hermesnews: Número recorde de condenados a prisão perpétua nos Estados Unidos

03-08-2010
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Nunca as prisões norte-americanas tiveram tantos reclusos a cumprir sentenças para o resto da vida, mesmo por crimes não violentospor Solomon Moore in i onlineMary Thompson, reclusa da prisão feminina da Califórnia, nos Estados Unidos, foi condenada por dois crimes de roubo em que ameaçou as vítimas com uma faca. O seu terceiro delito, que a sujeitou à lei da Califórnia sobre reincidências, foi o roubo de três fatos de treino para pagar a dependência de crack, em 1982. Tal como um em cada cinco prisioneiros na Califórnia - e quase 10% do total do país em 2008 - Mary Thompson está a cumprir uma pena de prisão perpétua. Poderá vir a obter pena suspensa em 2020.Hoje em dia, há mais prisioneiros a cumprir prisão perpétua do que nunca - 140 610 dos 2,3 milhões que se encontram em estabelecimentos prisionais dos EUA - devido às leis que impõem pesadas sentenças mínimas e à raridade crescente da concessão de pena suspensa para os detidos que podem candidatar-se, segundo um relatório divulgado na última semana pelo Sentencing Project, um grupo que luta pela eliminação da prisão perpétua sem pena suspensa. Este relatório revela um crescimento das condenações de prisão perpétua a partir de 1984, quando estavam nessa situação 34 mil detidos.O mesmo relatório demonstra que dois terços dos condenados a prisão perpétua são de ascendência latino-americana ou negra. No estado de Nova Iorque, por exemplo, só 16,3% dos detidos em prisão perpétua são de raça branca.Embora muitas das condenações a prisão perpétua tenham por base crimes violentos, os peritos dizem haver muitas excepções. É o caso de Norman Williams, um homem de 46 anos que, depois de roubar o macaco de um reboque, cumpriu 13 anos de uma pena de prisão perpétua porque esse foi o seu terceiro crime. Foi libertado em Abril da prisão estadual de Folsom, na Califórnia, na sequência de um recurso que interpôs alegando aconselhamento jurídico deficiente.Prisões sem dinheiro O aumento do número de reclusos com penas de prisão perpétua está a sobrecarregar os orçamentos prisionais numa altura em que os Estados Unidos, em dificuldades financeiras, lutam para reduzir as despesas. De acordo com o dito relatório, o sistema prisional da Califórnia, o maior do país, com 170 mil detidos, teve o número mais alto de prisioneiros com penas de prisão perpétua: 34 164, ou seja, o triplo de 1992.Em quatro outros estados - Alabama, Massachusetts, Nevada e Nova Iorque -, pelo menos um em cada seis prisioneiros está a cumprir pena de prisão perpétua, lê-se no mesmo relatório.O sistema prisional da Califórnia está sob alçada de um executor federal de falências por ter entrado em ruptura a vários níveis: sobrelotação e incapacidade de prestar cuidados médicos adequados aos prisioneiros, muitos deles idosos, com penas de prisão perpétua.Esta semana, o governador Arnold Schwarzenegger voltou a apresentar a sua proposta para reduzir a população prisional através de uma combinação de libertações antecipadas de criminosos não violentos, da aplicação de prisão domiciliária a quem tenha violado os termos da pena suspensa e do aligeiramento das penas aplicáveis a certos tipos de crimes menos graves. Mas não há planos credíveis para aumentar o ritmo de suspensões de pena a reclusos que cumprem prisão perpétua."Quando os tribunais da Califórnia condenam alguém a prisão perpétua com pena suspensa, chega-se à conclusão de que, afinal, isso não é possível", diz Joan Petersilia, professor de Direito de Stanford e perito em regulamentação sobre penas suspensas. "As audiências da Comissão de Avaliação (Board of Parole) quase nunca levam a uma suspensão de pena, razão pela qual a população em prisão perpétua tem aumentado exponencialmente na Califórnia, em comparação com os outros estados".Margo Johnson, de 48 anos, também reclusa da prisão de mulheres de Corona, cumpriu 24 anos da pena de prisão perpétua por um homicídio cometido em 1984. Por quatro vezes, a comissão emitiu uma recomendação de suspensão da pena, mas, segundo ela, Schwarzenegger rejeitou-as todas."