De Rerum Natura: Porque caiu a Monarquia?

28-05-2010
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Mais um post a propósito do próximo Centenário da República da autoria do historiador António Mota de Aguiar (na foto, José Relvas proclama a República à varanda dos Paços do Concelho em Lisboa, onde recentemente um grupo monárquico hastou a bandeira das suas cores)Se revirmos a história dos últimos anos da Monarquia compreenderemos melhor porque foi a vida da Primeira República tão atribulada e de tão infeliz sucesso. A recordação de alguns factos históricos ajudar-nos-á a compreender melhor porque caiu a Monarquia (ver aqui “Reflexões para o Centenário da 1ª República”). E também porque, mais tarde, caiu a Primeira República.Quando, em 1889, D. Carlos inicia o seu reinado, o país está em vésperas de bancarrota, ou, dito por outras palavras, não há dinheiro para comprar no estrangeiro aquilo que os Portugueses necessitam para as suas vidas quotidianas, que o país praticamente não produz. A única solução que o Estado encontra é pedir dinheiro emprestado no estrangeiro, agravando a já de si grande dívida pública.Em 1890 recebemos o aviltamento do “mapa cor de rosa” e, de certo modo, os Portugueses fazem ‘harakiri’ pela vergonha nacional sofrida. É então que se dá a revolta republicana de 31 de Janeiro no Porto em 1891. Os manuais da História de Portugal referentes a estes últimos anos do rotativismo dão-nos conta de sessões parlamentares turbulentas, insultuosas e inúteis, dominadas por interesses partidários. A monarquia parlamentar treme, mas vai-se aguentando.O “país da tanga” vai pedindo dinheiro emprestado lá fora e, cá dentro, D. Carlos I continua a gastar bem, recebendo, como “adiantamentos”, importantes somas de dinheiro. Apesar do país lhe facilitar uma vida luxuosa e parasitária, não deixava de o considerar uma “piolheira”. Os últimos anos do rotativismo foram marcados por sucessivos escândalos financeiros, enquanto a maioria dos portugueses permanecia na miséria.De revolta atrás de revolta chegamos ao regime de violência e repressão de João Franco, à greve académica de 1907 (ver aqui "A Greve Académica de 1907 em Coimbra").A sociedade portuguesa chegara ao caos total, a monarquia podre e desacreditada ruíra, caindo por todos os lados, sem salvação possível. O sentimento de que a sociedade portuguesa caminhava para o abismo era sentido por muitos. O Regicídio, pressentido no tempo, foi um acto tresloucado, uma manifestação de ódio inútil, com consequências desastrosas para os republicanos, como João Chagas previa e temia [1], E como veio, de facto, a acontecer.A implantação da República a 5 de Outubro de 1910 teve sucesso não só pela boa organização dos revoltosos, mas também pela desmoralização dos monárquicos: os monárquicos estavam divididos por lutas viscerais, poucos se levantaram para salvar a monarquia. A monarquia estava podre, não havia saída possível para o sistema.Entre os principais mentores da revolta militar republicana: João Chagas, Miguel Bombarda, Machado Santos, António José de Almeida, António Maria da Silva, Cândido dos Reis, etc., não figuram Afonso Costa, que se afastara dos preparativos militares [2], e Bernardino Machado [3], por achar que ainda não tinha chegado a hora de uma revolução pelas armas.No decurso dos acontecimentos militares, um dos principais protagonistas da revolta, o Almirante Carlos Cândido dos Reis, pensando que o golpe tinha falhado, suicidou-se. Ficámos a dever a Machado Santos, que correu de armas na mão para a Rotunda, em Lisboa, o sucesso do golpe militar. Após a vitória na Rotunda, a República foi implantada no resto do país, por telégrafo. Isto quer dizer que a implantação da República foi por um fio!Estes pormenores, não tiram em nada valor aos revolucionários republicanos de 1910, mas retiram-no aos monárquicos, que não se bateram pelo seu regime político - na verdade, não o fizeram por que não acreditavam nele.Que herdou a república do regime monárquico? Uma dívida externa abissal, o caos político, a miséria generalizada, uma economia em farrapos, cerca de 80% de analfabetos. Como consequência desta situação de caos, a partir de 1910 alguns homens têm projectos políticos próprios, prontos a fazê-los vingar pelas armas, caso necessário, mas ninguém sabe o que é uma Democracia, por que ninguém a praticara antes.Como é que, nestas condições, se poderia construir um outro país? O caos envolvente faz-se cedo sentir na sociedade portuguesa após o 5 de Outubro: António José de Almeida, que electrizara multidões com os seus discursos em prol da República, era agredido, insultado e enxovalhado a 11 de Outubro de 1911, por “arruaceiros” [4] em pleno Rossio, em Lisboa. Que queriam esses arruaceiros? Nada. Simplesmente, em “casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão”Em Outubro de 1910, a sociedade portuguesa assentava numa contradição: se, como ideal, pairavam ideias generosas (“Liberté, Egalité, fraternité"), na prática continuavam instaladas a desordem, a fome, a miséria, e o analfabetismo, aproveitadas pela ambição de alguns...António Mota de AguiarNOTAS[1] João Chagas, Cartas Políticas, Oficînas Bayard, 1908[2] João B. Serra, in História da Primeira República Portuguesa, Coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, pp. 43-52, Tinta da China, Lisboa, 2009[3] João Chagas, Cartas Políticas, Vol. IV, pp. 105-107, Oficînas Bayard, 1908[4] “A Lucta” de Outubro de 1911.


