Clube de Reflexão Política: Casamentos e referendos... resquícios do Estado Novo?

28-05-2010
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Hoje (05.01.10) a plataforma pró-referendo entregou na Assembleia da República uma petição, com cerca de 90.000 assinaturas exigindo a marcação de um referendo, imagine-se, a uma liberdade individual. Um referendo cuja única finalidade é perguntar à nação se considera que alguns cidadãos podem, como todos os outros, usufruir de um mesmo conjunto de direitos, liberdades e garantias.

Isto, mesmo à revelia do que na CRP se assume como garantido, ou seja, que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” (Artº. 13º - Princípio da Igualdade – CRP)

Ora, de que se trata esta petição na sua mais profunda natureza? Trata-se, claro está, da tentativa de legitimar, através da obrigação da abertura da discussão no Parlamento, de um conjunto de preconceitos religiosos e pró-reacionários. Perfeitos resquícios do Estado Novo.

Se a CRP estabelece o laicismo de Estado parece-me no mínimo paradoxal que no artigo 1587º do Código Civil (Casamento católico e civil) se afirme que (1) O casamento é católico ou civil (o casamento é civil e ponto final! O que se passa na Igreja é uma cerimónia tão credível como o que acontece numa mesquita, numa sinagoga ou num ritual de casamento cigano); e que (2) A lei civil reconhece valor e eficácia de casamento ao matrimónio católico (…).” Não obstante estas considerações legais, a verdade é que o legislador dá, naturalmente, primazia à lei ao afirmar que se considera como Casamento o matrimónio católico. Ou seja, apesar do casamento ser um contracto civil, a lei reconhece legitimidade ao matrimónio católico. É o matrimónio católico que é reconhecido (ou seja, se submete) perante a lei, geral e universal, sendo-lhe reconhecida a mesma legitimidade do casamento civil.

Não está em causa a iniciativa de um conjunto de cidadãos pedir que o parlamento se pronuncie acerca de determinado assunto. O que está em causa é o assunto em particular.

Estes cidadãos estão, em suma, a pedir aos deputados, que se abstenham de votar algo para que foram mandatados e que retribuam ao povo o direito de se pronunciar relativamente a quê? A um assunto que mais não é do que um conjunto de direitos individuais. Individuais! Sim isso mesmo. Isto porque, quando votaram nas eleições legislativas, cerca de 90.000 eleitores se abstiveram de ler os programas eleitorais dos partidos que se propuseram alterar esta situação de pura injustiça social. Não leram, não perceberam, e agora querem emendar a mão.

É pura desonestidade querer comparar este pedido de referendo ao pedido de referendo à IVG. Para esta última, naturalmente que se justificou o referendo, uma vez que estava (e está) em causa a liberdade de uma mãe, e de um pai, porem termo a um processo de gravidez. Aqui estavam ainda envolvidos recursos públicos de saúde. A situação, pelo seu melindre, exigia que os portugueses se pronunciassem e expusessem directamente a sua posição relativamente a uma questão de consciência.

Porém, o casamento entre pessoas do mesmo género não é uma questão de consciência. Por isso é um absurdo que tenha que ser referendada. Mais. Com a legislação que temos já deveria ser inevitável que este tipo de casamento fosse aceite. Afinal, nada na lei o impede. Basta que se revejam os artigos referentes à adopção (que alguns entendem que deve ser restringida) e à sucessão de bens por heranças e a situação ficaria resolvida.

É tão legitimo pedir este referendo como pedir um referendo para que se vote a liberdade dos clérigos se casarem. É absurdo! Não querem casar-se, aceitam as regras da santa madre igreja, pois que aceitem. Não podem é com isso querer limitar a liberdade de outros que estão absolutamente alheios a essa realidade bafienta!

Rui Alexandre,
Politólogo


Hoje (05.01.10) a plataforma pró-referendo entregou na Assembleia da República uma petição, com cerca de 90.000 assinaturas exigindo a marcação de um referendo, imagine-se, a uma liberdade individual. Um referendo cuja única finalidade é perguntar à nação se considera que alguns cidadãos podem, como todos os outros, usufruir de um mesmo conjunto de direitos, liberdades e garantias.

Isto, mesmo à revelia do que na CRP se assume como garantido, ou seja, que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” (Artº. 13º - Princípio da Igualdade – CRP)

Ora, de que se trata esta petição na sua mais profunda natureza? Trata-se, claro está, da tentativa de legitimar, através da obrigação da abertura da discussão no Parlamento, de um conjunto de preconceitos religiosos e pró-reacionários. Perfeitos resquícios do Estado Novo.

Se a CRP estabelece o laicismo de Estado parece-me no mínimo paradoxal que no artigo 1587º do Código Civil (Casamento católico e civil) se afirme que (1) O casamento é católico ou civil (o casamento é civil e ponto final! O que se passa na Igreja é uma cerimónia tão credível como o que acontece numa mesquita, numa sinagoga ou num ritual de casamento cigano); e que (2) A lei civil reconhece valor e eficácia de casamento ao matrimónio católico (…).” Não obstante estas considerações legais, a verdade é que o legislador dá, naturalmente, primazia à lei ao afirmar que se considera como Casamento o matrimónio católico. Ou seja, apesar do casamento ser um contracto civil, a lei reconhece legitimidade ao matrimónio católico. É o matrimónio católico que é reconhecido (ou seja, se submete) perante a lei, geral e universal, sendo-lhe reconhecida a mesma legitimidade do casamento civil.

Não está em causa a iniciativa de um conjunto de cidadãos pedir que o parlamento se pronuncie acerca de determinado assunto. O que está em causa é o assunto em particular.

Estes cidadãos estão, em suma, a pedir aos deputados, que se abstenham de votar algo para que foram mandatados e que retribuam ao povo o direito de se pronunciar relativamente a quê? A um assunto que mais não é do que um conjunto de direitos individuais. Individuais! Sim isso mesmo. Isto porque, quando votaram nas eleições legislativas, cerca de 90.000 eleitores se abstiveram de ler os programas eleitorais dos partidos que se propuseram alterar esta situação de pura injustiça social. Não leram, não perceberam, e agora querem emendar a mão.

É pura desonestidade querer comparar este pedido de referendo ao pedido de referendo à IVG. Para esta última, naturalmente que se justificou o referendo, uma vez que estava (e está) em causa a liberdade de uma mãe, e de um pai, porem termo a um processo de gravidez. Aqui estavam ainda envolvidos recursos públicos de saúde. A situação, pelo seu melindre, exigia que os portugueses se pronunciassem e expusessem directamente a sua posição relativamente a uma questão de consciência.

Porém, o casamento entre pessoas do mesmo género não é uma questão de consciência. Por isso é um absurdo que tenha que ser referendada. Mais. Com a legislação que temos já deveria ser inevitável que este tipo de casamento fosse aceite. Afinal, nada na lei o impede. Basta que se revejam os artigos referentes à adopção (que alguns entendem que deve ser restringida) e à sucessão de bens por heranças e a situação ficaria resolvida.

É tão legitimo pedir este referendo como pedir um referendo para que se vote a liberdade dos clérigos se casarem. É absurdo! Não querem casar-se, aceitam as regras da santa madre igreja, pois que aceitem. Não podem é com isso querer limitar a liberdade de outros que estão absolutamente alheios a essa realidade bafienta!

Rui Alexandre,
Politólogo

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