Presidenciais – a direita dividida

23-12-2009
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Presidenciais – a direita dividida por José Paulo Gascão

Vai para dois anos que Cavaco, escaldado com a derrota de há 10 anos, começou a gerir o tempo de lançamento da sua candidatura à Presidência da Republica . A servil comunicação social portuguesa, pressurosa, acorria à convocação e trombeteava, urbi et orbe, o banal comentário como se de ideia profunda se tratasse, comentava o simples artigo com um alarido despropositado, não fora tudo fazer parte da longa, meditada e programada manobra. Pretendia-se criar a ideia do distanciamento que a docência propicia e iludir a realidade: a declaração de retirada para a docência em 1996, depois da humilhante derrota nas presidenciais, escondia mas não esbateu a desmedida ambição de poder do omnisciente professor. A direita, parecia, tinha encontrado o candidato a apoiar, sem que este necessitasse de assumir a candidatura.

Ao longo de dois anos procurou-se adoçar a indisfarçável arrogância, esquecer as gravíssimas lacunas culturais, apresentando Cavaco Silva como o salvador da crise de que ele foi o primeiro e um dos principais responsáveis. Tentaram vende-lo como a última essência da competência, esbatendo as suas imensas responsabilidades, enquanto primeiro ministro, no aumento do desemprego (mais de 400.00 desempregados), do déficit das contas públicas que em 1993 chegou aos -8,9%, das falências sem conta que então se verificaram, da instabilidade criada no emprego com a Lei da sub-contratação, etc, etc.

Será preciso lembrar forma como Cavaco Silva passou o testemunho a Fernando Nogueira quando viu que a vitória do PS de Guterres (também de má memória) era irreversível, a sua relutância a disputar as eleições presidenciais em 1996, para que foi muito empurrado e a contragosto, e na qual sofreu esmagadora derrota?

A forma arrogante e autoritária como sempre se comportou e a forma como os seus apaniguados o tentam agora apresentar esconde a tentativa de passar para Belém, institucionalmente ou de facto, a política de direita da responsabilidade do PSD e do PS, desde o I governo constitucional. A candidatura de Cavaco Silva, pelas ideias subjacentes e por apoios que já concitou até antes de ser assumida, só pode perspectivar um período de instabilidade e conflituosidade com o governo, de que a principal vítima será o povo português.

Enquanto Cavaco Silva preparava a sua putativa candidatura, o PS, multiplicando o lançamento de nomes como se de pães se tratasse, todos eles passados pelo funil da fidelidade à política neoliberal, aos ataques ao estado social e ao balancear submisso aos interesses imperialistas, afastou a possibilidade de candidatura de um cidadão português, maior de 35 anos e no pleno uso dos seus direitos, de esquerda, que enfrentasse e derrotasse a direita nas eleições presidenciais. Mesmo que esse cidadão fosse socialista ou da área ideológica do PS.

Sem nome credível avançado, num processo indecoroso, lançaram a lebre Manuel Alegre, enquanto no segredo dos gabinetes, Sócrates e Mário Soares acordavam os trâmites da manobra que levou este último a decidir o que há muito tinha pensado: o candidato sou eu!

Os mídia logo sentenciaram: a esquerda já tem o candidato capaz de enfrentar, e eventualmente derrotar, Cavaco Silva.

Pura mistificação, trata-se de dois candidatos da direita, pelo passado, pelas opções e pelos apoios, alguns comuns, que congregam no poder económico. Mário Soares foi o líder da contra-revolução, transformando o PS no guarda-chuva protector de toda a direita que procurasse abrigo. Aliou-se a Spínola formando, na opinião de Álvaro Cunhal "uma das mais estáveis e duradouras alianças político-militares do processo contra-revolucionário". Logo no 1º Governo Provisório, "sempre (me) expôs [a Spínola], com a máxima lealdade, as suas opiniões e me alertou para os perigos [o processo revolucionário, com a ampla participação do povo português que se sabe] que o País estava a correr com base na actuação do PC", tendo tido conhecimento antecipado, se não mesmo participação, no golpe Palma Carlos: reuniu com Palma Carlos, à margem do governo de que fazia parte e sem o avisar como era do seu mais elementar dever de lealdade (que é isso?), tendo-lhe, então, sido exposto o plano golpista de Spínola. Diz que discordou, mas logo acrescenta que isso não pressupunha a sua vontade "de que o general Spínola caísse ou saísse de cena", pois queria aguentá-lo.

