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19-10-2010
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Desde o tempo das lutas antipropinas que Fernando Medina tem um discurso hábil, e hoje é apontado como um dos novos socialistas mais ministeriáveis. Com um perfil discreto, é neste homem exterior ao aparelho que José Sócrates agora confia para fazer passar a mensagem socialista. Conseguirá sobreviver à pressão dos próximos meses? Por Maria Lopes (texto) e João Guilherme (fotografia)

A política entrou cedo na sua vida. Primeiro como espectador das acaloradas discussões entre o pai e o avô, depois como líder estudantil, mais tarde como assessor governamental, e finalmente como secretário de Estado. Fernando Medina teve a pasta do Emprego e Formação Profissional no primeiro Governo PS; hoje é adjunto de Vieira da Silva, com a tutela da Indústria e do Desenvolvimento. Agora, José Sócrates deu-lhe o cargo de porta-voz do PS num cenário político pouco fácil, mas onde uma cara nova e um discurso escorreito podem fazer a diferença.

A memória política da infância de Fernando Medina recua até aos almoços de família, no Porto, em que o avô paterno e o pai discutiam com vigor as movimentações políticas de fins dos anos 70 e os cenários do pós-25 de Abril.

Fernando Medina, de 37 anos, é o menos à esquerda da família - ainda assim, um socialista da ala esquerda - mas o mais vermelho (é um benfiquista ferrenho). O avô fora apoiante do movimento internacionalista comunista na ditadura, mas acabou por se afastar paulatinamente da ideologia; o pai, Edgar Correia, activo dirigente comunista, esteve na clandestinidade nos primeiros tempos de vida do filho mais velho. A noção de serviço público que existia na família é um dos seus pilares, apontam alguns conhecidos próximos. Medina recorda que, quando fez 18 anos, o pai lhe deu um envelope com duas fotocópias do jornal O Século. "Perdeu-se mala de senhora no comboio Lisboa-Porto", lia-se. Era uma mensagem da mãe, Helena Medina (também funcionária do PCP), para dizer que a criança tinha nascido e que era rapaz - o sentido inverso da viagem significaria menina.

Pela mão de Guterres

Os primeiros anos de Fernando Medina foram passados no Algarve, com os pais, e depois mudou-se para o Porto, convivendo mais perto dos avós, numa zona de vivendas à entrada de Matosinhos. A sua participação cívica activa começou na faculdade. Em 1995 e 1996, Fernando Medina era o activo presidente da Federação Académica do Porto (FAP) e terá sido instrumental na política de Guterres da paixão pela educação no tempo da luta antipropinas.

Nas reuniões pela noite dentro, o estudante de Economia - que suspendeu o curso para tomar as rédeas da FAP - era, porém, conhecido pelas suas posições moderadas, defendidas num discurso consistente. Não embarcou na onda do não radical às propinas e, à distância, outros ex-alunos activos nessa luta estudantil dizem que as suas posições terão servido como bloqueio a uma contestação mais radical às políticas guterristas para a Educação. Seria impossível tê-lo como organizador de uma manif em que se mostrasse o rabo à ministra. Defendia a revogação do pagamento progressivo instituído por Manuela Ferreira Leite e a manutenção da lei dos 1500 escudos enquanto se voltava a estudar todo o esquema do financiamento. É esta sua visão de conjunto do ensino superior que lhe granjeia respeito junto da comunidade académica - no Porto, conseguiu também colocar as contas da FAP em ordem, controlando pessoalmente cada cheque que entrava e saía -, conseguindo ser eleito para o Conselho Nacional de Educação (1996-98).

Entre os estudantes, Medina não falava sobre preferências ou filiações partidárias, e tinha o cuidado de apresentar listas multipartidárias para os órgãos estudantis -, mas, à volta, percebia-se a sua tendência. Talvez por isso, quando há uns meses apareceu sozinho ao lado do primeiro-ministro num debate no Parlamento, tenha havido quem se recordasse da sua capacidade de mobilização, trabalho e influência junto dos estudantes na década de 90. A que se juntam alguma ambição e astúcia, mas comedidas.

O tema da educação foi também a mola para a entrada nos corredores governamentais: o seu primeiro emprego como licenciado foi o de estudar a inserção dos licenciados no mercado de trabalho, a convite da ministra Maria João Rodrigues. Integrou o grupo de trabalho do Ministério da Educação da Presidência Portuguesa da UE (1999-2000) e, nos dois anos seguintes, foi adjunto e assessor de António Guterres nas áreas da educação, ciência e tecnologia. A sua entrada oficial no PS deve-a a Guterres (com quem mantém uma amizade próxima): quando o primeiro-ministro se demitiu, Medina quis continuar a ter um envolvimento político e filiou-se. Com a mudança de Governo, transitou para a Agência Portuguesa para o Investimento, onde se mantém como coordenador de pesquisa e elabora os dossiers para a captação de investimento.

