Sobre os erros no Mapa Oficial de resultados das Presidenciais 2011

28-05-2011
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Sobre os erros no Mapa Oficial de resultados das Presidenciais 2011

Publicado em Partido Comunista Português ( http://www.pcp.pt

Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Sobre os erros no Mapa Oficial de resultados das Presidenciais 2011

Quinta 17 de Fevereiro de 2011

Declaração política culpabilizando o Governo pelos problemas que originaram que muitos cidadãos não tenham podido exercer o seu direito de voto nas eleições presidenciais e considerando que o mapa oficial de resultados publicado em Diário da República contém erros grosseiros

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Decididamente, as eleições presidenciais de 23 Janeiro não correram bem. Não estou a falar de resultados, esses estão mais que discutidos; estou a falar do processo eleitoral.

O processo correu mal no dia da eleição. No preciso instante em que o Ministro da Administração Interna dizia aos microfones que o processo eleitoral estava a decorrer com absoluta normalidade e que os eleitores que ainda não soubessem o seu número de eleitor poderiam, com toda a facilidade, obtê-lo na hora, através de SMS, da Internet ou do telefone, milhares de cidadãos faziam fila nas juntas de freguesia para tentar obter o número de eleitor perante a ausência de resposta do sistema informático do Ministério da Administração Interna (MAI).

Ao fim de três décadas e meia de eleições livres, não é suportável que um processo eleitoral corra tão mal, que centenas de milhares de cidadãos tenham visto alterado o seu número de eleitor sem serem informados, que os sistemas de informação dos números de eleitor falhem clamorosamente no dia em que são necessários e que dezenas de milhares de cidadãos se vejam em dificuldades para exercer o seu direito de voto, acabando um número indeterminado de cidadãos por desistir de votar. Isto não é suportável.

O que ocorreu no dia das eleições presidenciais não é uma mera falha administrativa, é um problema político da maior importância. Por mais que o Ministro da Administração Interna e a sua Secretária de Estado procurem alijar as suas responsabilidades e encerrar o assunto com a demissão de um director-geral, há neste processo uma responsabilidade política que não pode ser ignorada. Os directores gerais respondem perante a tutela pelos seus actos e omissões. Os membros do Governo respondem perante o País pelas consequências políticas dos seus actos e omissões.

O sistema informático do MAI falhou clamorosamente no dia das eleições — este facto é consensual. Tanto o Ministro da Administração Interna como o Ministro da Presidência o reconhecem e é um facto grave, pelo qual devem ser apuradas responsabilidades e que tem de ser corrigido. Mas essa é a «ponta do iceberg». As responsabilidades do Governo perante o descalabro de 23 de Janeiro são mais graves e profundas.

A origem do problema está na forma ligeira e imponderada como o Governo decidiu cruzar os dados do recenseamento eleitoral com a base de dados de identificação civil e criminal através da plataforma comum do cartão de cidadão e abolir o cartão de eleitor para os novos eleitores e para os eleitores que tenham os seus números de eleitor alterados como consequência da emissão do cartão de cidadão.

As consequências destes procedimentos são as que conhecemos.

Não há controlo sobre eventuais duplicações de inscrições no recenseamento eleitoral, aumentando o número dos chamados «eleitores fantasmas». Muitos milhares de cidadãos viram os seus números de eleitor alterados sem terem sido informados da alteração. Muitos cidadãos foram oficiosamente recenseados em freguesias onde não residem devido à decisão absurda e ilegal de indexar o recenseamento eleitoral ao código postal.

São muitos os casos em que os cidadãos que residem e sempre votaram numa freguesia foram oficiosamente mandados votar em freguesia alheia. Para este Governo, a divisão administrativa do País já não é decidida por lei da Assembleia da República mas pela administração dos Correios.

Finalmente, para o desastre ser total, os eleitores não foram informados da

alteração do seu número de eleitor. O Ministro e a Secretária de Estado dizem que a culpa é do director-geral.

O director-geral diz que não decidiu sozinho e que a Secretária de Estado esteve sempre a par do incumprimento do seu despacho.

E o País assiste atónito a este triste espectáculo de uma Secretária de Estado e um director-geral demitido a desmentirem-se na praça pública. Com uma diferença: o director-geral foi responsabilizado e demitido; os membros do Governo fogem às suas responsabilidades e permanecem em funções, apesar de já terem perdido a mais pequena réstia de credibilidade.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os problemas que rodearam as eleições de 23 de Janeiro não ficaram, porém, por aqui.

Depois de terem sido contados os votos e anunciados os resultados com toda a normalidade na noite de 23 de Janeiro, foi com total estupefacção que o País assistiu à publicação, em Diário da República, de um mapa oficial de resultados que contém erros grosseiros quanto ao número de eleitores inscritos, quanto ao número de votantes e, consequentemente, quanto ao número de votos em cada candidato.

O número de eleitores inscritos é oficial.