Às vezes penso que estão a brincar comigo", diz Johnson.Sete sistemas prisionais - os dos estados do Illinois, Iowa, Luisiana, Maine, Pennsylvania, Dakota do Sul e o do sistema penitenciário federal - não dão hipótese de pena suspensa a condenados a prisão perpétua.Essa política também se estende a jovens dos estados do Illinois, Luisiana e Pennsylvania. Um total de 6807 criminosos juvenis estavam a cumprir penas de prisão perpétua em 2008, 1755 dos quais sem hipóteses de pena suspensa. Mais uma vez, a Califórnia ficou à frente no número de condenados jovens a prisão perpétua: 2623."O aumento das condenações a prisão perpétua indica que estamos rapidamente a desacreditar o modelo da reabilitação", diz Ashley Nellis, autor principal do relatório.De Angelo McVay, de 42 anos, está a cumprir uma sentença de prisão perpétua sem hipótese de pena suspensa na prisão estadual de segurança máxima de Lancaster (Califórnia), por crime de participação no rapto e na tortura de um homem.Numa entrevista, disse que tinha aproveitado os dez anos que já passara na prisão para se tentar regenerar: frequentou a formação seminarista, participou no programa religioso da prisão, tornou-se vice-presidente do campo prisional, sempre evitando delitos de comportamento."Sinto remorsos pelo que fiz", diz ele. "Mas não tenho hipótese de conseguir pena suspensa e sei de homicidas a quem ela foi concedida".Os defensores de penas mais longas para criminosos, entre os quais se contam organizações de defesa dos direitos das vítimas, magistrados do ministério público e associações de polícia, alegam frequentemente a segurança pública, o efeito dissuasor do castigo e a necessidade de excluir os criminosos da sociedade.Mas o número de idosos a cumprirem prisão perpétua tem aumentado drasticamente à medida que a economia em declínio vai reduzindo os orçamentos estaduais. Entre 1994 e 2004, o número de detidos com mais de 50 anos quase duplicou, atingindo mais de 20%, segundo o relatório. Os detidos mais velhos custam mais caro porque têm mais problemas de saúde. Na Califórnia, por exemplo, gastam-se entre 98 mil a 138 mil dólares anuais por prisioneiro com mais de 50 anos, em contraste com a média nacional de 35 mil dólares anuais.Mas Petersilia, duvida que os argumentos económicos por si só persuadam os eleitores a serem mais indulgentes para com os condenados a prisão perpétua, muitos dos quais cometeram crimes violentos, como assassínios, violações, raptos e assaltos."Todas as sondagens à opinião pública indicam uma predisposição geral para repensar as penas para criminosos não violentos, mas uma recusa em mudar seja o que for quanto aos violentos", diz Petersilia. Com efeito, acrescenta, as sondagens revelam uma tendência para a defesa de penas ainda mais duras para crimes sexuais e outros crimes violentos.Burk Foster, professor de Direito Penal na Saginaw Valley State University do Michigan e perito do sistema prisional da Luisiana, diz que o aumento das penas de prisão perpétua começou na penitenciária estadual da localidade de Angola (Luisiana), a maior penitenciária de segurança máxima dos EUA, no princípio da década de 1970, quando a maioria dos condenados tinham direito a pena suspensa depois de serem considerados aptos a reintegrarem a sociedade."Angola era o protótipo das penas de prisão perpétua", diz Foster. "Em 1973, a Luisiana mudou a lei sobre prisão perpétua para que os condenados deixassem de ter possibilidade de verem a sua pena suspensa e essa lei foi sendo aplicada de modo mais lato, passando a abranger homicídio, violação, rapto, distribuição de narcóticos e reincidência".Foster diz que condenar mais pessoas a prisão perpétua equivale a uma desistência da função "correctiva" das prisões."A reabilitação deixou de ser considerada na prisão de Angola (Luisiana)", diz. "Agora, já só lá se pratica o isolamento e a incapacitação vitalícios."