Parte do quarteto

Não sendo um político do aparelho PS nem de mediatismos, Fernando Medina é hoje um dos elementos fundamentais junto do círculo restrito do primeiro-ministro. A porta foi entreaberta por José Sócrates quando, acabado de ser eleito secretário-geral, o convidou para integrar um grupo de reflexão de economistas - Medina abriu o resto quando, logo ali, se mostrou disponível para trabalhar na campanha. Vencidas as eleições, foi convidado para secretário de Estado do Emprego, tornando-se no braço-direito do ministro do Trabalho. E inseparável - quando, em Outubro, mudou para a Economia, Vieira da Silva levou Medina consigo. Tal como o levou para as reuniões tardias em casa do primeiro-ministro para ultimar o programa eleitoral do PS do ano passado, em que o quarto elemento era Pedro Silva Pereira.

Entre as caras da nova geração socialista, Medina é dos mais ministeriáveis. Mas não gosta de falar nisso: é mais gratificante ser secretário de Estado com capacidades para executar políticas do que ser ministro sem elas. Uma ideia apetecível - ainda que a sua passagem pela Secretaria de Estado do Emprego tenha sido acompanhada por uma longa e penosa subida da taxa de desemprego e não tenha havido políticas eficientes para a travar. A iniciativa Novas Oportunidades, pela qual deu a cara, percebe-se agora que em boa parte confere uma espécie de canudo, mas a verdadeira formação é escassa.

Curiosamente, na mesma altura em que o Governo anuncia um pacote de austeridade, Fernando Medina andava a ler A Anatomia do Poder, do economista John Kenneth Galbraith, depois de mesmo antes ter lido, também do mesmo autor, The Great Crash of 29 - uma espécie de trabalho de casa por antecipação.

Fernando Medina é o segundo porta-voz do PS num ano, uma instabilidade que contrasta com o longo "mandato" de Vitalino Canas, durante quase toda a anterior legislatura. João Tiago da Silveira aguentou poucos meses no lugar - o discurso redondo e a pouca habilidade em certas áreas ditaram o seu afastamento, ainda que oficialmente a explicação tenha sido a nomeação como secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Praticamente desde Janeiro que a palavra oficial do partido do Governo andava "desgovernada".

"Estamos muito no sítio onde trabalhamos", diz para comentar o facto de ir cada vez menos ao Porto, cidade onde cresceu. Mas esta é também uma máxima que se pode aplicar à relação muito próxima que mantém com o ministro Vieira da Silva, com quem começou a sua carreira de governante. Adepto de ténis, partilha com ele o court há vários anos, logo às oito da manhã. Os resultados são segredos bem guardados, mas parece que o ministro está em excelente forma.

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É ainda com Vieira da Silva que faz duetos musicais nas viagens de carro - mas quem também lidera é o ministro, falta saber se por inerência de funções ou se por melhor voz. As preferências vão para os anos 80, mas canta-se um pouco de tudo (e até o motorista é chamado a acompanhar). Isto, claro, quando não está pendurado ao telemóvel, que usa até à exaustão - fã de BlackBerry, bem tentou habituar-se ao iPhone, mas este não o convenceu -, ou no iPod, que usa para tudo, da música aos vídeos. A sua costela tecnológica aguarda ansiosamente pelo iPad.

Solteiro, sem filhos, Medina é frequentador de alguns restaurantes e bares in lisboetas - dizem dele que é um garfo com gosto; a sua especialidade ao fogão é o bacalhau assado. Foi eleito deputado por Beja, mas o seu lugar foi ocupado por um suplente. Se estivesse no Parlamento, votaria com agrado o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Já sobre a adopção, a sua convicção é mais de areias movediças por ainda não saber o suficiente sobre o impacto na educação e na vivência familiar das crianças.

Despido o fato de secretário de Estado, é no de mergulho que Fernando Medina se sente à vontade. Fez vários cursos, desde a primeira imersão nas Maldivas há uns anos, e desce até aos 36 metros. O mar Vermelho é o spot preferido, pela riqueza de peixes, cores, corais, mas também pelos vestígios de velhos aviões e navios. Como o cargueiro inglês Thyssel Dorn, onde é possível ainda nadar entre os camiões, armamento e até botas da tripulação. Numa profundidade onde as cores vivas já desapareceram, um pouco como o cenário actual do país.