Neste momento, é projectada a imagem do seguinte mapa:

Eleições Presidenciais 2011

Eleitores Inscritos Recenseamento Mapa Oficial Desvio

Nacional 9.656.797 9.543.550 -113.247

Setúbal 710.312 593.762 -116.550

Braga 773.993 731.941 -42.052

Viseu 382.658 427.924 45.266

Votantes Apuramento Mapa Oficial Desvio

Nacional 4.492.297 4.431.849 -60.448

Setúbal 321.573 268.857 -52.716

Braga 406.667 382.834 -23.833

Viseu 168.563 188.491 19.928

Para as eleições de 23 de Janeiro estavam inscritos 9 656 797 eleitores. Acontece que do mapa oficial publicado constam apenas 9 543 550. Ou seja, o mapa oficial de resultados abateu 113 247 eleitores. Na noite de 23 de Janeiro, foram contados 4 492 297 votantes. Do mapa oficial de resultados constam menos 60 448.

No distrito de Setúbal, estavam inscritos 710 312 eleitores. No mapa oficial só são considerados 593 762, o que significa que foram abatidos 116 550 eleitores no distrito de Setúbal.

No distrito de Braga, estavam inscritos 773 993 eleitores. No mapa oficial, foram abatidos 42 052. Ao invés, no distrito de Viseu, estavam inscritos 382 658 eleitores e no mapa oficial aumentaram 45 266. Quanto a votantes, em Setúbal, desapareceram 52 716, em Braga desapareceram 23 833, mas em Viseu apareceram 19 928.

O desvio verificado, só nestes três distritos, é de 185 649 inscritos e de 96 477 eleitores.

Isto não é suportável, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Se uma disparidade destas acontecesse em eleições legislativas, os Deputados eleitos seriam uns e os constantes do mapa oficial seriam seguramente outros.

Se nas eleições presidenciais as diferenças entre os candidatos fossem mínimas, o País estaria hoje confrontado com um problema político de enormes proporções. Erros desta magnitude, verificados no apuramento geral de um acto eleitoral, e não corrigidos, têm consequências políticas óbvias: não só prejudicam todas as candidaturas, como põem em causa a credibilidade do apuramento dos resultados eleitorais.

Já é muito negativo para a democracia que muitos cidadãos, por razões políticas, se afastem da participação eleitoral. Só faltava agora que, a acrescer a isso, os cidadãos deixassem de acreditar na idoneidade dos processos eleitorais.

A Comissão de Assuntos Constitucionais, por proposta do PCP, já decidiu ouvir, sobre esta matéria, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e o responsável pela área eleitoral da Direcção-Geral da Administração Interna (DGAI), para tentar avaliar, com rigor, as causas desta disparidade de resultados e para debater soluções que previnam a ocorrência de situações como esta. Mas, no que se refere ainda às eleições presidenciais de 23 de Janeiro, fazemos aqui um apelo cívico para que todas as entidades com responsabilidades neste processo, designadamente as assembleias de apuramento, procedam à correcção dos erros cometidos e promovam a publicação de uma rectificação ao mapa dos resultados, para que estas eleições não fiquem na história como aquelas em que os resultados oficiais não coincidem com os resultados reais.

(…)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Nuno Magalhães,

Agradeço as questões que colocou. Responderei agora a uma parte das questões e terei oportunidade, em resposta a futuros pedidos de esclarecimento, de abordar outras, que seguramente serão também abordadas por outros Srs. Deputados.

Há dois aspectos que gostaria de deixar, desde já, claros. Em primeiro lugar, a nossa disponibilidade, na sequência do debate, na generalidade, a realizar no próximo dia 24, em que será agendado um projecto de lei do PCP sobre recenseamento eleitoral, para aceitar outras propostas e para as equacionar com toda a seriedade.

Aliás, Sr. Deputado, como se sabe, este nosso projecto foi apresentado em Junho do ano passado, com a consciência de que alguns erros grosseiros estavam a ser cometidos, designadamente a não informação aos eleitores da sua nova situação eleitoral, ou seja, a alteração do seu número de eleitor. Como se sabe, a lei não obrigava o Governo a fazê-lo, mas não impedia que fosse feito. O Governo devia ter prestado essa informação, mas não o fez.

Sr. Deputado, se soubéssemos que o que ia acontecer no dia 23 de Janeiro era tão grave seguramente teria sido avisado que esse projecto de lei tivesse sido discutido antes. Prevíamos que pudesse haver problemas, mas nunca imaginámos que os problemas fossem desta dimensão.

Temos, pois, toda a disponibilidade para que todas as propostas, venham de onde vierem, sejam equacionadas. É que, como o Sr. Deputado disse, e muito bem, esta é uma questão de regime. Situações destas não aproveitam a ninguém, só descredibilizam o funcionamento do regime democrático, que tem, nos processos eleitorais, uma das suas «provas de fogo».

Gostaria ainda de abordar um outro problema, que tem a ver com o triste espectáculo com que o País foi confrontado ao ver uma Secretária de Estado e um director-geral demitido a desmentirem-se na praça pública, o que causa uma enorme perplexidade ao País.

Sr. Deputado, evidentemente, aqui, na Assembleia da República, até por uma questão de decoro, não vamos fazer uma acareação entre a Secretária de Estado e o ex-director-geral.

Porém, uma coisa é certa: o director-geral foi responsabilizado e está demitido; a Sr.ª Secretária de Estado continua, impávida e serena, no exercício do seu cargo como se nada se passasse e como se tivesse alguma credibilidade para continuar a exercer funções!

(…)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Filipe Neto Brandão,

Muito obrigado pela questão que colocou.

Evidentemente, em relação a esta matéria colocam-se duas questões distintas. A primeira, tem a ver com o cartão de eleitor e o número de cidadão e os problemas verificados no dia das eleições — aí há uma responsabilidade óbvia do Governo para a qual já chamei a atenção.