Mais um post a propósito do próximo Centenário da República da autoria do historiador António Mota de Aguiar (na foto, José Relvas proclama a República à varanda dos Paços do Concelho em Lisboa, onde recentemente um grupo monárquico hastou a bandeira das suas cores)Se revirmos a história dos últimos anos da Monarquia compreenderemos melhor porque foi a vida da Primeira República tão atribulada e de tão infeliz sucesso. A recordação de alguns factos históricos ajudar-nos-á a compreender melhor porque caiu a Monarquia (ver aqui “Reflexões para o Centenário da 1ª República”). E também porque, mais tarde, caiu a Primeira República.Quando, em 1889, D. Carlos inicia o seu reinado, o país está em vésperas de bancarrota, ou, dito por outras palavras, não há dinheiro para comprar no estrangeiro aquilo que os Portugueses necessitam para as suas vidas quotidianas, que o país praticamente não produz. A única solução que o Estado encontra é pedir dinheiro emprestado no estrangeiro, agravando a já de si grande dívida pública.Em 1890 recebemos o aviltamento do “mapa cor de rosa” e, de certo modo, os Portugueses fazem ‘harakiri’ pela vergonha nacional sofrida. É então que se dá a revolta republicana de 31 de Janeiro no Porto em 1891. Os manuais da História de Portugal referentes a estes últimos anos do rotativismo dão-nos conta de sessões parlamentares turbulentas, insultuosas e inúteis, dominadas por interesses partidários. A monarquia parlamentar treme, mas vai-se aguentando.O “país da tanga” vai pedindo dinheiro emprestado lá fora e, cá dentro, D. Carlos I continua a gastar bem, recebendo, como “adiantamentos”, importantes somas de dinheiro. Apesar do país lhe facilitar uma vida luxuosa e parasitária, não deixava de o considerar uma “piolheira”. Os últimos anos do rotativismo foram marcados por sucessivos escândalos financeiros, enquanto a maioria dos portugueses permanecia na miséria.De revolta atrás de revolta chegamos ao regime de violência e repressão de João Franco, à greve académica de 1907 (ver aqui "A Greve Académica de 1907 em Coimbra").A sociedade portuguesa chegara ao caos total, a monarquia podre e desacreditada ruíra, caindo por todos os lados, sem salvação possível. O sentimento de que a sociedade portuguesa caminhava para o abismo era sentido por muitos. O Regicídio, pressentido no tempo, foi um acto tresloucado, uma manifestação de ódio inútil, com consequências desastrosas para os republicanos, como João Chagas previa e temia [1], E como veio, de facto, a acontecer.A implantação da República a 5 de Outubro de 1910 teve sucesso não só pela boa organização dos revoltosos, mas também pela desmoralização dos monárquicos: os monárquicos estavam divididos por lutas viscerais, poucos se levantaram para salvar a monarquia. A monarquia estava podre, não havia saída possível para o sistema.Entre os principais mentores da revolta militar republicana: João Chagas, Miguel Bombarda, Machado Santos, António José de Almeida, António Maria da Silva, Cândido dos Reis, etc., não figuram Afonso Costa, que se afastara dos preparativos militares [2], e Bernardino Machado [3], por achar que ainda não tinha chegado a hora de uma revolução pelas armas.No decurso dos acontecimentos militares, um dos principais protagonistas da revolta, o Almirante Carlos Cândido dos Reis, pensando que o golpe tinha falhado, suicidou-se. Ficámos a dever a Machado Santos, que correu de armas na mão para a Rotunda, em Lisboa, o sucesso do golpe militar. Após a vitória na Rotunda, a República foi implantada no resto do país, por telégrafo. Isto quer dizer que a implantação da República foi por um fio!Estes pormenores, não tiram em nada valor aos revolucionários republicanos de 1910, mas retiram-no aos monárquicos, que não se bateram pelo seu regime político - na verdade, não o fizeram por que não acreditavam nele.Que herdou a república do regime monárquico? Uma dívida externa abissal, o caos político, a miséria generalizada, uma economia em farrapos, cerca de 80% de analfabetos. Como consequência desta situação de caos, a partir de 1910 alguns homens têm projectos políticos próprios, prontos a fazê-los vingar pelas armas, caso necessário, mas ninguém sabe o que é uma Democracia, por que ninguém a praticara antes.Como é que, nestas condições, se poderia construir um outro país? O caos envolvente faz-se cedo sentir na sociedade portuguesa após o 5 de Outubro: António José de Almeida, que electrizara multidões com os seus discursos em prol da República, era agredido, insultado e enxovalhado a 11 de Outubro de 1911, por “arruaceiros” [4] em pleno Rossio, em Lisboa. Que queriam esses arruaceiros? Nada. Simplesmente, em “casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão”Em Outubro de 1910, a sociedade portuguesa assentava numa contradição: se, como ideal, pairavam ideias generosas (“Liberté, Egalité, fraternité"), na prática continuavam instaladas a desordem, a fome, a miséria, e o analfabetismo, aproveitadas pela ambição de alguns...António Mota de AguiarNOTAS[1] João Chagas, Cartas Políticas, Oficînas Bayard, 1908[2] João B. Serra, in História da Primeira República Portuguesa, Coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, pp. 43-52, Tinta da China, Lisboa, 2009[3] João Chagas, Cartas Políticas, Vol. IV, pp. 105-107, Oficînas Bayard, 1908[4] “A Lucta” de Outubro de 1911.

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