Desde o tempo das lutas antipropinas que Fernando Medina tem um discurso hábil, e hoje é apontado como um dos novos socialistas mais ministeriáveis. Com um perfil discreto, é neste homem exterior ao aparelho que José Sócrates agora confia para fazer passar a mensagem socialista. Conseguirá sobreviver à pressão dos próximos meses? Por Maria Lopes (texto) e João Guilherme (fotografia)

A política entrou cedo na sua vida. Primeiro como espectador das acaloradas discussões entre o pai e o avô, depois como líder estudantil, mais tarde como assessor governamental, e finalmente como secretário de Estado. Fernando Medina teve a pasta do Emprego e Formação Profissional no primeiro Governo PS; hoje é adjunto de Vieira da Silva, com a tutela da Indústria e do Desenvolvimento. Agora, José Sócrates deu-lhe o cargo de porta-voz do PS num cenário político pouco fácil, mas onde uma cara nova e um discurso escorreito podem fazer a diferença.

A memória política da infância de Fernando Medina recua até aos almoços de família, no Porto, em que o avô paterno e o pai discutiam com vigor as movimentações políticas de fins dos anos 70 e os cenários do pós-25 de Abril.

Fernando Medina, de 37 anos, é o menos à esquerda da família - ainda assim, um socialista da ala esquerda - mas o mais vermelho (é um benfiquista ferrenho). O avô fora apoiante do movimento internacionalista comunista na ditadura, mas acabou por se afastar paulatinamente da ideologia; o pai, Edgar Correia, activo dirigente comunista, esteve na clandestinidade nos primeiros tempos de vida do filho mais velho. A noção de serviço público que existia na família é um dos seus pilares, apontam alguns conhecidos próximos. Medina recorda que, quando fez 18 anos, o pai lhe deu um envelope com duas fotocópias do jornal O Século. "Perdeu-se mala de senhora no comboio Lisboa-Porto", lia-se. Era uma mensagem da mãe, Helena Medina (também funcionária do PCP), para dizer que a criança tinha nascido e que era rapaz - o sentido inverso da viagem significaria menina.

Pela mão de Guterres

Os primeiros anos de Fernando Medina foram passados no Algarve, com os pais, e depois mudou-se para o Porto, convivendo mais perto dos avós, numa zona de vivendas à entrada de Matosinhos. A sua participação cívica activa começou na faculdade. Em 1995 e 1996, Fernando Medina era o activo presidente da Federação Académica do Porto (FAP) e terá sido instrumental na política de Guterres da paixão pela educação no tempo da luta antipropinas.

Nas reuniões pela noite dentro, o estudante de Economia - que suspendeu o curso para tomar as rédeas da FAP - era, porém, conhecido pelas suas posições moderadas, defendidas num discurso consistente. Não embarcou na onda do não radical às propinas e, à distância, outros ex-alunos activos nessa luta estudantil dizem que as suas posições terão servido como bloqueio a uma contestação mais radical às políticas guterristas para a Educação. Seria impossível tê-lo como organizador de uma manif em que se mostrasse o rabo à ministra. Defendia a revogação do pagamento progressivo instituído por Manuela Ferreira Leite e a manutenção da lei dos 1500 escudos enquanto se voltava a estudar todo o esquema do financiamento. É esta sua visão de conjunto do ensino superior que lhe granjeia respeito junto da comunidade académica - no Porto, conseguiu também colocar as contas da FAP em ordem, controlando pessoalmente cada cheque que entrava e saía -, conseguindo ser eleito para o Conselho Nacional de Educação (1996-98).

Entre os estudantes, Medina não falava sobre preferências ou filiações partidárias, e tinha o cuidado de apresentar listas multipartidárias para os órgãos estudantis -, mas, à volta, percebia-se a sua tendência. Talvez por isso, quando há uns meses apareceu sozinho ao lado do primeiro-ministro num debate no Parlamento, tenha havido quem se recordasse da sua capacidade de mobilização, trabalho e influência junto dos estudantes na década de 90. A que se juntam alguma ambição e astúcia, mas comedidas.

O tema da educação foi também a mola para a entrada nos corredores governamentais: o seu primeiro emprego como licenciado foi o de estudar a inserção dos licenciados no mercado de trabalho, a convite da ministra Maria João Rodrigues. Integrou o grupo de trabalho do Ministério da Educação da Presidência Portuguesa da UE (1999-2000) e, nos dois anos seguintes, foi adjunto e assessor de António Guterres nas áreas da educação, ciência e tecnologia. A sua entrada oficial no PS deve-a a Guterres (com quem mantém uma amizade próxima): quando o primeiro-ministro se demitiu, Medina quis continuar a ter um envolvimento político e filiou-se. Com a mudança de Governo, transitou para a Agência Portuguesa para o Investimento, onde se mantém como coordenador de pesquisa e elabora os dossiers para a captação de investimento.