Aliás, depois de Spínola ter conspirado, de armas na mão, contra a revolução de Abril (11 de Março de 1975) e ter dirigido a rede bombista que lançou morte e destruição no Portugal de Abril, promove o seu regresso sem julgamento a Portugal e atribui-lhe o cargo de chanceler das ordens!

Renegando expressamente o socialismo, engavetou-o até hoje, promove activamente a divisão do movimento operário e sindical, inicia a recuperação capitalista, incentiva o regresso dos monopolistas que foram o sustentáculo do fascismo em Portugal, inicia a destruição da reforma agrária... Nesta sua cruzada contra o Portugal de Abril, conspira com Frank Carlucci (homem da CIA, onde subiu até subdirector operacional), então embaixador dos EUA em Portugal, chegando ao desplante de o condecorar por serviços prestados à "liberdade dos portugueses" e exigir, há três ou quatro anos, que fosse este seu amigo a entregar-lhe o "Globo de Ouro" que a SIC de Pinto Balsemão (outro do antigamente que é seu amigo) lhe atribuiu.

Seria fastidioso continuar a folha corrida de Mário Soares neste seu combate contra uma verdadeira democracia (política, económica, social e cultural) em Portugal.

Hoje, o PS e a servil comunicação social portuguesa, pretendem apresentá-lo como o candidato da esquerda. Seria cómico, não fossem os perigos dessa mistificação constituir um motivo mais para o descrédito dos generosos ideais de esquerda junto do povo português.

Um dos dois putativos candidatos, Cavaco Silva ou Soares, será eleito.

O PCP já anunciou que irá apresentar um candidato para defender o seu conceito de democracia e o seu projecto de sociedade e de futuro.

O Bloco de Esquerda [1] vai estafar-se a explicar as razões porque vai apoiar Soares logo à primeira volta, que os favores com favores se pagam, [1] e até o lebre Manuel Alegre, ainda tão justamente queixoso pela safadeza que lhe fizeram e disponível para apresentar a sua candidatura, proclamará uma vez mais, em voz tonitruante, o seu apoio ao camarada Mário Soares. Depois..., bem, depois escreverá um poema, excelente como sempre, intitulado dignidade ou outro qualquer valor eterno.

A verdade, nua e crua, é que um dos dois candidatos da direita será Presidente da República, os ideais e valores da esquerda serão uma vez mais postos de lado e o regime democrático vigente cavará mais uma razão de descontentamento até que, com a sua luta, o povo português descubra o caminho para uma nova sociedade democrática, política, económica, social e cultural, que comece por concretizar, o que não sucedeu até hoje, os princípios da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.

Lisboa/18/Agosto/2005

[1] Posteriormente à publicação deste artigo, o Bloco de Esquerda foi "obrigado", a 1 de Setembro, a anunciar a candidatura de um dos seus líderes, Francisco Louçã. Na véspera, outro dos líderes do Bloco de Esquerda e seu candidato às últimas eleições presidenciais, Fernando Rosas, foi apoiar Mário Soares na sessão de apresentação desta candidatura. Aí, Soares e Rosas trocaram abraços e sorrisos cúmplices. Soares tomou o lugar na tribuna donde falou, Rosas tinha lugar reservado na primeira fila. A apresentação da candidatura de Jerónimo de Sousa pelo Partido Comunista, obrigou-os a mudar a táctica, não a estratégia acordada.

