A gralha genética que aumenta o risco de enxaqueca

14-09-2010
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"As duas variantes estão presentes numa frequência maior nos doentes com enxaqueca do que no grupo de controlo, o que parece indicar que estão relacionadas com a susceptibilidade à enxaqueca", sublinha a geneticista, acrescentando que esse risco é cerca de duas vezes superior."Não quer dizer que as pessoas que têm estas variantes vão desenvolver enxaquecas. O que aumenta é o risco."

Factores ambientais, como perturbações do ritmo do sono e alguns alimentos, como queijos, café, chocolate ou vinho, podem desencadear as crises das formas comuns de enxaqueca, que é uma doença complexa. A começar pelo facto de nas formas comuns (com e sem aura) poder haver vários genes envolvidos, em que cada um contribui para aumentar o risco de ter a doença.

Nas formas com aura, antes da dor de cabeça podem surgir fenómenos visuais (como estrelinhas, luzes, riscos, vista enevoada) ou sensitivos, como formigueiro nos membros inferiores ou superiores de um dos lados do corpo. No entanto, a forma mais frequente é a sem aura, em que ocorre só a dor de cabeça.

Com ou sem aura, as crises são acompanhadas de náuseas, vómitos ou intolerância à luz e ao ruído. Em Portugal, esta doença atinge 16 por cento da população, segundo um estudo na região do Porto - valores semelhantes aos encontrados no mundo.

Para chegar às letras trocadas foi preciso muito trabalho, primeiro na selecção do grupo de controlo, depois na bancada do laboratório às voltas com o ADN, depois ainda em frente ao computador em análises estatísticas. "Exige muitas horas de trabalho, muitas confirmações." O mais complicado foi o grupo de controlo, que tem de ser comparável à amostra de doentes, por exemplo, ter a mesma proporção de homens e mulheres - daí as dores de cabeça que a procura das letras trocadas deu a Carolina Lemos. Foi chato? "Chato não. Gosto imenso deste tipo de estudos. Laborioso foi, mas vale a pena, é recompensador."

Em busca de medicamentos

Agora a equipa tenciona passar de um olhar mais centrado na estatística para um mais virado para a biologia: utilizando células, a ideia é fazer experiências que revelem o papel biológico das variantes genéticas e por que razão contribuem para aumentar o risco de enxaqueca. Será que estão a fazer com que o gene STX1A origine a produção de mais ou menos quantidade da proteína sintaxina 1A? Será que a proteína é menos funcional? "Temos de perceber se a troca de uma letra leva a que a proteína actue de maneira diferente."

Até esta descoberta se traduzir num medicamento que alivie as crises de enxaqueca vai demorar bastante tempo. As gralhas neste gene são apenas mais um alvo a investigar rumo a esse objectivo, sublinha a investigadora. Aliás, ainda nem sequer foi identificado um gene que seja o responsável total pela enxaqueca: "Apenas se encontraram genes que conferem um risco aumentado para a doença, tal como este do nosso trabalho."

Ter, no entanto, um conhecimento profundo dos mecanismos da enxaqueca pode permitir o desenvolvimento de novos tratamentos. "Os medicamentos não são cem por cento eficazes. Se se conhecer o perfil genético dos doentes, e que há grupos com maior risco onde existem variantes genéticas com maior frequência, e se conhecermos bem o papel destas variantes, poderemos chegar a avanços que conjugam a farmacologia e a genética."

Pela sua parte, Carolina Lemos está a dar uma contribuição. Mas se a investigação da enxaqueca surgiu por mero acaso na vida dela, a escolha de uma carreira dedicada à ciência já não. "Sempre quis entrar em biologia. As ciências da vida permitem conhecer o que nos rodeia, as doenças e do que somos feitos, e a genética ainda permite mais isso."

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"As duas variantes estão presentes numa frequência maior nos doentes com enxaqueca do que no grupo de controlo, o que parece indicar que estão relacionadas com a susceptibilidade à enxaqueca", sublinha a geneticista, acrescentando que esse risco é cerca de duas vezes superior."Não quer dizer que as pessoas que têm estas variantes vão desenvolver enxaquecas. O que aumenta é o risco."

Factores ambientais, como perturbações do ritmo do sono e alguns alimentos, como queijos, café, chocolate ou vinho, podem desencadear as crises das formas comuns de enxaqueca, que é uma doença complexa. A começar pelo facto de nas formas comuns (com e sem aura) poder haver vários genes envolvidos, em que cada um contribui para aumentar o risco de ter a doença.

Nas formas com aura, antes da dor de cabeça podem surgir fenómenos visuais (como estrelinhas, luzes, riscos, vista enevoada) ou sensitivos, como formigueiro nos membros inferiores ou superiores de um dos lados do corpo. No entanto, a forma mais frequente é a sem aura, em que ocorre só a dor de cabeça.

Com ou sem aura, as crises são acompanhadas de náuseas, vómitos ou intolerância à luz e ao ruído. Em Portugal, esta doença atinge 16 por cento da população, segundo um estudo na região do Porto - valores semelhantes aos encontrados no mundo.

Para chegar às letras trocadas foi preciso muito trabalho, primeiro na selecção do grupo de controlo, depois na bancada do laboratório às voltas com o ADN, depois ainda em frente ao computador em análises estatísticas. "Exige muitas horas de trabalho, muitas confirmações." O mais complicado foi o grupo de controlo, que tem de ser comparável à amostra de doentes, por exemplo, ter a mesma proporção de homens e mulheres - daí as dores de cabeça que a procura das letras trocadas deu a Carolina Lemos. Foi chato? "Chato não. Gosto imenso deste tipo de estudos. Laborioso foi, mas vale a pena, é recompensador."

Em busca de medicamentos

Agora a equipa tenciona passar de um olhar mais centrado na estatística para um mais virado para a biologia: utilizando células, a ideia é fazer experiências que revelem o papel biológico das variantes genéticas e por que razão contribuem para aumentar o risco de enxaqueca. Será que estão a fazer com que o gene STX1A origine a produção de mais ou menos quantidade da proteína sintaxina 1A? Será que a proteína é menos funcional? "Temos de perceber se a troca de uma letra leva a que a proteína actue de maneira diferente."

Até esta descoberta se traduzir num medicamento que alivie as crises de enxaqueca vai demorar bastante tempo. As gralhas neste gene são apenas mais um alvo a investigar rumo a esse objectivo, sublinha a investigadora. Aliás, ainda nem sequer foi identificado um gene que seja o responsável total pela enxaqueca: "Apenas se encontraram genes que conferem um risco aumentado para a doença, tal como este do nosso trabalho."

Ter, no entanto, um conhecimento profundo dos mecanismos da enxaqueca pode permitir o desenvolvimento de novos tratamentos. "Os medicamentos não são cem por cento eficazes. Se se conhecer o perfil genético dos doentes, e que há grupos com maior risco onde existem variantes genéticas com maior frequência, e se conhecermos bem o papel destas variantes, poderemos chegar a avanços que conjugam a farmacologia e a genética."

Pela sua parte, Carolina Lemos está a dar uma contribuição. Mas se a investigação da enxaqueca surgiu por mero acaso na vida dela, a escolha de uma carreira dedicada à ciência já não. "Sempre quis entrar em biologia. As ciências da vida permitem conhecer o que nos rodeia, as doenças e do que somos feitos, e a genética ainda permite mais isso."

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