Relativamente à segunda questão, não responsabilizamos o Governo. Eu não o disse, pelo que se os senhores o imaginaram é imaginação vossa. As questões são completamente distintas. As duas coisas não foram misturadas. Foram referidas na mesma intervenção porque são dois problemas que nos preocupam relativamente ao processo eleitoral do dia 23 de Janeiro.

Portanto, não interiorizem acusações que não vos foram feitas.

Gostava ainda de referir que é preciso deixar clara uma questão. O Sr. Deputado Neto Brandão — e já o Sr. Ministro da Administração Interna, quando veio à 1.ª Comissão, também o disse — mencionou que a legislação do cartão de cidadão foi aprovada por unanimidade. Srs. Deputados, se o facto de uma proposta do Governo ser aprovada com votos dos partidos da oposição torna o Governo inimputável, então daqui para a frente temos muito que conversar quando o Governo vier aqui pedir os nossos votos para aprovar seja o que for!

Se a partir do momento em a que oposição não vota contra passa a ser tão responsável como o Governo pelas propostas do Governo, então daqui para a frente a nossa conversa e os nossos debates parlamentares podem passar a ser outros! É bom que os senhores não vão por esse caminho, Sr. Deputado, ou que tenham alguma cautela quando querem enveredar por esse caminho.

É preciso lembrar que, quando esse debate foi feito, o Governo comprometeu-se solenemente a informar todos os eleitores acerca da mudança da situação eleitoral e não o fez!

Ora, essa é uma questão relevante, porque está hoje mais do que demonstrado que a causa fundamental dos problemas do dia 23 foi essa, ou seja, foi o incumprimento do tal despacho por parte de sabe-se lá quem! Alguém não cumpriu. A Secretária de Estado diz que não teve culpa nenhuma, mas é responsável pelo despacho e, obviamente, é responsável pela execução do seu próprio despacho.

Mas há outra coisa que é preciso dizer. O Governo, pelos vistos, aprova hoje, em Conselho de Ministros, uma proposta de lei para acabar com o número de eleitor a partir de 2013, o que é curioso. É uma proposta de lei ao retardador, porque o Governo quer responder a um problema político com que está confrontado. Mas lembro que o Sr. Ministro da Presidência, sobre essa questão concreta, ainda esta semana, nos dizia que esse era um passo muito arriscado.

Eu até usei a expressão que isso seria «um tiro no escuro» e o Sr. Ministro concordou. O Sr. Ministro concordou que não se podiam tomar medidas precipitadas nesta matéria. Ora, eis senão quando, hoje mesmo, o Conselho de Ministros anuncia uma proposta de lei nesse sentido.

Srs. Deputados, queria manifestar já aqui o nosso receio: se com os erros que foram cometidos até agora por decisões precipitadas houve 700 000 cidadãos que viram a sua situação alterada e tiveram que andar à procura do número de eleitor, vamos ver se, com mais medidas precipitadas, nas próximas eleições não temos cerca de 7 milhões na mesma situação! Gostaríamos de evitar que essa situação se verificasse e aconselhamos o Governo que assuma as suas responsabilidades, mas que tenha calma quanto a medidas precipitadas. É que de medidas precipitadas, ligeiras e aplicadas com irresponsabilidade já estamos fartos, sobretudo estamos fartos das suas consequências.

(…)

Sr. Presidente,

Sr.ª Deputada Helena Pinto,

Muito obrigado pelas suas questões, que me propiciam responder, embora parcialmente, a uma questão que o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão me tinha colocado e à qual não tive tempo de dar resposta.

O que se passou nestas eleições foi particularmente grave do ponto de vista da lesão dos direitos dos cidadãos. Também estamos preocupados quando vemos que, ainda há poucos dias, o Sr. Ministro da Presidência nos dizia aqui que era preciso ter calma e não tomar decisões precipitadas nesta matéria e, hoje mesmo, somos confrontados com uma proposta de lei aprovada em Conselho de Ministros nesse sentido. Não é muito tranquilizador quanto à serenidade da forma como essa proposta foi ponderada.

O Sr. Deputado Filipe Neto Brandão perguntou o que sugeríamos relativamente à questão da desconformidade que há entre os resultados que foram contados, o apuramento feito, e o mapa oficial. Ora, estamos perante algo distinto. O apelo que aqui deixámos é que todas as entidades que têm responsabilidade nesta matéria, concretamente as assembleias de apuramento, quer as assembleias de apuramento distritais quer a assembleia de apuramento nacional, discutam a situação que foi criada e que encontrem a forma de corrigir o mapa oficial.

É que estaríamos confrontados com um problema gravíssimo se estivéssemos em eleições legislativas ou se houvesse pequenas diferenças entre os vários candidatos Mas apesar de isso, felizmente, não ter ocorrido, estamos perante uma situação insólita, que é a de ficarmos na nossa história eleitoral com um resultado eleitoral que todos sabem não ser verdadeiro.

Isso é péssimo para o País e é péssimo para a democracia. Portanto, nem que seja em nome dos vindouros, em nome da história, tem de ser corrigido. E deve ser corrigido oficialmente, pelas entidades que reconheçam que houve um erro que não foi detectado ou que, tendo sido detectado, não foi devidamente valorizado mas que importa corrigir.

