Entre as brumas da memória: Trevas

25-05-2011
marcar artigo


No início de 2007, tive uma inesperada conversa com a pessoa que me ajuda a manter esta casa em estado de limpeza e de arrumação minimamente aceitáveis. Interpelou-me então, acaloradamente, quando viu sacos com panfletos, pins e bandeiras a favor da despenalização do IVG – que nem queria acreditar que eu defendesse tais ideias, que era um crime matar crianças e tudo o resto que eu aturava dia e noite fora de portas mas que não esperava que me entrasse pela casa dentro.Voltámos agora ao tema porque ela tem 43 anos, vai no quarto mês de uma nova gravidez (a quarta), fez uma primeira eco com resultados duvidosos, mas terá a criança qualquer que seja o resultado das seguintes – porque é testemunha de Jeová e tem «os seus princípios» (sic). Expliquei-lhe que também tenho os meus, talvez em parte porque não sou testemunha de Jeová. Esgotei, julgo que absolutamente em vão, todos os meus argumentos, numa conversa que não foi fácil até porque ela tem uma inteligência acima da média.Nunca foi Miss Angola nem governadora dos muceques de Luanda, nunca se candidatará a VP de coisíssima nenhuma, já andou por vários países a fugir da guerra e da miséria, passa horas em transportes para vir dos confins onde mora até Lisboa, pede-me quase sempre que lhe pague ainda o mês vai a meio porque já tem a carteira vazia.Hei-de perguntar-lhe amanhã se, no caso de ser americana, votava num negro como ela ou numa mulher que não aborta, também como ela. Tenho medo da resposta.


No início de 2007, tive uma inesperada conversa com a pessoa que me ajuda a manter esta casa em estado de limpeza e de arrumação minimamente aceitáveis. Interpelou-me então, acaloradamente, quando viu sacos com panfletos, pins e bandeiras a favor da despenalização do IVG – que nem queria acreditar que eu defendesse tais ideias, que era um crime matar crianças e tudo o resto que eu aturava dia e noite fora de portas mas que não esperava que me entrasse pela casa dentro.Voltámos agora ao tema porque ela tem 43 anos, vai no quarto mês de uma nova gravidez (a quarta), fez uma primeira eco com resultados duvidosos, mas terá a criança qualquer que seja o resultado das seguintes – porque é testemunha de Jeová e tem «os seus princípios» (sic). Expliquei-lhe que também tenho os meus, talvez em parte porque não sou testemunha de Jeová. Esgotei, julgo que absolutamente em vão, todos os meus argumentos, numa conversa que não foi fácil até porque ela tem uma inteligência acima da média.Nunca foi Miss Angola nem governadora dos muceques de Luanda, nunca se candidatará a VP de coisíssima nenhuma, já andou por vários países a fugir da guerra e da miséria, passa horas em transportes para vir dos confins onde mora até Lisboa, pede-me quase sempre que lhe pague ainda o mês vai a meio porque já tem a carteira vazia.Hei-de perguntar-lhe amanhã se, no caso de ser americana, votava num negro como ela ou numa mulher que não aborta, também como ela. Tenho medo da resposta.

marcar artigo