres implicam uma melhor gestão do Ministério da Justiça. "É preciso mudar a política de arrendamento e de outsourcing que justificam o pagamento de fortunas", defende Lobo D"Ávila. António Martins concorda que há muito desperdício e negócios ruinosos para o Estado, como o arrendamento milionário do Campus da Justiça de Lisboa. "Foram vendidos vários estabelecimentos prisionais, como o de Lisboa, os concursos para fazer os novos não avançaram e neste momento o Estado paga rendas altíssimas que esgotam rapidamente o montante que arrecadou com a sua venda", exemplifica o juiz.

Mas a racionalização tem que permitir resolver a falta de meios. "Fala-se muito de perícias informáticas, mas os pedidos que a PJ está a receber agora têm previsão de estar concluídos apenas em 2014", diz Rui Cardoso. "O dinheiro tem que ser desviado das áreas menos importantes para as mais prioritárias", recomenda Boaventura Sousa Santos, sociólogo e coordenador do Observatório Permanente da Justiça. Rui Cardoso insiste que às vezes, com pequenas medidas, como o certificado de registo criminal online, se podem obter muitos ganhos. "Só para obter um certificado destes temos de esperar três a cinco meses e às vezes os processos estão parados só à espera disso."

... e é preciso simplificar

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O ex-bastonário da Ordem dos Advogados e actual membro do Conselho Superior do Ministério Público, Júlio Castro Caldas, alerta para o perigo de alterações legais pouco reflectidas e para a insegurança criada pela existência de vários regimes legais em simultâneo, cuja origem está nas mudanças sucessivas que não se aplicam a processos já em tribunal. "Nas custas judiciais temos cinco regimes diferentes a ser aplicados ao mesmo tempo. É alucinante." Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, alerta para o mesmo problema e defende que as leis são normalmente demasiado burocráticas e garantísticas. "É preciso simplificar", resume. Manuel Costa Andrade acrescenta que também os magistrados devem "resistir à tentação de fazer de cada sentença uma tese ou dissertação".

Mas já se começam a sentir algumas reacções a medidas sugeridas pela troika, como a facilitação da mobilidade dos oficiais de justiça. O sindicalista Fernando Jorge assume-se contra uma "mobilidade selvagem" e diz que as regras existentes são suficientes. Diz que o cerne da questão é a falta de funcionários e sugere a criação de uma bolsa, como existe nas magistraturas, que permita destacar oficiais a qualquer momento.

Quase todos estão conscientes da dificuldade em reformar o sistema, essencialmente em tão pouco tempo - três anos é o limite temporal da troika.

Por isso uns estão cépticos, outros acreditam numa revolução. "Se houver visão, coragem e peso político do responsável pela pasta da Justiça, no fim da legislatura podemos ter feito uma revolução nesta área, com os cidadãos a encararem os tribunais como espaço de realização dos seus direitos em tempo útil e efectivo", remata António Martins.

Todos concordam que é "agora ou nunca", mas há muitas ideias sobre como concretizar reformas da troika

Tornar a Justiça mais célere, reorganizar geograficamente os tribunais, melhorar a gestão do sistema, simplificar o processo civil e tornar eficaz a cobrança de dívidas são objectivos com que políticos, magistrados, advogados e funcionários judiciais concordam. Mas a forma de os atingir não é consensual.

Todos concordam em dois pontos: a pressão externa sobre Portugal para reformar a Justiça é uma oportunidade única para resolver problemas que se arrastam há décadas. E a solução implica um compromisso entre políticos e operadores judiciais.

Manuel Costa Andrade, professor catedrático de Direito Penal da Universidade de Coimbra, enfatiza que a reforma tem condicionantes culturais que são decisivas e não custam dinheiro. "É preciso pôr entre parênteses a conflitualidade entre os grupos profissionais interessados na Justiça, sejam magistrados, advogados, polícias ou funcionários." E realça: "A justiça é uma causa comum, onde nenhum grupo se safa sozinho."