Ao discutirmos esta matéria na Assembleia da República o que pretendemos não é deitar culpas a ninguém, mas, sim, apelar para que todas as entidades, de acordo com as suas responsabilidades, possam contribuir para que esta situação seja normalizada e o erro seja corrigido.

(…)

Sr. Presidente,

Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,

Coloca questões muito pertinentes e chama a atenção para factos que têm de ser corrigidos.

Temos estado a falar de responsabilidades na organização do processo lei eleitoral e creio que um dos aspectos que tem de ser corrigido é esta situação absurda de os eleitores serem «arrumados» — permita-se-me a expressão — de acordo com os códigos postais. Já li a legislação de frente para trás e de trás para a frente e ainda não consegui perceber onde é que isso está escrito. Não está escrito em lado nenhum e não foi discutido com ninguém, pelo menos nesta Assembleia.

O que diz a Lei do Recenseamento Eleitoral é que a unidade básica do recenseamento é a freguesia, nem podia ser de outra forma!

Ora, o que acontece actualmente — e há muitas denúncias, queixas e reclamações sobre essa matéria — é que há cidadãos que, devido a essa operação, vivem numa freguesia e os seus votos são descarregados noutra freguesia onde não residem.

Podemos dar exemplos próximos de Lisboa: há cidadãos eleitores da freguesia de Santo Antão do Tojal cujos votos são descarregados na freguesia de Loures porque têm o mesmo código postal; e há cidadãos de várias ruas e pracetas da freguesia do Laranjeiro, em Almada, cujos votos são descarregados na freguesia do Feijó.

Dir-se-á que, em eleições presidenciais, isso não tem importância. Mas em eleições autárquicas tem toda a importância!

Há cidadãos que quando votam para uma assembleia de freguesia estão a votar não na freguesia onde residem mas na dos vizinhos do lado, o que é uma coisa absolutamente absurda.

Mais absurdo ainda é que a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa, quando confrontada com este problema na 1.ª Comissão esta semana, tenha dito: «Mas isto está a ser tratado com os Correios». Ora, o absurdo é maior ainda, porque este problema não tem de ser tratado com os Correios. Os Correios não têm nada a ver com a administração eleitoral. A administração eleitoral é que tem de resolver este problema e encontrar um critério para o recenseamento que esteja de acordo com a organização administrativa do País e não que esteja de acordo com o código postal, que nada tem a ver com isto.

Se o Governo quer «arrumar» o recenseamento pelo código postal, apetece-me dizer que isso já é meio caminho andado para haver um desastre do dia das eleições.

(…)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Fernando Negrão,

Observou muito bem uma questão que tem a ver com o Director-Geral da Administração Interna. É que a quando a Sr.ª Secretária de Estado foi ouvida foi-lhe perguntado se não se tinha apercebido antes da eleições de que o seu despacho não tinha sido cumprido ou se só se tinha apercebido no dia das eleições, com a confusão que se gerou, ao que a Sr.ª Secretária de Estado respondeu que tinha sido, de facto, no dia das eleições.

Ora, não terá sido, porque se a Sr.ª Secretária de Estado só se tivesse apercebido disso no dia das eleições não é credível que mantivesse por mais tempo a confiança no Director-Geral ao ponto de ele ter acompanhado os membros do Governo quando estes compareceram pela primeira vez na Assembleia da República. Pelo menos, terá sabido uns dias depois, senão, com certeza, já teria exigido responsabilidades por esse facto.

Em todo o caso, saliento — e o Sr. Deputado concordará comigo — que a responsabilidade pelo incumprimento de uma decisão por um membro do Governo é sua, porque a responsabilidade de um membro do Governo não é apenas a de emitir um despacho, é também a de cuidar de saber se esse despacho está a ser cumprido em tempo útil.

Caso contrário, estamos perante uma governação irresponsável.

Sr. Deputado, o problema das incongruências dos membros do Governo neste processo não fica por aqui. Ouvimos o Sr. Ministro da Administração Interna, no dia das eleições, depois de ter exercido o seu direito de voto, afirmar que não havia problema algum, que os cidadãos tinham todas as condições para, a todo o momento, saber da sua situação eleitoral, ou por SMS, através de uma linha directa, ou através do Portal do Eleitor, na Internet.

Graças ao Canal Parlamento, há cidadãos que nos estão a ouvir e a ver e recebemos há pouco um telefonema de uma cidadã que votou exactamente no mesmo local onde o Sr. Ministro votou. Disse que o Sr. Ministro se apercebeu perfeitamente que havia uma confusão monumental na assembleia de voto, que era a Escola Secundária de Linda-a-Velha, de tal maneira que para prestar declarações à comunicação social e abandonar a assembleia de voto teve de furar por entre o meio daquela multidão, pedindo licença.

Portanto, o Sr. Ministro apercebeu-se, com os seus próprios olhos, da confusão que estava a existir e, no entanto, não teve pejo em dizer à comunicação social que estava tudo a correr dentro da maior normalidade e que os cidadãos poderiam perfeitamente obter, a todo o momento, o seu número de eleitor. Ainda bem que, provavelmente, os cidadãos que lá estavam não tiveram oportunidade de o ouvir!