Parte do quarteto

Não sendo um político do aparelho PS nem de mediatismos, Fernando Medina é hoje um dos elementos fundamentais junto do círculo restrito do primeiro-ministro. A porta foi entreaberta por José Sócrates quando, acabado de ser eleito secretário-geral, o convidou para integrar um grupo de reflexão de economistas - Medina abriu o resto quando, logo ali, se mostrou disponível para trabalhar na campanha. Vencidas as eleições, foi convidado para secretário de Estado do Emprego, tornando-se no braço-direito do ministro do Trabalho. E inseparável - quando, em Outubro, mudou para a Economia, Vieira da Silva levou Medina consigo. Tal como o levou para as reuniões tardias em casa do primeiro-ministro para ultimar o programa eleitoral do PS do ano passado, em que o quarto elemento era Pedro Silva Pereira.

Entre as caras da nova geração socialista, Medina é dos mais ministeriáveis. Mas não gosta de falar nisso: é mais gratificante ser secretário de Estado com capacidades para executar políticas do que ser ministro sem elas. Uma ideia apetecível - ainda que a sua passagem pela Secretaria de Estado do Emprego tenha sido acompanhada por uma longa e penosa subida da taxa de desemprego e não tenha havido políticas eficientes para a travar. A iniciativa Novas Oportunidades, pela qual deu a cara, percebe-se agora que em boa parte confere uma espécie de canudo, mas a verdadeira formação é escassa.

Curiosamente, na mesma altura em que o Governo anuncia um pacote de austeridade, Fernando Medina andava a ler A Anatomia do Poder, do economista John Kenneth Galbraith, depois de mesmo antes ter lido, também do mesmo autor, The Great Crash of 29 - uma espécie de trabalho de casa por antecipação.

Fernando Medina é o segundo porta-voz do PS num ano, uma instabilidade que contrasta com o longo "mandato" de Vitalino Canas, durante quase toda a anterior legislatura. João Tiago da Silveira aguentou poucos meses no lugar - o discurso redondo e a pouca habilidade em certas áreas ditaram o seu afastamento, ainda que oficialmente a explicação tenha sido a nomeação como secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Praticamente desde Janeiro que a palavra oficial do partido do Governo andava "desgovernada".

"Estamos muito no sítio onde trabalhamos", diz para comentar o facto de ir cada vez menos ao Porto, cidade onde cresceu. Mas esta é também uma máxima que se pode aplicar à relação muito próxima que mantém com o ministro Vieira da Silva, com quem começou a sua carreira de governante. Adepto de ténis, partilha com ele o court há vários anos, logo às oito da manhã. Os resultados são segredos bem guardados, mas parece que o ministro está em excelente forma.

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É ainda com Vieira da Silva que faz duetos musicais nas viagens de carro - mas quem também lidera é o ministro, falta saber se por inerência de funções ou se por melhor voz. As preferências vão para os anos 80, mas canta-se um pouco de tudo (e até o motorista é chamado a acompanhar). Isto, claro, quando não está pendurado ao telemóvel, que usa até à exaustão - fã de BlackBerry, bem tentou habituar-se ao iPhone, mas este não o convenceu -, ou no iPod, que usa para tudo, da música aos vídeos. A sua costela tecnológica aguarda ansiosamente pelo iPad.

Solteiro, sem filhos, Medina é frequentador de alguns restaurantes e bares in lisboetas - dizem dele que é um garfo com gosto; a sua especialidade ao fogão é o bacalhau assado. Foi eleito deputado por Beja, mas o seu lugar foi ocupado por um suplente. Se estivesse no Parlamento, votaria com agrado o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Já sobre a adopção, a sua convicção é mais de areias movediças por ainda não saber o suficiente sobre o impacto na educação e na vivência familiar das crianças.

Despido o fato de secretário de Estado, é no de mergulho que Fernando Medina se sente à vontade. Fez vários cursos, desde a primeira imersão nas Maldivas há uns anos, e desce até aos 36 metros. O mar Vermelho é o spot preferido, pela riqueza de peixes, cores, corais, mas também pelos vestígios de velhos aviões e navios. Como o cargueiro inglês Thyssel Dorn, onde é possível ainda nadar entre os camiões, armamento e até botas da tripulação. Numa profundidade onde as cores vivas já desapareceram, um pouco como o cenário actual do país.

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