Fernando Madrinha

02-01-2011
marcar artigo

Pág. 1 de 19 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág. Pobreza de campanha Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 31 de Dezembro de 2010 O discurso dos candidatos sobre a pobreza serve para pouco mais do que disfarçar a pobreza da campanha. Se Fernando Nobre não fosse candidato, talvez a pobreza não tivesse entrado na campanha presidencial com tanta força e logo de início, apesar de a crise e a quadra serem propícias. A candidatura de alguém com o perfil do presidente da AMI teve o mérito de levar as restantes a darem uma atenção especial aos pobres, independentemente de serem genuínas as suas preocupações sociais e de cada um ter, neste domínio, pergaminhos para apresentar. O atual Presidente tem-nos, como lembrou Paulo Portas com o exemplo do 14º mês dos reformados, instituído por um dos seus governos, e como o atestam os roteiros para a inclusão, já em Belém. Mas duvida-se que, fora desta campanha eleitoral, tivesse apadrinhado o casamento de dois sem-abrigo e a distribuição das refeições que os restaurantes não vendem. Ou que viesse dizer que todos temos de nos sentir envergonhados com a existência de fome em Portugal, não acrescentando que alguns devem ter mais vergonha do que os restantes. Sem a candidatura de Fernando Nobre e a atenção às questões da solidariedade a que ela obrigou os seus concorrentes, também o primeiro-ministro não teria vindo a terreiro criticar aqueles que "não resistem à exploração mais descarada da pobreza", visando com isto Cavaco, mas visando especialmente o presidente da AMI ao atacar os que tomam a pobreza como "uma indústria" para retirar dela dividendos políticos. É verdade que a solidariedade e as organizações não-governamentais em geral se transformaram numa espécie de indústria. Mas essas organizações só existem porque atuam lá onde o Estado falhou, isto é, onde falharam os políticos. Que o líder de uma dessas organizações tente converter em força política a notoriedade alcançada no seu trabalho humanitário, como sucede com Fernando Nobre, pode ser uma via pouco ortodoxa de acesso ao poder, mas não é menos legítima. Pelo contrário, ele tem a legitimidade reforçada de quem não precisou do poder do Estado para fazer prova da sua entrega à causa da solidariedade. Sucede, além disso, que, em política, todos tentam sempre retirar dividendos da pobreza, seja quando apenas a lamentam, seja quando a combatem e se vangloriam de a ter combatido. Aliás, não foi somente por indignação pessoal com o aproveitamento político da pobreza que Sócrates entrou na campanha presidencial. Foi também com o cálculo político de desacreditar os dois adversários que mais danos causam ao seu candidato, Manuel Alegre, e à sua difícil missão de chegar a uma segunda volta. Numa sociedade onde há 20 por cento de pobres, onde muitos mais vivem com grandes dificuldades e onde a miséria tende a alastrar com a crise, mal seria que a pobreza não surgisse como tema forte das presidenciais. Mas, sabendo-se que o Presidente não governa, o pior serviço que os candidatos podem prestar aos pobres e a si próprios é não desfazerem este equívoco que o seu discurso alimenta. É fingirem que o combate à pobreza vale como desígnio e programa político quando o que aí temos é pobreza de campanha, isto é, uma simples bandeira para disfarçar ...a pobreza da campanha. Um buraco sem fundo

Ainda há pouco o ministro das Finanças não sabia onde cortar 500 milhões de despesa do Estado para satisfazer os compromissos assumidos com o PSD na negociação do Orçamento e cumprir o défice prometido. Agora tem na secretária um pedido de mais 500 milhões para aplicar num banco falido, não porque tenha sido apanhado pela especulação financeira internacional, mas porque foi usado para encher a pança, como diria Ary dos Santos, a um bando de ex-políticos rapaces disfarçados de banqueiros. A avaliar pelo que disse o ministro sobre os 500 milhões do Orçamento, com mais 500 milhões para o BPN o Governo não cumprirá o défice previsto para 2011. A não ser que, lá para o meio do ano, vá buscar esse dinheiro ao bolso dos contribuintes. A questão que se coloca, além de saber se todos os responsáveis e beneficiários desta burla gigantesca serão alguma vez chamados a responder, não só criminalmente mas com a devolução dos milhões que acumularam, é até quando - e até quanto - está o Governo decidido a enterrar dinheiro dos contribuintes. Estranha-se o silêncio do ministro sobre o que foi feito nestes dois anos e o que tenciona fazer com o BPN, quase tanto como se estranha o silêncio de Cavaco Silva, no debate com Francisco Lopes, quando confrontado com este caso. E estranha-se, sobretudo, que, não tendo nacionalizado em devido tempo a SLN, a empresa cujas ações davam ótimos rendimentos e que, pelos vistos, era a parte boa do grupo, o Governo não corra a nacionalizá-la agora para que o Estado recupere o que for possível dos milhares de milhões deitados neste buraco sem fundo. O Governo e a nação