Nunca as prisões norte-americanas tiveram tantos reclusos a cumprir sentenças para o resto da vida, mesmo por crimes não violentospor Solomon Moore in i onlineMary Thompson, reclusa da prisão feminina da Califórnia, nos Estados Unidos, foi condenada por dois crimes de roubo em que ameaçou as vítimas com uma faca. O seu terceiro delito, que a sujeitou à lei da Califórnia sobre reincidências, foi o roubo de três fatos de treino para pagar a dependência de crack, em 1982. Tal como um em cada cinco prisioneiros na Califórnia - e quase 10% do total do país em 2008 - Mary Thompson está a cumprir uma pena de prisão perpétua. Poderá vir a obter pena suspensa em 2020.Hoje em dia, há mais prisioneiros a cumprir prisão perpétua do que nunca - 140 610 dos 2,3 milhões que se encontram em estabelecimentos prisionais dos EUA - devido às leis que impõem pesadas sentenças mínimas e à raridade crescente da concessão de pena suspensa para os detidos que podem candidatar-se, segundo um relatório divulgado na última semana pelo Sentencing Project, um grupo que luta pela eliminação da prisão perpétua sem pena suspensa. Este relatório revela um crescimento das condenações de prisão perpétua a partir de 1984, quando estavam nessa situação 34 mil detidos.O mesmo relatório demonstra que dois terços dos condenados a prisão perpétua são de ascendência latino-americana ou negra. No estado de Nova Iorque, por exemplo, só 16,3% dos detidos em prisão perpétua são de raça branca.Embora muitas das condenações a prisão perpétua tenham por base crimes violentos, os peritos dizem haver muitas excepções. É o caso de Norman Williams, um homem de 46 anos que, depois de roubar o macaco de um reboque, cumpriu 13 anos de uma pena de prisão perpétua porque esse foi o seu terceiro crime. Foi libertado em Abril da prisão estadual de Folsom, na Califórnia, na sequência de um recurso que interpôs alegando aconselhamento jurídico deficiente.Prisões sem dinheiro O aumento do número de reclusos com penas de prisão perpétua está a sobrecarregar os orçamentos prisionais numa altura em que os Estados Unidos, em dificuldades financeiras, lutam para reduzir as despesas. De acordo com o dito relatório, o sistema prisional da Califórnia, o maior do país, com 170 mil detidos, teve o número mais alto de prisioneiros com penas de prisão perpétua: 34 164, ou seja, o triplo de 1992.Em quatro outros estados - Alabama, Massachusetts, Nevada e Nova Iorque -, pelo menos um em cada seis prisioneiros está a cumprir pena de prisão perpétua, lê-se no mesmo relatório.O sistema prisional da Califórnia está sob alçada de um executor federal de falências por ter entrado em ruptura a vários níveis: sobrelotação e incapacidade de prestar cuidados médicos adequados aos prisioneiros, muitos deles idosos, com penas de prisão perpétua.Esta semana, o governador Arnold Schwarzenegger voltou a apresentar a sua proposta para reduzir a população prisional através de uma combinação de libertações antecipadas de criminosos não violentos, da aplicação de prisão domiciliária a quem tenha violado os termos da pena suspensa e do aligeiramento das penas aplicáveis a certos tipos de crimes menos graves. Mas não há planos credíveis para aumentar o ritmo de suspensões de pena a reclusos que cumprem prisão perpétua."Quando os tribunais da Califórnia condenam alguém a prisão perpétua com pena suspensa, chega-se à conclusão de que, afinal, isso não é possível", diz Joan Petersilia, professor de Direito de Stanford e perito em regulamentação sobre penas suspensas. "As audiências da Comissão de Avaliação (Board of Parole) quase nunca levam a uma suspensão de pena, razão pela qual a população em prisão perpétua tem aumentado exponencialmente na Califórnia, em comparação com os outros estados".Margo Johnson, de 48 anos, também reclusa da prisão de mulheres de Corona, cumpriu 24 anos da pena de prisão perpétua por um homicídio cometido em 1984. Por quatro vezes, a comissão emitiu uma recomendação de suspensão da pena, mas, segundo ela, Schwarzenegger rejeitou-as todas."