A Romã de Vidro

04-08-2010
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Giordano Rizzardi, Cristo, 2003
"Estamos a sentir a tua falta, pá... Isto tinha mais piada se tu abrisses um bocadinho o jogo. Se tornasses inquestionável a tua existência. És um Deus, que diabo, o que perdias tu com isso? Desta vez não virias como homem, assim como te conhecemos, guedelhudo, magricelas, o corpo enrolado nuns trapinhos, meio Jim Morrison, meio Mahatma Gandhi. E não levarias tanto tempo como 33 anos a fazer efeito. Terias que ser outra coisa. Uma água de chuva, uma água que caísse de um céu imaculadamente azul, directamente da fonte divina. Uma água que emendasse o que está mal. Fertilizasse o que está seco. Uma água impossível de conceber. Vês? Não beliscaríamos a tua natureza metafísica. Serias um espírito áqueo e santo. A diferença é que poderíamos guardar-te em reservatórios e distribuir-te através da rede pública. E, assim, te teríamos numa sopa, numa piscina, num copo, num chichi, numa lágrima. Existirias em nós; não serias, como agora, uma alegoria algures no coração e apenas alcançável pela virtude da fé. És muito difícil, meu. E a tua malta aqui no terceiro planeta é um bocado passada dos carretos. Se fosses água, era entre mim e ti. Podia beber-te, podias dessedentar-me. A verdade é que estamos a sentir a tua falta, pá. Não desse corpo que abandonas-te numa cruz e que hoje faz de ti uma vedeta universal. É um corpo que já não habitas, que importância pode ter? Lembra-nos que somos mortais, e isso não é bom. Angustia-nos. Mas se voltares, desta vez, fica por cá, evidentemente para todos. Escolhe uma forma de ser. Eu falei-te da água. Mas podes regressar como fogo e existirás num cigarro aceso; como vento e impregnarás o ar que respiramos; como terra e serás a fonte da nossa sobrevivência. Qualquer coisa que possamos sentir a todo o momento e nos torne mais sábios, mais tolerantes,mais gregários. Depois, teremos tempo para discutir a questão do bacalhau, do peru, e das rabanadas. Mas por mim e já que se fala nisso, pode perfeitamente continuar na noite de 24 para 25 de Dezembro..." Fernando Marques


Giordano Rizzardi, Cristo, 2003
"Estamos a sentir a tua falta, pá... Isto tinha mais piada se tu abrisses um bocadinho o jogo. Se tornasses inquestionável a tua existência. És um Deus, que diabo, o que perdias tu com isso? Desta vez não virias como homem, assim como te conhecemos, guedelhudo, magricelas, o corpo enrolado nuns trapinhos, meio Jim Morrison, meio Mahatma Gandhi. E não levarias tanto tempo como 33 anos a fazer efeito. Terias que ser outra coisa. Uma água de chuva, uma água que caísse de um céu imaculadamente azul, directamente da fonte divina. Uma água que emendasse o que está mal. Fertilizasse o que está seco. Uma água impossível de conceber. Vês? Não beliscaríamos a tua natureza metafísica. Serias um espírito áqueo e santo. A diferença é que poderíamos guardar-te em reservatórios e distribuir-te através da rede pública. E, assim, te teríamos numa sopa, numa piscina, num copo, num chichi, numa lágrima. Existirias em nós; não serias, como agora, uma alegoria algures no coração e apenas alcançável pela virtude da fé. És muito difícil, meu. E a tua malta aqui no terceiro planeta é um bocado passada dos carretos. Se fosses água, era entre mim e ti. Podia beber-te, podias dessedentar-me. A verdade é que estamos a sentir a tua falta, pá. Não desse corpo que abandonas-te numa cruz e que hoje faz de ti uma vedeta universal. É um corpo que já não habitas, que importância pode ter? Lembra-nos que somos mortais, e isso não é bom. Angustia-nos. Mas se voltares, desta vez, fica por cá, evidentemente para todos. Escolhe uma forma de ser. Eu falei-te da água. Mas podes regressar como fogo e existirás num cigarro aceso; como vento e impregnarás o ar que respiramos; como terra e serás a fonte da nossa sobrevivência. Qualquer coisa que possamos sentir a todo o momento e nos torne mais sábios, mais tolerantes,mais gregários. Depois, teremos tempo para discutir a questão do bacalhau, do peru, e das rabanadas. Mas por mim e já que se fala nisso, pode perfeitamente continuar na noite de 24 para 25 de Dezembro..." Fernando Marques

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