Os comerciantes, habitualmente queixosos e pessimistas, não têm aparecido nas televisões, como aparecem todos os anos, a dizer que o Natal é uma desgraça. A SIBS explica porquê: só na semana passada, foram gastos 800 milhões em compras através dos terminais de pagamento (mais 4,8 por cento do que em 2009) e levantados 600 milhões nas caixas Multibanco (mais 1,6 por cento). Eis a prova que faltava da sintonia total entre o Governo e a nação: ambos sabem que precisam de poupar, mas não sabem onde cortar. Nem querem saber. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 23 de dezembro de 2010 Trabalhar para a abstenção Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 24 de Dezembro de 2010 A eleição presidencial ocorre na semana de janeiro em que a maioria dos funcionários públicos vai receber o seu primeiro vencimento reduzido, no fim de um mês em que foram confrontados, eles e todos os trabalhadores portugueses, com aumentos generalizados e significativos. Como se repercutirá na votação esse estado de espírito forçosamente negativo é uma das grandes curiosidades eleitorais. Mas não admirará se a abstenção, por alheamento ou como protesto, for um dos resultados mais relevantes. Neste quadro, os debates televisivos, embora distantes do dia do voto e com as Festas de permeio, têm a sua importância como fatores de mobilização eleitoral. Mas quem viu os dois primeiros só pode ter-se sentido ainda mais... desmobilizado. Francisco Lopes, mais baço do que se previa, dificilmente vai chegar ao próprio eleitorado do PCP; Fernando Nobre tenta disfarçar com agressividade contra os políticos a sua falta de consistência política; Defensor Moura é uma figura cordata que pode ter lá os seus votos em Viana, mas pouco ou nada pesará nos resultados e Manuel Alegre vive o drama do candidato tolhido na sua liberdade pelos apoios partidários que recebeu. Falta ver se Cavaco Silva deixa de contribuir também para a abstenção, com declarações infelizes como a de dizer que a fome existente no país deve envergonhar todos os portugueses. São os responsáveis políticos das últimas décadas, entre os quais se inclui, que têm de se sentir envergonhados. Despedimentos baratos

A ideia de facilitar os despedimentos, tornando-os mais baratos para as empresas, quando o desemprego é a maior chaga social do nosso tempo tem o seu quê de intrigante. Sobretudo porque a iniciativa partiu de um Governo que se afirma de esquerda, paladino do Estado social, defensor dos direitos adquiridos e não daquela direita a que o mesmo Governo logo chamaria troglodita se lhe tivesse ocorrido uma tal proposta. Quando um Executivo socialista se mostra mais criativo do que a direita e as confederações patronais na busca de facilidades para despedir, a conclusão só pode ser a de que perdeu o respeito ideológico por si próprio e aquele mínimo de coerência a que devia sentir-se obrigado. Ou, então - hipótese mais provável e cumulativa -, já não é ele quem governa. Limita-se a aplicar decisões que lhe sopram ou lhe impõem do exterior. Parece que o exemplo vem da Espanha socialista, esse farol de modernidade onde, por sinal, o desemprego galopa para lá dos 4 milhões de pessoas, 20% da população ativa. Mas o mais certo é Sócrates e Zapatero terem bebido na mesma fonte de inspiração de Bruxelas, que é de onde brotam a maior parte das ideias luminosas que estão a provocar profundas ruturas sociais na Europa e a mergulhar o continente na contestação e na violência. A obsessão dos eurocratas com as leis laborais não tem outra explicação que não sejam a ideologia ou o preconceito, visto que nem o patronato português, nem o patronato estrangeiro instalado em Portugal já consideram essa legislação um obstáculo. Ao seguir de forma acrítica os ditames daquela gente, o Governo vai cavando a sua própria sepultura e - o que é mais grave - vai destruindo o que resta de equilíbrio e coesão social entre nós. Danos colaterais