URL de origem (acedido em Sábado 28 de Maio de 2011): http://www.pcp.pt/sobre-os-erros-no-mapa-oficial-de-resultados-das-presid%C3%AAnciais-2011

Sobre os erros no Mapa Oficial de resultados das Presidenciais 2011

Publicado em Partido Comunista Português ( http://www.pcp.pt

Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Sobre os erros no Mapa Oficial de resultados das Presidenciais 2011

Quinta 17 de Fevereiro de 2011

Declaração política culpabilizando o Governo pelos problemas que originaram que muitos cidadãos não tenham podido exercer o seu direito de voto nas eleições presidenciais e considerando que o mapa oficial de resultados publicado em Diário da República contém erros grosseiros

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Decididamente, as eleições presidenciais de 23 Janeiro não correram bem. Não estou a falar de resultados, esses estão mais que discutidos; estou a falar do processo eleitoral.

O processo correu mal no dia da eleição. No preciso instante em que o Ministro da Administração Interna dizia aos microfones que o processo eleitoral estava a decorrer com absoluta normalidade e que os eleitores que ainda não soubessem o seu número de eleitor poderiam, com toda a facilidade, obtê-lo na hora, através de SMS, da Internet ou do telefone, milhares de cidadãos faziam fila nas juntas de freguesia para tentar obter o número de eleitor perante a ausência de resposta do sistema informático do Ministério da Administração Interna (MAI).

Ao fim de três décadas e meia de eleições livres, não é suportável que um processo eleitoral corra tão mal, que centenas de milhares de cidadãos tenham visto alterado o seu número de eleitor sem serem informados, que os sistemas de informação dos números de eleitor falhem clamorosamente no dia em que são necessários e que dezenas de milhares de cidadãos se vejam em dificuldades para exercer o seu direito de voto, acabando um número indeterminado de cidadãos por desistir de votar. Isto não é suportável.

O que ocorreu no dia das eleições presidenciais não é uma mera falha administrativa, é um problema político da maior importância. Por mais que o Ministro da Administração Interna e a sua Secretária de Estado procurem alijar as suas responsabilidades e encerrar o assunto com a demissão de um director-geral, há neste processo uma responsabilidade política que não pode ser ignorada. Os directores gerais respondem perante a tutela pelos seus actos e omissões. Os membros do Governo respondem perante o País pelas consequências políticas dos seus actos e omissões.

O sistema informático do MAI falhou clamorosamente no dia das eleições — este facto é consensual. Tanto o Ministro da Administração Interna como o Ministro da Presidência o reconhecem e é um facto grave, pelo qual devem ser apuradas responsabilidades e que tem de ser corrigido. Mas essa é a «ponta do iceberg». As responsabilidades do Governo perante o descalabro de 23 de Janeiro são mais graves e profundas.

A origem do problema está na forma ligeira e imponderada como o Governo decidiu cruzar os dados do recenseamento eleitoral com a base de dados de identificação civil e criminal através da plataforma comum do cartão de cidadão e abolir o cartão de eleitor para os novos eleitores e para os eleitores que tenham os seus números de eleitor alterados como consequência da emissão do cartão de cidadão.

As consequências destes procedimentos são as que conhecemos.

Não há controlo sobre eventuais duplicações de inscrições no recenseamento eleitoral, aumentando o número dos chamados «eleitores fantasmas». Muitos milhares de cidadãos viram os seus números de eleitor alterados sem terem sido informados da alteração. Muitos cidadãos foram oficiosamente recenseados em freguesias onde não residem devido à decisão absurda e ilegal de indexar o recenseamento eleitoral ao código postal.

São muitos os casos em que os cidadãos que residem e sempre votaram numa freguesia foram oficiosamente mandados votar em freguesia alheia. Para este Governo, a divisão administrativa do País já não é decidida por lei da Assembleia da República mas pela administração dos Correios.

Finalmente, para o desastre ser total, os eleitores não foram informados da

alteração do seu número de eleitor. O Ministro e a Secretária de Estado dizem que a culpa é do director-geral.

O director-geral diz que não decidiu sozinho e que a Secretária de Estado esteve sempre a par do incumprimento do seu despacho.

E o País assiste atónito a este triste espectáculo de uma Secretária de Estado e um director-geral demitido a desmentirem-se na praça pública. Com uma diferença: o director-geral foi responsabilizado e demitido; os membros do Governo fogem às suas responsabilidades e permanecem em funções, apesar de já terem perdido a mais pequena réstia de credibilidade.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os problemas que rodearam as eleições de 23 de Janeiro não ficaram, porém, por aqui.

Depois de terem sido contados os votos e anunciados os resultados com toda a normalidade na noite de 23 de Janeiro, foi com total estupefacção que o País assistiu à publicação, em Diário da República, de um mapa oficial de resultados que contém erros grosseiros quanto ao número de eleitores inscritos, quanto ao número de votantes e, consequentemente, quanto ao número de votos em cada candidato.

O número de eleitores inscritos é oficial.

Neste momento, é projectada a imagem do seguinte mapa:

Eleições Presidenciais 2011

Eleitores Inscritos Recenseamento Mapa Oficial Desvio

Nacional 9.656.797 9.543.550 -113.247

Setúbal 710.312 593.762 -116.550

Braga 773.993 731.941 -42.052

Viseu 382.658 427.924 45.266

Votantes Apuramento Mapa Oficial Desvio

Nacional 4.492.297 4.431.849 -60.448

Setúbal 321.573 268.857 -52.716

Braga 406.667 382.834 -23.833

Viseu 168.563 188.491 19.928

Para as eleições de 23 de Janeiro estavam inscritos 9 656 797 eleitores. Acontece que do mapa oficial publicado constam apenas 9 543 550. Ou seja, o mapa oficial de resultados abateu 113 247 eleitores. Na noite de 23 de Janeiro, foram contados 4 492 297 votantes. Do mapa oficial de resultados constam menos 60 448.