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, António Martins, concorda e sublinha que todos devem "olhar para um bem maior: a Justiça ao serviço dos cidadãos".

"Este é um momento de oportunidade, apenas porque há vontade política", considera o secretário-geral do Sindicado dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso. "Se queremos atingir bons resultados a curto prazo", acrescenta, "temos de chamar todos os actores do sistema e encontrar as melhores soluções para os problemas existentes". As medidas acordadas com os responsáveis do Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia são um ponto de partida.

É preciso passar à prática...

O deputado socialista Filipe Neto Brandão concorda que o consenso nesta área é essencial e diz que "o PS está disponível e consciente da urgência desse consenso". Para o deputado do CDS Filipe Lobo D"Ávila, tem faltado "determinação política" para reformar. "Grupos de trabalho e unidades de missão temos visto muitas, agora é preciso passar à prática e executar as medidas."

Muitos salientam que tribunais mais eficazes e mais céleres implicam uma melhor gestão do Ministério da Justiça. "É preciso mudar a política de arrendamento e de outsourcing que justificam o pagamento de fortunas", defende Lobo D"Ávila. António Martins concorda que há muito desperdício e negócios ruinosos para o Estado, como o arrendamento milionário do Campus da Justiça de Lisboa. "Foram vendidos vários estabelecimentos prisionais, como o de Lisboa, os concursos para fazer os novos não avançaram e neste momento o Estado paga rendas altíssimas que esgotam rapidamente o montante que arrecadou com a sua venda", exemplifica o juiz.

Mas a racionalização tem que permitir resolver a falta de meios. "Fala-se muito de perícias informáticas, mas os pedidos que a PJ está a receber agora têm previsão de estar concluídos apenas em 2014", diz Rui Cardoso. "O dinheiro tem que ser desviado das áreas menos importantes para as mais prioritárias", recomenda Boaventura Sousa Santos, sociólogo e coordenador do Observatório Permanente da Justiça. Rui Cardoso insiste que às vezes, com pequenas medidas, como o certificado de registo criminal online, se podem obter muitos ganhos. "Só para obter um certificado destes temos de esperar três a cinco meses e às vezes os processos estão parados só à espera disso."

... e é preciso simplificar

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O ex-bastonário da Ordem dos Advogados e actual membro do Conselho Superior do Ministério Público, Júlio Castro Caldas, alerta para o perigo de alterações legais pouco reflectidas e para a insegurança criada pela existência de vários regimes legais em simultâneo, cuja origem está nas mudanças sucessivas que não se aplicam a processos já em tribunal. "Nas custas judiciais temos cinco regimes diferentes a ser aplicados ao mesmo tempo. É alucinante." Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, alerta para o mesmo problema e defende que as leis são normalmente demasiado burocráticas e garantísticas. "É preciso simplificar", resume. Manuel Costa Andrade acrescenta que também os magistrados devem "resistir à tentação de fazer de cada sentença uma tese ou dissertação".

Mas já se começam a sentir algumas reacções a medidas sugeridas pela troika, como a facilitação da mobilidade dos oficiais de justiça. O sindicalista Fernando Jorge assume-se contra uma "mobilidade selvagem" e diz que as regras existentes são suficientes. Diz que o cerne da questão é a falta de funcionários e sugere a criação de uma bolsa, como existe nas magistraturas, que permita destacar oficiais a qualquer momento.

Quase todos estão conscientes da dificuldade em reformar o sistema, essencialmente em tão pouco tempo - três anos é o limite temporal da troika.

Por isso uns estão cépticos, outros acreditam numa revolução. "Se houver visão, coragem e peso político do responsável pela pasta da Justiça, no fim da legislatura podemos ter feito uma revolução nesta área, com os cidadãos a encararem os tribunais como espaço de realização dos seus direitos em tempo útil e efectivo", remata António Martins.

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