Um dos argumentos mais invocados para legitimar o processo de descredibilização da diplomacia dos EUA ensaiado pelo WikiLeaks, com os danos colaterais que estão à vista, é o de que, desta vez, os seus mentores não se limitaram a pôr na Net os telegramas pirateados. Parte deles foram entregues a jornais de referência que os divulgam em primeira mão. Só por si, o prestígio desses órgãos de informação não transforma em jornalismo de alta craveira a publicação dos telegramas em causa. Até porque estes têm sido editados, sim, mas sem tratamento jornalístico digno desse nome. Os textos são resumidos e enquadrados, mas nem os visados nem os autores, nem outras figuras da notícia são confrontados com eles. E nenhuma investigação adicional acrescenta o que quer que seja aos documentos originais. Uma vez que a autenticidade dos telegramas parece não estar em causa, é certo que dificilmente algum jornal desprezaria a oferta de Julien Assange. Mas, sendo praticamente nulo o seu contributo jornalístico para a procura da verdade, esses prestigiados meios acabam, afinal, por se reduzir à condição pouco prestigiante de megafones da WikiLeaks. Os telegramas em questão são relatos pessoais, necessariamente parcelares e eventualmente parciais, onde nem sempre se citam as fontes e onde se misturam factos com interpretações e opiniões. Daí que os visados, sejam culpados ou inocentes das malfeitorias que lhes atribuem, respondam tão facilmente com desmentidos, algo que lhes seria bastante mais difícil se, em vez do correio de um embaixador, estivéssemos perante uma investigação jornalística séria. Do ponto de vista de Julien Assange, a entrega dos telegramas aos cinco magníficos - "The New York Times", "The Guardian", "Le Monde", "El País" e "Der Spiegel" - foi um excelente negócio: dá força e credibilidade à sua luta. Do ponto de vista dos jornais em causa, embora se compreenda que a oferta era difícil de recusar, isso não quer dizer que estejamos perante uma página gloriosa do jornalismo mundial. Pelo contrário, a sua opção fez do jornalismo uma das vítimas de danos colaterais nesta guerra aos EUA declarada pelo WikiLeaks. fjmadrinha@hotmail.com Texto publicado na edição do Expresso de 18 de dezembro de 2010 Quem paga, manda Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 17 de Dezembro de 2010 Ficamos a saber hoje por Bruxelas aquilo que, mesmo contrariado, o Governo vai fazer amanhã. Uma das descobertas mais penosas desta crise é a confirmação de algo que o país pressentia há muito, mas que a dependência extrema em que nos encontramos veio tornar brutal e chocante: o Governo português - o atual e os que venham a suceder-lhe - deixou de mandar em Portugal. Os conselhos, as sugestões (ou as ordens?), que antes eram feitas em telefonemas discretos ou no recato das salas de reunião, chegam-nos agora, a nós e ao mundo inteiro, através da televisão. Hoje é o comissário europeu para a Economia, amanhã o presidente do Eurogrupo, no dia seguinte o presidente do Banco Central Europeu, todos têm "recomendações" a fazer, não já quanto a orientações de ordem geral, mas na definição de políticas concretas, como sucede com as leis laborais. Ficamos a saber hoje por Bruxelas aquilo que, mesmo contrariado, o Governo de Lisboa vai fazer amanhã. Enquanto o ministro das Finanças desaparece de circulação e já se limita a dar as Boas-Festas aos correspondentes, um primeiro-ministro cada vez mais só dá uma no cravo e outra na ferradura, ou mesmo o dito por não dito, expondo, com toda a crueza, a imagem de um Governo a reboque do diretório europeu. Tinha que ser assim? Talvez não se o ano de 2009 não tivesse sido ano de eleições e José Sócrates não as tivesse querido ganhar. Ou se os grandes da Europa não começassem a ficar também aflitos, com a própria Alemanha já na linha de fogo dos mercados. Agora é tarde. Só que esta forma de tratar um parceiro em dificuldades não deixa de ser humilhante, por mais que Bruxelas fale em nome de Lisboa, por ser público e notório que a voz de Lisboa pouco ou nada conta para os credores. Quem paga, manda, disse recentemente Manuela Ferreira Leite na Assembleia da República a propósito dos mercados. Isso mesmo se pode dizer hoje sobre o Banco Central Europeu, que substitui os mercados ao financiar-nos e ao comprar a nossa dívida. Mas a dignidade dos Estados-membros sempre foi acarinhada pelos pais fundadores da UE. Alguém devia lembrar esse bom princípio à comandita de Bruxelas. Justa celebração

Quando caiu a ministra Maria de Lurdes Rodrigues e, sobretudo, quando a sua sucessora começou a comprar com cedências várias a sempre efémera paz no Ensino, disse-se e escreveu-se, inclusive nesta página, que José Sócrates também deu um trambolhão. Isto porque o primeiro-ministro não se tinha limitado a ser solidário com as políticas da ex-ministra da Educação: empenhou-se pessoalmente e deu a cara por elas desde o primeiro ao último dia, mesmo quando Maria de Lurdes Rodrigues, tendo razão quanto ao essencial, já havia sido derrotada. Nessa altura, Sócrates pagou um custo político elevado. Agora que um estudo da OCDE, o PISA 2009, demonstra a bondade de algumas dessas políticas, apesar de o líder da Fenprof não o querer admitir, é justo reconhecer ao primeiro-ministro o direito à celebração. Tanto mais que o estudo em causa não é um mero registo estatístico, nem se baseia em dados suspeitos, ou de rigor duvidoso. Trata-se de testes reais efetuados por estudantes portugueses que, em circunstâncias idênticas, responderam a perguntas idênticas feitas a colegas da mesma idade e do mesmo nível de ensino um pouco por todo o mundo. Os resultados indicam melhorias assinaláveis, fazendo Portugal subir várias posições no ranking da OCDE. Não se pode atacar e responsabilizar o Governo sempre que os resultados são maus, mas aplaudir só os professores quando os resultados são bons. E quem tem menos autoridade moral e política para o fazer é precisamente a Fenprof, visto que esteve sempre contra as opções da ex-ministra, mobilizando os professores para greves e manifestações, mas pouco ou nada fazendo em prol do seu melhor desempenho. Nem precisava de o fazer, valha a verdade, porque os bons professores - tal como os maus - sempre existiram. São eles e os alunos quem deve partilhar com a ex-ministra e o chefe do Governo a celebração deste pequeno mas significativo progresso. Mal seria que o país ficasse deprimido quando os resultados são maus e ficasse igualmente deprimido quando são bons só porque amanhã podem voltar a ser menos bons. Jardim vezes dois