No distrito de Setúbal, estavam inscritos 710 312 eleitores. No mapa oficial só são considerados 593 762, o que significa que foram abatidos 116 550 eleitores no distrito de Setúbal.

No distrito de Braga, estavam inscritos 773 993 eleitores. No mapa oficial, foram abatidos 42 052. Ao invés, no distrito de Viseu, estavam inscritos 382 658 eleitores e no mapa oficial aumentaram 45 266. Quanto a votantes, em Setúbal, desapareceram 52 716, em Braga desapareceram 23 833, mas em Viseu apareceram 19 928.

O desvio verificado, só nestes três distritos, é de 185 649 inscritos e de 96 477 eleitores.

Isto não é suportável, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Se uma disparidade destas acontecesse em eleições legislativas, os Deputados eleitos seriam uns e os constantes do mapa oficial seriam seguramente outros.

Se nas eleições presidenciais as diferenças entre os candidatos fossem mínimas, o País estaria hoje confrontado com um problema político de enormes proporções. Erros desta magnitude, verificados no apuramento geral de um acto eleitoral, e não corrigidos, têm consequências políticas óbvias: não só prejudicam todas as candidaturas, como põem em causa a credibilidade do apuramento dos resultados eleitorais.

Já é muito negativo para a democracia que muitos cidadãos, por razões políticas, se afastem da participação eleitoral. Só faltava agora que, a acrescer a isso, os cidadãos deixassem de acreditar na idoneidade dos processos eleitorais.

A Comissão de Assuntos Constitucionais, por proposta do PCP, já decidiu ouvir, sobre esta matéria, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e o responsável pela área eleitoral da Direcção-Geral da Administração Interna (DGAI), para tentar avaliar, com rigor, as causas desta disparidade de resultados e para debater soluções que previnam a ocorrência de situações como esta. Mas, no que se refere ainda às eleições presidenciais de 23 de Janeiro, fazemos aqui um apelo cívico para que todas as entidades com responsabilidades neste processo, designadamente as assembleias de apuramento, procedam à correcção dos erros cometidos e promovam a publicação de uma rectificação ao mapa dos resultados, para que estas eleições não fiquem na história como aquelas em que os resultados oficiais não coincidem com os resultados reais.

(…)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Nuno Magalhães,

Agradeço as questões que colocou. Responderei agora a uma parte das questões e terei oportunidade, em resposta a futuros pedidos de esclarecimento, de abordar outras, que seguramente serão também abordadas por outros Srs. Deputados.

Há dois aspectos que gostaria de deixar, desde já, claros. Em primeiro lugar, a nossa disponibilidade, na sequência do debate, na generalidade, a realizar no próximo dia 24, em que será agendado um projecto de lei do PCP sobre recenseamento eleitoral, para aceitar outras propostas e para as equacionar com toda a seriedade.

Aliás, Sr. Deputado, como se sabe, este nosso projecto foi apresentado em Junho do ano passado, com a consciência de que alguns erros grosseiros estavam a ser cometidos, designadamente a não informação aos eleitores da sua nova situação eleitoral, ou seja, a alteração do seu número de eleitor. Como se sabe, a lei não obrigava o Governo a fazê-lo, mas não impedia que fosse feito. O Governo devia ter prestado essa informação, mas não o fez.

Sr. Deputado, se soubéssemos que o que ia acontecer no dia 23 de Janeiro era tão grave seguramente teria sido avisado que esse projecto de lei tivesse sido discutido antes. Prevíamos que pudesse haver problemas, mas nunca imaginámos que os problemas fossem desta dimensão.

Temos, pois, toda a disponibilidade para que todas as propostas, venham de onde vierem, sejam equacionadas. É que, como o Sr. Deputado disse, e muito bem, esta é uma questão de regime. Situações destas não aproveitam a ninguém, só descredibilizam o funcionamento do regime democrático, que tem, nos processos eleitorais, uma das suas «provas de fogo».

Gostaria ainda de abordar um outro problema, que tem a ver com o triste espectáculo com que o País foi confrontado ao ver uma Secretária de Estado e um director-geral demitido a desmentirem-se na praça pública, o que causa uma enorme perplexidade ao País.

Sr. Deputado, evidentemente, aqui, na Assembleia da República, até por uma questão de decoro, não vamos fazer uma acareação entre a Secretária de Estado e o ex-director-geral.

Porém, uma coisa é certa: o director-geral foi responsabilizado e está demitido; a Sr.ª Secretária de Estado continua, impávida e serena, no exercício do seu cargo como se nada se passasse e como se tivesse alguma credibilidade para continuar a exercer funções!

(…)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Filipe Neto Brandão,

Muito obrigado pela questão que colocou.

Evidentemente, em relação a esta matéria colocam-se duas questões distintas. A primeira, tem a ver com o cartão de eleitor e o número de cidadão e os problemas verificados no dia das eleições — aí há uma responsabilidade óbvia do Governo para a qual já chamei a atenção.

