Les Canards libertaîres: Portugal já foi Birmânia

18-12-2009
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1. Noticia.Aveiro assinalou no dia 06 de Outubro a passagem dos 50 anos sobre a realização do I Congresso Republicano que reuniu os opositores ao Estado Novo. Foi um momento para evocar a memória das personalidades que se constituíram em comissão organizadora do primeiro dos três congressos republicanos: Mário Sacramento, João Sarabando, João Seiça Neves, Manuel das Neves, Armando Seabra, Costa e Melo, Joaquim José Santana, Alfredo Coelho de Magalhães, Horácio Briosa e Gala e Álvaro Seiça Neves.Figura incontornável dos acontecimentos da época foi também o então governador civil, Vale Guimarães, que sendo um homem comprometido com o Estado Novo, ousou autorizar a realização do congresso em Aveiro e, ao contrário de outros governadores, defendia que o regime não precisava de «chapeladas e da viciação eleitoral». O regime acabou por substitui-lo, mas voltou ao cargo com Marcelo Caetano, o que viabilizou a realização, também em Aveiro, do III Congresso, o da Oposição Democrática, em 1973, precursor do 25 de Abril.Em relação ao primeiro congresso, comenta Filipe Neto Brandão, «não pode deixar de ser particularmente tocante para todos os que apreciam a liberdade, saber que em 1957, numa cidade de província, em pleno Portugal amordaçado e bafiento, este tenha terminado, segundo os relatos da época, com os presentes repetindo vivas à República e à Liberdade e entoando, de pé, “A Portuguesa”».«Foi a partir de Aveiro que o propósito de liberdade, democracia e cidadania, encontrou um tronco comum, que veio a culminar no 25 de Abril e nesse primeiro congresso os republicanos reencontraram-se na pureza do seu ideário fundador», explica o actual governador civil.2. ReflexãoEm 1957 um grupo de oposicionistas desafiava o regime ao organizar um congresso republicano para a cidade de Aveiro. O país, lembramos, era a preto e branco. Só. As fotos. A imprensa. A TV (que nasceu nesse mesmo ano). E especialmente a política.Branco – Situação. Preto – Oposição.Poucos resultados práticos teve este primeiro congresso, aparte de servir de base às listas da oposição em 1957, nas eleições legislativas do mesmo ano; e de ter fornecido à PIDE dados sobre potenciais novos inquilinos (e muitos viriam a sê-lo). O processo irá repetir-se em outras duas ocasiões. Uma em 1967 e 1973, em vésperas do 25 de Abril.Nesta efeméride urge recordar que nem sempre a Liberdade está assegurada, que nem sempre podemos esperar que todos os regimes políticos respeitem a herança natural, genética, que é ser livre.Hoje já não nos lembramos o que era viver sem ser em liberdade.Hoje já não nos lembramos que Portugal já foi, por exemplo, Birmânia.Já esquecemos as perseguições policiais, as fichas na PIDE, a impossibilidade de falar ou opinar. Já esquecemos que tivemos de emigrar para, como povo e como indivíduos pudéssemos almejar o desenvolvimento humano e cívico decorrente da experimentação e do consciencialização política.Esquecemos que vivemos num Estado que nos infantilizava. Que partia da premissa que não tínhamos o nível político, o grau cultural adequando para que pudesse ser confiado com o voto livre, com a capacidade de poder escolher, de poder governar. Já esquecemos que tivemos de fugir de uma guerra, de uma universidade, de uma fábrica, de uma vida. Esquecemos do que era fugir. Sempre fugir. Nunca regressar.Hoje, todos os dias experimentamos diversos quotidianos de liberdade: Uma imprensa livre, a possibilidade de exprimir e divulgar ideias próprias, sem que para isso se tenha de jurar fidelidade a um qualquer tipo de organização política. Um movimento sindical livre, e a capacidade de criar, desenvolver e sustentar qualquer tipo de movimento ou organização que, respeitando o Estado de Direito, queira intervir na vida política e cívica.Hoje temos o direito de votar livremente, de apresentarmos candidaturas, de organizarmos campanhas eleitorais de esclarecimento político. De ler, de escrever, gritar.Hoje temos a liberdade de podermos escolher os caminhos da nossa definição individual, do ponto de vista cultural, político, religioso, sexual, ou o que quer que seja. Hoje podemos ser.Mas já não nos lembramos o que era viver sem ser em liberdade.Hoje já não nos lembramos que Portugal já foi, por exemplo, Birmânia.E a Birmânia ainda existe.Até quando?