A jogada de Carlos César para "comprar votos" nos Açores, como disse Alberto João Jardim, é típica do chico-espertismo que domina a sociedade portuguesa e que se tornou norma de conduta de muitos altos responsáveis, no Estado, nas instituições e nas empresas. É por isso que cada vez menos se discute política entre nós e cada vez mais se discutem os lastimáveis comportamentos de políticos e de outras figuras gradas da nossa vida pública. A remuneração compensatória para que os funcionários da região que ganhem entre 1500 e 2000 euros não sejam atingidos pela redução de vencimentos prevista para toda a Administração Pública é uma artimanha que denota mais descaramento do que "sensibilidade social", como lhe chamou Manuel Alegre. E a forma desabrida como César reagiu às declarações do Presidente da República não é mais do que uma tentativa canhestra de virar o bico ao prego. É verdade que Cavaco Silva se calou demasiadas vezes perante os desmandos de Jardim, assim como é verdade que Sócrates nunca demonstrou com Jardim, exceto no desastre de fevereiro, a complacência que agora tem para César. Mas o problema para Portugal é que se um Jardim já é difícil de tolerar, dois é francamente de mais. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 11 de dezembro de 2010 Nas mãos da PT Fernando Madrinha 0:00 Sexta feira, 10 de Dezembro de 2010 Um Governo que salva o défice com o dinheiro da PT fica nas mãos da PT. A isto se resume a triste história dos dividendos sem impostos. Dizem que é uma forma simplista de olhar a realidade, mas a realidade é muito teimosa: no mesmo país onde se discute se o salário mínimo deve ser aumentado um pouco mais de oitenta cêntimos por dia e o Governo hesita, há empresas que embolsam milhões sem que o Estado lhes cobre um cêntimo de imposto. Argumenta-se que isto acontece há muitos anos e que se trata de uma espécie de direito adquirido, pelo que seria crime de lesa-capital pôr o fisco, sempre tão lesto e eficaz a cobrar uns poucos de euros ao assalariado, a fazer o seu trabalho no caso dos dividendos. Ora, a um Governo que ainda se declara socialista e que já eliminou ou pôs entre parêntesis tantos direitos adquiridos dos mais fracos, através de legislação ad hoc, não faltaria autoridade moral para taxar desde já os grandes lucros. O que lhe falta é coragem e força política, como se prova pelo facto de o primeiro-ministro dizer uma coisa na TVI e o grupo parlamentar fazer o contrário no Parlamento. Tudo se tornaria mais fácil se no centro da querela não estivesse a PT. Mas como pode um Governo que só salvará o défice de 2010 com o fundo de pensões da PT exigir aos acionistas da mesma PT que esperem por 2011 para pagarem mais impostos? Por mais que Francisco Assis se abespinhe é esta triste realidade que o obriga a um contorcionismo político capaz de lhe matar as ambições no pós-socratismo. O 'escândalo' Amado

O ministro dos Negócios Estrangeiros teve um comportamento exemplar no 'escândalo' desta semana: o caso do telegrama da embaixada dos EUA em Lisboa que foi divulgado com estrondo e aplauso de alguns sectores. O que diz esse telegrama? Que os EUA terão pedido a Portugal que permitisse o repatriamento de presos de Guantánamo através do espaço aéreo nacional. E que o Governo terá respondido - a mensagem apenas refere que esta é a "interpretação" que o Executivo faz da lei - com a exigência de garantias, por escrito, da parte dos países de destino, de que os presos não seriam torturados nem condenados à morte, pedindo ainda o compromisso, da parte dos EUA, de que eles seriam tratados de acordo com as convenções internacionais. Não sabemos se essas garantias foram dadas porque disso não fala o telegrama. Mas quanto ao que ele revela só há razões para felicitar o ministro pela forma irrepreensível como tratou o assunto. Mal se percebe, por isso, o motivo de tão grande excitação daqueles que se têm esforçado por crucificar Luís Amado. A menos que conheçam factos que não vieram a público, ou, então, que queiram pedir esclarecimentos sobre o conselho que o autor do telegrama dá a Washington para que o ministro português seja "muito acarinhado", o que parece, de facto, um excesso, mesmo tratando-se de um aliado... Tudo isto está, afinal, ao nível do mexerico em larga escala a que, até agora, se resumiu a maior parte das revelações do WikiLeaks. Que os seus mentores se arvorem em último farol do jornalismo quando mais não fazem do que espionagem e contrabando político, eis o que não deixa de ser prova de uma grande lata. A voz de um homem livre

