Caroço de tangerina: Sofro, logo existo

21-05-2011
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Não sei a razão, e deduzo que não exista, pelo menos se a entendermos como a faculdade de estabelecer relações lógicas, mas a verdade é que gostamos de sofrer por amor. Não no sentido de o desejarmos, mas porque faz parte da natureza humana sentirmos algum prazer em termos pena de nós próprios. O nosso sofrimento é sempre maior e mais profundo do que o de qualquer outra pessoa, e isso é de certa forma dignificante. Andamos pela rua a dizer baixinho "sim, olha para mim, até pareço uma pessoa normal, não é?, só que nem imaginas o desastre que sou por dentro". Somos nós que temos a vida estilhaçada e isso dá-nos uma certa autoridade perante os outros. Ninguém sofre - ou sofreu ou sofrerá - como nós. E vai daí vamos alimentando esse sofrimento, para não corrermos o risco de perder a vantagem. As músicas tristes são sempre uma boa companhia nessas alturas. É só carregar no Play e torna-se impossível ver qualquer beleza no mundo. Tudo é negro e definitivo. O choro reflectido numa qualquer superfície espelhada costuma igualmente ajudar, e reler emails, sms ou cartas também funciona bastante bem. Ou procurar pela casa os presentes oferecidos. E, claro, relembrar aqueles momentos tão bons. Nessa altura, até os maus momentos parecem bons. E o pior que nos podem dizer é que o tempo cura tudo ou, ainda mais grave, que foi o melhor que nos podia ter acontecido. Mas quem é que quer saber disso se o dia amanheceu cinzento e com promessa de chuva?


Não sei a razão, e deduzo que não exista, pelo menos se a entendermos como a faculdade de estabelecer relações lógicas, mas a verdade é que gostamos de sofrer por amor. Não no sentido de o desejarmos, mas porque faz parte da natureza humana sentirmos algum prazer em termos pena de nós próprios. O nosso sofrimento é sempre maior e mais profundo do que o de qualquer outra pessoa, e isso é de certa forma dignificante. Andamos pela rua a dizer baixinho "sim, olha para mim, até pareço uma pessoa normal, não é?, só que nem imaginas o desastre que sou por dentro". Somos nós que temos a vida estilhaçada e isso dá-nos uma certa autoridade perante os outros. Ninguém sofre - ou sofreu ou sofrerá - como nós. E vai daí vamos alimentando esse sofrimento, para não corrermos o risco de perder a vantagem. As músicas tristes são sempre uma boa companhia nessas alturas. É só carregar no Play e torna-se impossível ver qualquer beleza no mundo. Tudo é negro e definitivo. O choro reflectido numa qualquer superfície espelhada costuma igualmente ajudar, e reler emails, sms ou cartas também funciona bastante bem. Ou procurar pela casa os presentes oferecidos. E, claro, relembrar aqueles momentos tão bons. Nessa altura, até os maus momentos parecem bons. E o pior que nos podem dizer é que o tempo cura tudo ou, ainda mais grave, que foi o melhor que nos podia ter acontecido. Mas quem é que quer saber disso se o dia amanheceu cinzento e com promessa de chuva?

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