1. Noticia.Aveiro assinalou no dia 06 de Outubro a passagem dos 50 anos sobre a realização do I Congresso Republicano que reuniu os opositores ao Estado Novo. Foi um momento para evocar a memória das personalidades que se constituíram em comissão organizadora do primeiro dos três congressos republicanos: Mário Sacramento, João Sarabando, João Seiça Neves, Manuel das Neves, Armando Seabra, Costa e Melo, Joaquim José Santana, Alfredo Coelho de Magalhães, Horácio Briosa e Gala e Álvaro Seiça Neves.Figura incontornável dos acontecimentos da época foi também o então governador civil, Vale Guimarães, que sendo um homem comprometido com o Estado Novo, ousou autorizar a realização do congresso em Aveiro e, ao contrário de outros governadores, defendia que o regime não precisava de «chapeladas e da viciação eleitoral». O regime acabou por substitui-lo, mas voltou ao cargo com Marcelo Caetano, o que viabilizou a realização, também em Aveiro, do III Congresso, o da Oposição Democrática, em 1973, precursor do 25 de Abril.Em relação ao primeiro congresso, comenta Filipe Neto Brandão, «não pode deixar de ser particularmente tocante para todos os que apreciam a liberdade, saber que em 1957, numa cidade de província, em pleno Portugal amordaçado e bafiento, este tenha terminado, segundo os relatos da época, com os presentes repetindo vivas à República e à Liberdade e entoando, de pé, “A Portuguesa”».«Foi a partir de Aveiro que o propósito de liberdade, democracia e cidadania, encontrou um tronco comum, que veio a culminar no 25 de Abril e nesse primeiro congresso os republicanos reencontraram-se na pureza do seu ideário fundador», explica o actual governador civil.2. ReflexãoEm 1957 um grupo de oposicionistas desafiava o regime ao organizar um congresso republicano para a cidade de Aveiro. O país, lembramos, era a preto e branco. Só. As fotos. A imprensa. A TV (que nasceu nesse mesmo ano). E especialmente a política.Branco – Situação. Preto – Oposição.Poucos resultados práticos teve este primeiro congresso, aparte de servir de base às listas da oposição em 1957, nas eleições legislativas do mesmo ano; e de ter fornecido à PIDE dados sobre potenciais novos inquilinos (e muitos viriam a sê-lo). O processo irá repetir-se em outras duas ocasiões. Uma em 1967 e 1973, em vésperas do 25 de Abril.Nesta efeméride urge recordar que nem sempre a Liberdade está assegurada, que nem sempre podemos esperar que todos os regimes políticos respeitem a herança natural, genética, que é ser livre.Hoje já não nos lembramos o que era viver sem ser em liberdade.Hoje já não nos lembramos que Portugal já foi, por exemplo, Birmânia.Já esquecemos as perseguições policiais, as fichas na PIDE, a impossibilidade de falar ou opinar. Já esquecemos que tivemos de emigrar para, como povo e como indivíduos pudéssemos almejar o desenvolvimento humano e cívico decorrente da experimentação e do consciencialização política.Esquecemos que vivemos num Estado que nos infantilizava. Que partia da premissa que não tínhamos o nível político, o grau cultural adequando para que pudesse ser confiado com o voto livre, com a capacidade de poder escolher, de poder governar. Já esquecemos que tivemos de fugir de uma guerra, de uma universidade, de uma fábrica, de uma vida. Esquecemos do que era fugir. Sempre fugir. Nunca regressar.Hoje, todos os dias experimentamos diversos quotidianos de liberdade: Uma imprensa livre, a possibilidade de exprimir e divulgar ideias próprias, sem que para isso se tenha de jurar fidelidade a um qualquer tipo de organização política. Um movimento sindical livre, e a capacidade de criar, desenvolver e sustentar qualquer tipo de movimento ou organização que, respeitando o Estado de Direito, queira intervir na vida política e cívica.Hoje temos o direito de votar livremente, de apresentarmos candidaturas, de organizarmos campanhas eleitorais de esclarecimento político. De ler, de escrever, gritar.Hoje temos a liberdade de podermos escolher os caminhos da nossa definição individual, do ponto de vista cultural, político, religioso, sexual, ou o que quer que seja. Hoje podemos ser.Mas já não nos lembramos o que era viver sem ser em liberdade.Hoje já não nos lembramos que Portugal já foi, por exemplo, Birmânia.E a Birmânia ainda existe.Até quando?

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