Ernâni Lopes foi o ministro das Finanças que aplicou as políticas mais duras e austeras que o país conheceu, em democracia, até à crise em que está hoje mergulhado. Fê-lo com a determinação daqueles que, além da competência técnica e do conhecimento da natureza humana, sabem encarar o trabalho político como ele tem de ser encarado: como um serviço público perante o qual cedem todos os interesses particulares ou de grupo, sejam os de uma classe profissional, os de um partido político, ou os do próprio Governo, visto não haver nenhum que goste de tomar medidas impopulares. Ernâni Lopes prezava a sua independência e foi como independente que serviu nos dois postos que o trouxeram para o primeiro plano da vida pública: como um dos principais negociadores da entrada de Portugal na CEE, enquanto embaixador, e, depois, como ministro das Finanças do célebre bloco central. As duas missões sucederam-se no tempo e estão interligadas, pois se a primeira consistiu em pôr no papel os compromissos para a adesão, a segunda serviu para, no terreno, preparar a integração europeia, regulando as finanças públicas com o acompanhamento do FMI e criando o quadro económico e institucional necessário para que ela se cumprisse no prazo mais curto possível. Ernâni Lopes foi, assim, um dos artífices maiores do sonho europeu de Portugal e não deixa de ser irónico que parta num momento em que ele ameaça ruína. Se a intervenção política de Ernâni deixou marcas fortes, a sua intervenção cívica não deixou menos. Durante muito tempo manteve a rotina de uma grande entrevista anual ao caderno de Economia do Expresso, mas as suas preocupações centravam-se, já então, menos na economia pura e simples e muito mais nas atitudes e comportamentos que a condicionam, ao mesmo tempo que degradam a vida pública - a corrupção e o amiguismo, a partidarite e a promiscuidade entre o poder e os negócios, por exemplo. Pode-se dizer até que a moralização da vida pública foi a sua batalha principal nos últimos anos, a par da que travou contra a doença. Homem de princípios e de valores, de uma "absoluta integridade", como escreveu o Presidente da República, Ernâni Lopes parte quando mais precisamos de vozes desassombradas, lúcidas e corajosas como a sua. A voz de um homem livre, que é do que temos cada vez mais falta. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 4 de dezembro de 2010 Contra a fome Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 3 de Dezembro de 2010 Os deserdados do célebre Estado Social já batem à porta das instituições de solidariedade. Milhares de voluntários organizados pela rede do Banco Alimentar contra a Fome voltam este fim de semana aos supermercados de todo o país para mais uma operação de recolha de alimentos. Vão pedir a contribuição de todos - dos que têm muito e dos que ainda têm um pouco mais do que precisam - para aqueles que se encontram no limiar da sobrevivência. Os alimentos recolhidos serão, em seguida, canalizados para instituições particulares de solidariedade social (IPSS), as quais, por sua vez, os distribuirão a perto de 300 mil beneficiários. Acontece que, além das que já recebem auxílio, mais de cinco mil famílias estão a bater à porta das instituições, exauridas por força da procura. E não sabemos quantas mais o farão dentro de uns meses, quando as políticas de austeridade agora aprovadas começarem a produzir os seus efeitos. São reformados com pensões irrisórias, desempregados com subsídio exíguo ou já sem direito a subsídio algum, trabalhadores com salários de miséria, homens e mulheres encurralados pela crise, ou pela ilusão de prosperidade acalentada durante anos a fio por políticos e banqueiros, negociantes e publicitários. São os deserdados do célebre Estado social, que acabou para eles muito antes de vir a ser dado como extinto. O seu desespero e a fome dos seus filhos encontram-se agora em listas de espera. À espera de uma ajuda que só será eficaz se for praticada em larga escala e organizada por quem sabe fazê-lo. Por quem, acima de tudo, consegue potenciar o capital mais valioso de uma comunidade, felizmente ainda grande em Portugal, que é a capacidade de ser solidário. Numa sociedade perfeita, os bancos alimentares e as IPSS seriam dispensáveis. Infelizmente, as cinco mil famílias que estão à porta da miséria, mais os milhares que provavelmente se lhes juntarão em breve, não podem esperar por essa sociedade perfeita. Daí que a prática da solidariedade tenha deixado de ser uma opção mais ou menos reservada à consciência de cada um; tornou-se um imperativo urgentíssimo da nossa consciência coletiva. Um desabafo

Uma greve em Portugal é sempre um êxito retumbante, se forem os sindicatos a falar, ou um fracasso absoluto, se as contas forem do Governo. Mas quer tenham sido três milhões os "envolvidos" na greve geral desta semana, como disse, sibilino, o secretário-geral da CGPT, quer tenham sido centenas de milhar, como sugerem os cálculos do Governo, o descontentamento é grande. É, aliás, muito maior do que qualquer greve pode dar a entender, pelo que nem era preciso convocá-la. A questão que se coloca é a de saber para que serviu e contra quem foi decretada. Contra o Governo certamente, enquanto autor material das malfeitorias da austeridade. Mas nem os próprios sindicatos acreditam que ele possa mudar algo de substancial em relação ao que está previsto. Pela simples razão de que, verdadeiramente, o Governo já não manda no Orçamento. Podia ter tido inteligência e sensibilidade para distribuir melhor alguns dos sacrifícios e não sobrecarregar tanto os mais fracos. Essa era a sua margem de decisão própria. Agora é tarde para voltar atrás e, mais adiante, quando vier uma nova avalanche de medidas, não se sabe se será exatamente o Governo a decidi-las. A greve foi, assim, pouco mais do que um desabafo. Um protesto suave e civilizado perante uma grande aflição em perspetiva. Mas não deve o Governo iludir-se com tanta serenidade. A capacidade de resistência das pessoas só a partir de agora vai ser testada e nem os sindicatos sabem até que ponto conseguirão impor a sua moderação. Esbulhar o cliente