Às vezes penso que estão a brincar comigo", diz Johnson.Sete sistemas prisionais - os dos estados do Illinois, Iowa, Luisiana, Maine, Pennsylvania, Dakota do Sul e o do sistema penitenciário federal - não dão hipótese de pena suspensa a condenados a prisão perpétua.Essa política também se estende a jovens dos estados do Illinois, Luisiana e Pennsylvania. Um total de 6807 criminosos juvenis estavam a cumprir penas de prisão perpétua em 2008, 1755 dos quais sem hipóteses de pena suspensa. Mais uma vez, a Califórnia ficou à frente no número de condenados jovens a prisão perpétua: 2623."O aumento das condenações a prisão perpétua indica que estamos rapidamente a desacreditar o modelo da reabilitação", diz Ashley Nellis, autor principal do relatório.De Angelo McVay, de 42 anos, está a cumprir uma sentença de prisão perpétua sem hipótese de pena suspensa na prisão estadual de segurança máxima de Lancaster (Califórnia), por crime de participação no rapto e na tortura de um homem.Numa entrevista, disse que tinha aproveitado os dez anos que já passara na prisão para se tentar regenerar: frequentou a formação seminarista, participou no programa religioso da prisão, tornou-se vice-presidente do campo prisional, sempre evitando delitos de comportamento."Sinto remorsos pelo que fiz", diz ele. "Mas não tenho hipótese de conseguir pena suspensa e sei de homicidas a quem ela foi concedida".Os defensores de penas mais longas para criminosos, entre os quais se contam organizações de defesa dos direitos das vítimas, magistrados do ministério público e associações de polícia, alegam frequentemente a segurança pública, o efeito dissuasor do castigo e a necessidade de excluir os criminosos da sociedade.Mas o número de idosos a cumprirem prisão perpétua tem aumentado drasticamente à medida que a economia em declínio vai reduzindo os orçamentos estaduais. Entre 1994 e 2004, o número de detidos com mais de 50 anos quase duplicou, atingindo mais de 20%, segundo o relatório. Os detidos mais velhos custam mais caro porque têm mais problemas de saúde. Na Califórnia, por exemplo, gastam-se entre 98 mil a 138 mil dólares anuais por prisioneiro com mais de 50 anos, em contraste com a média nacional de 35 mil dólares anuais.Mas Petersilia, duvida que os argumentos económicos por si só persuadam os eleitores a serem mais indulgentes para com os condenados a prisão perpétua, muitos dos quais cometeram crimes violentos, como assassínios, violações, raptos e assaltos."Todas as sondagens à opinião pública indicam uma predisposição geral para repensar as penas para criminosos não violentos, mas uma recusa em mudar seja o que for quanto aos violentos", diz Petersilia. Com efeito, acrescenta, as sondagens revelam uma tendência para a defesa de penas ainda mais duras para crimes sexuais e outros crimes violentos.Burk Foster, professor de Direito Penal na Saginaw Valley State University do Michigan e perito do sistema prisional da Luisiana, diz que o aumento das penas de prisão perpétua começou na penitenciária estadual da localidade de Angola (Luisiana), a maior penitenciária de segurança máxima dos EUA, no princípio da década de 1970, quando a maioria dos condenados tinham direito a pena suspensa depois de serem considerados aptos a reintegrarem a sociedade."Angola era o protótipo das penas de prisão perpétua", diz Foster. "Em 1973, a Luisiana mudou a lei sobre prisão perpétua para que os condenados deixassem de ter possibilidade de verem a sua pena suspensa e essa lei foi sendo aplicada de modo mais lato, passando a abranger homicídio, violação, rapto, distribuição de narcóticos e reincidência".Foster diz que condenar mais pessoas a prisão perpétua equivale a uma desistência da função "correctiva" das prisões."A reabilitação deixou de ser considerada na prisão de Angola (Luisiana)", diz. "Agora, já só lá se pratica o isolamento e a incapacitação vitalícios."

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