O original encontra-se no Jornal de Fundão de 26/Agosto/2005.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Presidenciais – a direita dividida por José Paulo Gascão

Vai para dois anos que Cavaco, escaldado com a derrota de há 10 anos, começou a gerir o tempo de lançamento da sua candidatura à Presidência da Republica . A servil comunicação social portuguesa, pressurosa, acorria à convocação e trombeteava, urbi et orbe, o banal comentário como se de ideia profunda se tratasse, comentava o simples artigo com um alarido despropositado, não fora tudo fazer parte da longa, meditada e programada manobra. Pretendia-se criar a ideia do distanciamento que a docência propicia e iludir a realidade: a declaração de retirada para a docência em 1996, depois da humilhante derrota nas presidenciais, escondia mas não esbateu a desmedida ambição de poder do omnisciente professor. A direita, parecia, tinha encontrado o candidato a apoiar, sem que este necessitasse de assumir a candidatura.

Ao longo de dois anos procurou-se adoçar a indisfarçável arrogância, esquecer as gravíssimas lacunas culturais, apresentando Cavaco Silva como o salvador da crise de que ele foi o primeiro e um dos principais responsáveis. Tentaram vende-lo como a última essência da competência, esbatendo as suas imensas responsabilidades, enquanto primeiro ministro, no aumento do desemprego (mais de 400.00 desempregados), do déficit das contas públicas que em 1993 chegou aos -8,9%, das falências sem conta que então se verificaram, da instabilidade criada no emprego com a Lei da sub-contratação, etc, etc.

Será preciso lembrar forma como Cavaco Silva passou o testemunho a Fernando Nogueira quando viu que a vitória do PS de Guterres (também de má memória) era irreversível, a sua relutância a disputar as eleições presidenciais em 1996, para que foi muito empurrado e a contragosto, e na qual sofreu esmagadora derrota?

A forma arrogante e autoritária como sempre se comportou e a forma como os seus apaniguados o tentam agora apresentar esconde a tentativa de passar para Belém, institucionalmente ou de facto, a política de direita da responsabilidade do PSD e do PS, desde o I governo constitucional. A candidatura de Cavaco Silva, pelas ideias subjacentes e por apoios que já concitou até antes de ser assumida, só pode perspectivar um período de instabilidade e conflituosidade com o governo, de que a principal vítima será o povo português.

Enquanto Cavaco Silva preparava a sua putativa candidatura, o PS, multiplicando o lançamento de nomes como se de pães se tratasse, todos eles passados pelo funil da fidelidade à política neoliberal, aos ataques ao estado social e ao balancear submisso aos interesses imperialistas, afastou a possibilidade de candidatura de um cidadão português, maior de 35 anos e no pleno uso dos seus direitos, de esquerda, que enfrentasse e derrotasse a direita nas eleições presidenciais. Mesmo que esse cidadão fosse socialista ou da área ideológica do PS.

Sem nome credível avançado, num processo indecoroso, lançaram a lebre Manuel Alegre, enquanto no segredo dos gabinetes, Sócrates e Mário Soares acordavam os trâmites da manobra que levou este último a decidir o que há muito tinha pensado: o candidato sou eu!

Os mídia logo sentenciaram: a esquerda já tem o candidato capaz de enfrentar, e eventualmente derrotar, Cavaco Silva.

Pura mistificação, trata-se de dois candidatos da direita, pelo passado, pelas opções e pelos apoios, alguns comuns, que congregam no poder económico. Mário Soares foi o líder da contra-revolução, transformando o PS no guarda-chuva protector de toda a direita que procurasse abrigo. Aliou-se a Spínola formando, na opinião de Álvaro Cunhal "uma das mais estáveis e duradouras alianças político-militares do processo contra-revolucionário". Logo no 1º Governo Provisório, "sempre (me) expôs [a Spínola], com a máxima lealdade, as suas opiniões e me alertou para os perigos [o processo revolucionário, com a ampla participação do povo português que se sabe] que o País estava a correr com base na actuação do PC", tendo tido conhecimento antecipado, se não mesmo participação, no golpe Palma Carlos: reuniu com Palma Carlos, à margem do governo de que fazia parte e sem o avisar como era do seu mais elementar dever de lealdade (que é isso?), tendo-lhe, então, sido exposto o plano golpista de Spínola. Diz que discordou, mas logo acrescenta que isso não pressupunha a sua vontade "de que o general Spínola caísse ou saísse de cena", pois queria aguentá-lo.