Relativamente à segunda questão, não responsabilizamos o Governo. Eu não o disse, pelo que se os senhores o imaginaram é imaginação vossa. As questões são completamente distintas. As duas coisas não foram misturadas. Foram referidas na mesma intervenção porque são dois problemas que nos preocupam relativamente ao processo eleitoral do dia 23 de Janeiro.

Portanto, não interiorizem acusações que não vos foram feitas.

Gostava ainda de referir que é preciso deixar clara uma questão. O Sr. Deputado Neto Brandão — e já o Sr. Ministro da Administração Interna, quando veio à 1.ª Comissão, também o disse — mencionou que a legislação do cartão de cidadão foi aprovada por unanimidade. Srs. Deputados, se o facto de uma proposta do Governo ser aprovada com votos dos partidos da oposição torna o Governo inimputável, então daqui para a frente temos muito que conversar quando o Governo vier aqui pedir os nossos votos para aprovar seja o que for!

Se a partir do momento em a que oposição não vota contra passa a ser tão responsável como o Governo pelas propostas do Governo, então daqui para a frente a nossa conversa e os nossos debates parlamentares podem passar a ser outros! É bom que os senhores não vão por esse caminho, Sr. Deputado, ou que tenham alguma cautela quando querem enveredar por esse caminho.

É preciso lembrar que, quando esse debate foi feito, o Governo comprometeu-se solenemente a informar todos os eleitores acerca da mudança da situação eleitoral e não o fez!

Ora, essa é uma questão relevante, porque está hoje mais do que demonstrado que a causa fundamental dos problemas do dia 23 foi essa, ou seja, foi o incumprimento do tal despacho por parte de sabe-se lá quem! Alguém não cumpriu. A Secretária de Estado diz que não teve culpa nenhuma, mas é responsável pelo despacho e, obviamente, é responsável pela execução do seu próprio despacho.

Mas há outra coisa que é preciso dizer. O Governo, pelos vistos, aprova hoje, em Conselho de Ministros, uma proposta de lei para acabar com o número de eleitor a partir de 2013, o que é curioso. É uma proposta de lei ao retardador, porque o Governo quer responder a um problema político com que está confrontado. Mas lembro que o Sr. Ministro da Presidência, sobre essa questão concreta, ainda esta semana, nos dizia que esse era um passo muito arriscado.

Eu até usei a expressão que isso seria «um tiro no escuro» e o Sr. Ministro concordou. O Sr. Ministro concordou que não se podiam tomar medidas precipitadas nesta matéria. Ora, eis senão quando, hoje mesmo, o Conselho de Ministros anuncia uma proposta de lei nesse sentido.

Srs. Deputados, queria manifestar já aqui o nosso receio: se com os erros que foram cometidos até agora por decisões precipitadas houve 700 000 cidadãos que viram a sua situação alterada e tiveram que andar à procura do número de eleitor, vamos ver se, com mais medidas precipitadas, nas próximas eleições não temos cerca de 7 milhões na mesma situação! Gostaríamos de evitar que essa situação se verificasse e aconselhamos o Governo que assuma as suas responsabilidades, mas que tenha calma quanto a medidas precipitadas. É que de medidas precipitadas, ligeiras e aplicadas com irresponsabilidade já estamos fartos, sobretudo estamos fartos das suas consequências.

(…)

Sr. Presidente,

Sr.ª Deputada Helena Pinto,

Muito obrigado pelas suas questões, que me propiciam responder, embora parcialmente, a uma questão que o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão me tinha colocado e à qual não tive tempo de dar resposta.

O que se passou nestas eleições foi particularmente grave do ponto de vista da lesão dos direitos dos cidadãos. Também estamos preocupados quando vemos que, ainda há poucos dias, o Sr. Ministro da Presidência nos dizia aqui que era preciso ter calma e não tomar decisões precipitadas nesta matéria e, hoje mesmo, somos confrontados com uma proposta de lei aprovada em Conselho de Ministros nesse sentido. Não é muito tranquilizador quanto à serenidade da forma como essa proposta foi ponderada.

O Sr. Deputado Filipe Neto Brandão perguntou o que sugeríamos relativamente à questão da desconformidade que há entre os resultados que foram contados, o apuramento feito, e o mapa oficial. Ora, estamos perante algo distinto. O apelo que aqui deixámos é que todas as entidades que têm responsabilidade nesta matéria, concretamente as assembleias de apuramento, quer as assembleias de apuramento distritais quer a assembleia de apuramento nacional, discutam a situação que foi criada e que encontrem a forma de corrigir o mapa oficial.

É que estaríamos confrontados com um problema gravíssimo se estivéssemos em eleições legislativas ou se houvesse pequenas diferenças entre os vários candidatos Mas apesar de isso, felizmente, não ter ocorrido, estamos perante uma situação insólita, que é a de ficarmos na nossa história eleitoral com um resultado eleitoral que todos sabem não ser verdadeiro.

Isso é péssimo para o País e é péssimo para a democracia. Portanto, nem que seja em nome dos vindouros, em nome da história, tem de ser corrigido. E deve ser corrigido oficialmente, pelas entidades que reconheçam que houve um erro que não foi detectado ou que, tendo sido detectado, não foi devidamente valorizado mas que importa corrigir.