Os clientes da EDP que não olham para a fatura com atenção - decerto a esmagadora maioria - ficaram a saber esta semana que quase metade do que pagam pouco ou nada tem a ver com a eletricidade que consomem. Quarenta e dois por cento são 'custos de interesse económico geral', como se pode ler na fatura, a qual não indica, porém, a que itens em concreto correspondem esses custos. Um deles é o fomento das energias renováveis, que vale 800 milhões de euros anuais, quase exclusivamente pagos pelos consumidores domésticos, segundo a Deco. É essa verba que permite à EDP gastar milhares de milhões na compra de empresas nos EUA, além de, é claro, pagar ao ex-ministro Manuel Pinho para ministrar o célebre curso sobre energias renováveis na Universidade de Columbia. Nessa tal rubrica que corresponde a quase metade do valor total da fatura cabem também as rendas que a EDP paga aos municípios e a amortização daquilo a que chama défice tarifário acumulado. Diz a Deco, promotora de uma petição contra estes pagamentos extra, que bastaria reduzi-los em 10% para que, em vez do aumento de 3,8% previsto para 2011, os consumidores pudessem pagar menos 5% do que pagam hoje. A fatura da eletricidade tornou-se numa espécie de árvore de Natal, como dizia Teixeira dos Santos a propósito das deduções fiscais: desde que um antigo ministro, Almeida Santos, se lembrou de pôr lá a taxa da RTP e da RDP, cada Governo vai pendurando mais um custo para o consumidor de eletricidade e um rendimento adicional para a EDP. Vivendo ela em regime de quase monopólio e contando com esta colaboração empenhada do Governo para esbulhar os clientes, não admira que os seus administradores sejam geniais e com direito a prémios de milhões. Texto publicado na edição do Expresso de 27 de novembro de 2010 Aliados à força? Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 26 de Novembro de 2010 É pena que, em vez de refletir no que diz Amado, o país político discuta as suas motivações. À parte a questão insólita de ser o "número dois" de um Governo a reconhecer que, nas atuais circunstâncias, esse mesmo Governo já não vai lá sem ajuda - por isso pede "uma grande coligação" com caráter de urgência -, a entrevista de Luís Amado ao Expresso tem um mérito que não foi devidamente sublinhado. É o de trazer a debate uma ameaça de que o país ainda não tem consciência e que nem o primeiro-ministro nem o ministro das Finanças alguma vez admitiram com esta clareza: a de que, a pretexto da crise, está lançada, a partir da Alemanha, uma "dinâmica de reconfiguração" da Europa. E Portugal pode ficar de fora se não cumprir, em matéria de défice e de dívida, regras idênticas às que a mesma Alemanha começou por estabelecer para si própria. Até hoje, o Governo não se deteve nesta vertente da crise e nas suas possíveis consequências. Por razões compreensíveis: nenhum primeiro-ministro gostaria de ficar para a História como coveiro do euro português, além de que assumir o risco de uma calamitosa saída do eurogrupo corresponderia a cavar a sua própria sepultura eleitoral. Da mesma forma que o reconhecimento público dessa possibilidade pelo ministro das Finanças seria a confissão do seu fracasso absoluto e só faria sentido em simultâneo com um pedido de demissão. Amado diz o que Sócrates tem calado porque, ao contrário do primeiro-ministro, não tem um partido para dirigir, com todos os seus interesses políticos e eleitorais. Mas é por ter consciência das perspetivas que se apresentam ao país que o ministro faz o seu apelo dramático a um acordo político estável. Algo por que o Governo inteiro devia ter-se batido desde o início, em vez de entrar numa disparatada lógica de confronto e resistência política a pensar em eleições antecipadas. Num mundo perfeito, o toque a rebate do MNE teria tido outro eco, visto tratar-se de alguém com conhecimento e informação privilegiada de múltiplas proveniências e, ao mesmo tempo, com menos envolvimento direto nos assuntos internos e no combate partidário. Talvez o país político devesse dar-lhe um pouco de atenção antes de se pôr a conjeturar sobre as motivações pessoais que o possam ter levado a falar. Mas as coisas são o que são. E Amado falha porque o seu apelo à concórdia, ou, pelo menos, a "um compromisso de boas maneiras", cai num ambiente já minado pela desconfiança total entre o Governo e o PSD, com este cada vez mais convencido de um regresso ao poder a breve prazo. Não há aliados à força e daí que o apelo do ministro, lido como uma perfídia, tenha, afinal, o seu quê de ingénuo. O partido da devassa