Aliás, depois de Spínola ter conspirado, de armas na mão, contra a revolução de Abril (11 de Março de 1975) e ter dirigido a rede bombista que lançou morte e destruição no Portugal de Abril, promove o seu regresso sem julgamento a Portugal e atribui-lhe o cargo de chanceler das ordens!

Renegando expressamente o socialismo, engavetou-o até hoje, promove activamente a divisão do movimento operário e sindical, inicia a recuperação capitalista, incentiva o regresso dos monopolistas que foram o sustentáculo do fascismo em Portugal, inicia a destruição da reforma agrária... Nesta sua cruzada contra o Portugal de Abril, conspira com Frank Carlucci (homem da CIA, onde subiu até subdirector operacional), então embaixador dos EUA em Portugal, chegando ao desplante de o condecorar por serviços prestados à "liberdade dos portugueses" e exigir, há três ou quatro anos, que fosse este seu amigo a entregar-lhe o "Globo de Ouro" que a SIC de Pinto Balsemão (outro do antigamente que é seu amigo) lhe atribuiu.

Seria fastidioso continuar a folha corrida de Mário Soares neste seu combate contra uma verdadeira democracia (política, económica, social e cultural) em Portugal.

Hoje, o PS e a servil comunicação social portuguesa, pretendem apresentá-lo como o candidato da esquerda. Seria cómico, não fossem os perigos dessa mistificação constituir um motivo mais para o descrédito dos generosos ideais de esquerda junto do povo português.

Um dos dois putativos candidatos, Cavaco Silva ou Soares, será eleito.

O PCP já anunciou que irá apresentar um candidato para defender o seu conceito de democracia e o seu projecto de sociedade e de futuro.

O Bloco de Esquerda [1] vai estafar-se a explicar as razões porque vai apoiar Soares logo à primeira volta, que os favores com favores se pagam, [1] e até o lebre Manuel Alegre, ainda tão justamente queixoso pela safadeza que lhe fizeram e disponível para apresentar a sua candidatura, proclamará uma vez mais, em voz tonitruante, o seu apoio ao camarada Mário Soares. Depois..., bem, depois escreverá um poema, excelente como sempre, intitulado dignidade ou outro qualquer valor eterno.

A verdade, nua e crua, é que um dos dois candidatos da direita será Presidente da República, os ideais e valores da esquerda serão uma vez mais postos de lado e o regime democrático vigente cavará mais uma razão de descontentamento até que, com a sua luta, o povo português descubra o caminho para uma nova sociedade democrática, política, económica, social e cultural, que comece por concretizar, o que não sucedeu até hoje, os princípios da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.

Lisboa/18/Agosto/2005

[1] Posteriormente à publicação deste artigo, o Bloco de Esquerda foi "obrigado", a 1 de Setembro, a anunciar a candidatura de um dos seus líderes, Francisco Louçã. Na véspera, outro dos líderes do Bloco de Esquerda e seu candidato às últimas eleições presidenciais, Fernando Rosas, foi apoiar Mário Soares na sessão de apresentação desta candidatura. Aí, Soares e Rosas trocaram abraços e sorrisos cúmplices. Soares tomou o lugar na tribuna donde falou, Rosas tinha lugar reservado na primeira fila. A apresentação da candidatura de Jerónimo de Sousa pelo Partido Comunista, obrigou-os a mudar a táctica, não a estratégia acordada.

O original encontra-se no Jornal de Fundão de 26/Agosto/2005.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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