Ao discutirmos esta matéria na Assembleia da República o que pretendemos não é deitar culpas a ninguém, mas, sim, apelar para que todas as entidades, de acordo com as suas responsabilidades, possam contribuir para que esta situação seja normalizada e o erro seja corrigido.

(…)

Sr. Presidente,

Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,

Coloca questões muito pertinentes e chama a atenção para factos que têm de ser corrigidos.

Temos estado a falar de responsabilidades na organização do processo lei eleitoral e creio que um dos aspectos que tem de ser corrigido é esta situação absurda de os eleitores serem «arrumados» — permita-se-me a expressão — de acordo com os códigos postais. Já li a legislação de frente para trás e de trás para a frente e ainda não consegui perceber onde é que isso está escrito. Não está escrito em lado nenhum e não foi discutido com ninguém, pelo menos nesta Assembleia.

O que diz a Lei do Recenseamento Eleitoral é que a unidade básica do recenseamento é a freguesia, nem podia ser de outra forma!

Ora, o que acontece actualmente — e há muitas denúncias, queixas e reclamações sobre essa matéria — é que há cidadãos que, devido a essa operação, vivem numa freguesia e os seus votos são descarregados noutra freguesia onde não residem.

Podemos dar exemplos próximos de Lisboa: há cidadãos eleitores da freguesia de Santo Antão do Tojal cujos votos são descarregados na freguesia de Loures porque têm o mesmo código postal; e há cidadãos de várias ruas e pracetas da freguesia do Laranjeiro, em Almada, cujos votos são descarregados na freguesia do Feijó.

Dir-se-á que, em eleições presidenciais, isso não tem importância. Mas em eleições autárquicas tem toda a importância!

Há cidadãos que quando votam para uma assembleia de freguesia estão a votar não na freguesia onde residem mas na dos vizinhos do lado, o que é uma coisa absolutamente absurda.

Mais absurdo ainda é que a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa, quando confrontada com este problema na 1.ª Comissão esta semana, tenha dito: «Mas isto está a ser tratado com os Correios». Ora, o absurdo é maior ainda, porque este problema não tem de ser tratado com os Correios. Os Correios não têm nada a ver com a administração eleitoral. A administração eleitoral é que tem de resolver este problema e encontrar um critério para o recenseamento que esteja de acordo com a organização administrativa do País e não que esteja de acordo com o código postal, que nada tem a ver com isto.

Se o Governo quer «arrumar» o recenseamento pelo código postal, apetece-me dizer que isso já é meio caminho andado para haver um desastre do dia das eleições.

(…)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Fernando Negrão,

Observou muito bem uma questão que tem a ver com o Director-Geral da Administração Interna. É que a quando a Sr.ª Secretária de Estado foi ouvida foi-lhe perguntado se não se tinha apercebido antes da eleições de que o seu despacho não tinha sido cumprido ou se só se tinha apercebido no dia das eleições, com a confusão que se gerou, ao que a Sr.ª Secretária de Estado respondeu que tinha sido, de facto, no dia das eleições.

Ora, não terá sido, porque se a Sr.ª Secretária de Estado só se tivesse apercebido disso no dia das eleições não é credível que mantivesse por mais tempo a confiança no Director-Geral ao ponto de ele ter acompanhado os membros do Governo quando estes compareceram pela primeira vez na Assembleia da República. Pelo menos, terá sabido uns dias depois, senão, com certeza, já teria exigido responsabilidades por esse facto.

Em todo o caso, saliento — e o Sr. Deputado concordará comigo — que a responsabilidade pelo incumprimento de uma decisão por um membro do Governo é sua, porque a responsabilidade de um membro do Governo não é apenas a de emitir um despacho, é também a de cuidar de saber se esse despacho está a ser cumprido em tempo útil.

Caso contrário, estamos perante uma governação irresponsável.

Sr. Deputado, o problema das incongruências dos membros do Governo neste processo não fica por aqui. Ouvimos o Sr. Ministro da Administração Interna, no dia das eleições, depois de ter exercido o seu direito de voto, afirmar que não havia problema algum, que os cidadãos tinham todas as condições para, a todo o momento, saber da sua situação eleitoral, ou por SMS, através de uma linha directa, ou através do Portal do Eleitor, na Internet.

Graças ao Canal Parlamento, há cidadãos que nos estão a ouvir e a ver e recebemos há pouco um telefonema de uma cidadã que votou exactamente no mesmo local onde o Sr. Ministro votou. Disse que o Sr. Ministro se apercebeu perfeitamente que havia uma confusão monumental na assembleia de voto, que era a Escola Secundária de Linda-a-Velha, de tal maneira que para prestar declarações à comunicação social e abandonar a assembleia de voto teve de furar por entre o meio daquela multidão, pedindo licença.

Portanto, o Sr. Ministro apercebeu-se, com os seus próprios olhos, da confusão que estava a existir e, no entanto, não teve pejo em dizer à comunicação social que estava tudo a correr dentro da maior normalidade e que os cidadãos poderiam perfeitamente obter, a todo o momento, o seu número de eleitor. Ainda bem que, provavelmente, os cidadãos que lá estavam não tiveram oportunidade de o ouvir!

URL de origem (acedido em Sábado 28 de Maio de 2011): http://www.pcp.pt/sobre-os-erros-no-mapa-oficial-de-resultados-das-presid%C3%AAnciais-2011

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