As escutas realizadas no âmbito de um processo judicial servem apenas para ajudar a Justiça a encontrar um criminoso. Verdade? Mentira. Em Portugal servem também para outros fins, incluindo o combate político. Se não, vejamos. O "Correio da Manhã" publicou no sábado excertos de uma conversa entre Edite Estrela e Armando Vara, supostamente gravada para o processo 'Face Oculta'. Mas essa conversa, que ocorre por altura das eleições europeias, nada tem que ver com sucata e corrupção. Os interlocutores falam sobre os eurodeputados do PS. E Estrela, líder do grupo, considera-os "insuportáveis": esta é uma "descabelada", a outra uma "fingida", aquele foi "uma má escolha", o outro é um "vaidosão". Nada disto tem que ver com o objeto da escuta, nem se descortina vestígio de crime: pura má-língua numa conversa privada. Mas é o bastante para, uma vez divulgada, desestabilizar um grupo parlamentar. Quem guardou as escutas, em vez de as destruir, e quem as encaminhou para um ou mais órgãos de informação, sabia que assim era. Fez política - e política baixa - com instrumentos postos nas mãos da Justiça para combater o crime. E é necessariamente alguém da Justiça que assim procede, visto ter sido a Justiça a ordenar as escutas e elas terem ficado à sua guarda. Como se tal não fosse já suficientemente grave, há jornais que se prestam a divulgar tudo o que lhes chega, ainda que o interesse público seja menos do que nulo. Isto acontece sem que juízes e procuradores, polícias e funcionários judiciais - os grupos que estão na primeira linha de suspeitos num caso como este - deem o menor sinal de incómodo. E sem que se oiça uma palavra crítica dos reguladores dos media nem dos órgãos representativos de uma classe, a dos jornalistas, que devia ser a primeira a distanciar-se desta institucionalização da devassa. Arrogância que mata

O ministro que esta semana leu, no encerramento de um congresso, o mesmo discurso que o seu secretário de Estado-adjunto tinha feito na abertura garantiu a entrada direta para o anedotário político nacional. Mas António Mendonça já merecia essa distinção. Ao anunciar o início das obras do TGV Poceirão-Caia para o primeiro trimestre de 2011, reservando para "momento oportuno" a ligação a Lisboa, tudo indica que deu um passo maior do que a perna, visto não se fazer ideia de quando será o tal "momento oportuno". Ignorou o acordo com o PSD sobre parcerias público-privadas e dispensou-se de qualquer explicação, fosse o risco de se perderem apoios da UE ou qualquer outro argumento, a existir. A arrogância política é um dos fatores que mais penalizam um Governo. Sobretudo quando exercida por alguém sem lastro nem legitimidade política própria que a justifique ou desculpe. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 20 de novembro de 2010 Um homem derrotado Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 19 de Novembro de 2010 Quando mais precisávamos de alguém seguro e incontestável, temos nas Finanças um homem cansado e um ministro derrotado. Fernando Teixeira dos Santos já foi a válvula de segurança deste Governo: quando tudo parecia correr mal - e corria mesmo, como sabemos agora -, dava uma entrevista à televisão e o nervosismo acalmava. Em novembro de 2008, o jornal "The Financial Times" considerou-o o pior ministro das Finanças entre 19 Executivos europeus. Mas nem isso abalou, em Portugal, o perfil de seriedade e competência que projetava e que manteve mais ou menos incólume até ao dia de 2009 em que veio admitir que um défice inicial de 3,9 por cento começou por resvalar para os 5,9 e acabou nos 9,3 por cento. Em circunstâncias normais, esse teria sido motivo suficiente para demissão, mas, infelizmente, desde há muito que não vivemos em circunstâncias normais. Entre as razões eleitorais e as razões da crise, como justificação para o descalabro orçamental, ficou alguma margem de dúvida. E o ministro, que tinha a seu crédito o êxito da redução do défice para 2,6 por cento em 2007, foi resistindo, até pela sua capacidade de manter a serenidade e o bom senso num Governo cada vez errático e inseguro. Desde então, com o fracasso dos PEC 1 e 2, mais o chamado "buracão" de 2010, algo parecido com dois mil milhões de euros, a confiança em Teixeira dos Santos declinou inexoravelmente. E é assim que, quando o país mais precisava de um ministro das Finanças seguro e incontestável, no plano interno e no plano externo, no plano político e no plano técnico, temos no Terreiro do Paço um homem cansado e um político derrotado. Por culpas próprias e alheias, já que, além dos condicionalismos externos, recaem sobre ele as culpas de todos os outros membros do Governo, começando no primeiro-ministro e acabando no secretário de Estado mais irrelevante, que também mexe no orçamento. Ao afirmar, numa entrevista ao Expresso, que a hipótese de Portugal recorrer a apoios internacionais "começa a colocar-se" no caso de as taxas de juro da dívida "se aproximarem dos sete por cento", o ministro não cometeu apenas uma gafe política. A sua afirmação corresponde também a uma avaliação técnica errada, visto que declarava, na mesma entrevista, não acreditar que os juros chegassem tão alto. E eles chegaram, em escassas semanas. Por mais injusto que isto seja para o cidadão Teixeira dos Santos, cujo esforço e boa intenção não se questionam, esgotou-se como ministro das Finanças. Se continua é porque José Sócrates jamais tomará a iniciativa de o sacrificar. Deve-lhe reconhecimento e gratidão e não tem, provavelmente, ninguém melhor para o lugar. Além disso, uma remodelação faz sentido quando um Governo dá ainda sinais de algum vigor. E, no caso de uma avaliação de desempenho do atual Executivo, o mais difícil seria encontrar ministros em condições de escaparem, sem favor, a uma remodelação que se pretendesse útil e séria. Donos do Estado

O secretário de Estado adjunto das Obras Públicas, Paulo Campos, estranha que se estranhe a circunstância de ter nomeado para os CTT dois gestores que foram seus sócios numa empresa. Tal como já estranhara o facto de se achar estranho o trânsito de dois assessores do seu departamento: um que foi para a administração de uma empresa fornecedora de chips de matrícula que o Governo queria usar nas SCUT e outro que foi nomeado para o Ministério depois de este ter adjudicado estudos sobre as SCUT, por ajuste direto, à empresa onde ele se encontrava então. E à qual, segundo as notícias da altura, manteve o vínculo. Chegámos a um ponto em que, na verdade, já nada se devia estranhar de certos governantes. Em resposta às suspeitas de falta de transparência, de amiguismo ou de eventual conflito de interesses, fazem-se de vítimas |- é "jogo político", sentenciou o secretário adjunto - e acenam com os resultados das empresas dos seus nomeados, como se este fosse o único fator a ter em conta na gestão da coisa pública. No fundo, desprezam as críticas, ou nem sequer as compreendem porque se consideram donos do Estado. Um leitor atento, a que já aqui me referi, pergunta todas as semanas: "Quando é que isto acaba?" Lamentavelmente, não sei responder. Respeito, sff!

O pior está para vir, mas para muitos já começou: a onda de despedimentos desta semana é o prenúncio de sucessivas vagas que nos esperam em 2011, segundo as previsões de economistas, analistas e gurus das mais diversas especialidades. Ora, o despedimento é mau que baste em si mesmo, não tem de ser agravado pelo insulto. Aquilo de que menos precisa um trabalhador condenado ao desemprego - em muitos casos à miséria e a uma espécie de morte lenta - é que, no próprio ato do despedimento, a empresa de que fez parte, por vezes durante décadas, o maltrate sem motivo. Em agosto, houve notícia de que uma fábrica de calçado em Arouca despediu as operárias nas férias e por mensagem de telemóvel. A TAP e a sua Groundforce, que não são propriamente empresas de vão de escada, não descem tão baixo: comunicam um despedimento coletivo por e-mail. Para os tempos duros que aí vêm, não fica mal aos patrões e aos gestores, especialmente os de administrações tão gabadas nos media como as da TAP, um pouco de coragem e frontalidade, a par de um mínimo de respeito pelas pessoas - por sinal repetidamente citadas na página eletrónica da Groundforce como "o nosso maior bem". Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 13 de novembro de 2010 Um país encurralado Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 12 de Novembro de 2010 Não havendo milagres em São Bento, só com uma caução externa poderemos recuperar a confiança perdida Um país que deve muito mais do que produz num ano inteiro e que precisa de pedir mil milhões todas as semanas para se sustentar não tem que se queixar dos credores; deve dar graças por haver ainda quem lhe compre dívida, se bem que a juros incomportáveis. E não admira que, esta semana, os juros tenham subido em vez de descerem. Afinal, só a situação caricata a que chegámos pode explicar que se considere um feito extraordinário a aprovação de um Orçamento do Estado, que é a mais elementar ferramenta para que ainda se possa dizer de um país que ele tem governo próprio. Mesmo que o orçamento já seja ditado de fora. E que a sua aprovação tenha resultado de um acordo anedótico. É verdade, como afirma José Sócrates, que existem fatores externos a empurrar os juros para cima. A perspetiva de os investidores privados virem a ser penalizados no caso de entrarem em incumprimento os países aos quais emprestam dinheiro é um torniquete eficaz. Mas nada nos garante que, sem esse aviso de Angela Merkel, caído, por coincidência ou não, em cima do debate orçamental português, os juros baixassem significativamente. Primeiro, porque os números são poderosos e o historial dos últimos dois anos só pode gerar desconfiança: em 2009, o défice saltou, em escassos meses, da casa dos cinco por cento para a dos nove; em 2010, dois PEC depois, foi preciso ir buscar 2,6 mil milhões à PT e ainda não sabemos como ficará o défice no fim do ano. Depois, porque os factos políticos em torno do orçamento emitiram uma mensagem claríssima: PS e PSD pensam em eleições; o CDS, que faz maioria com o PS, é ignorado e, à esquerda, há dois partidos inúteis para efeitos de governação porque consideram que é com greves e manifestações que se baixam os juros da dívida. Num ambiente social pesadíssimo e com uma greve geral em marcha, o clima político entre os dois partidos que se reuniram à força para viabilizar o orçamento é de desconfiança absoluta. Nem se dão ao incómodo de fingir um entendimento mínimo, como recomendou Manuela Ferreira Leite. E muito menos emitem sinais de algum propósito de cooperação. Era difícil conceber pior cenário, embora ele fosse previsível desde que começou o triste espetáculo oferecido ao país e aos credores nas semanas que precederam o falso acordo orçamental, incluindo as inenarráveis cenas de última hora. O debate desta semana confirmou que, embora enchendo a boca com o interesse nacional, é de trunfos eleitorais que Governo e PSD se ocupam. De que mais precisam os credores, já alertados pelas desastrosas execuções de 2009 e 2010, para desconfiarem de que o orçamento seja cumprido? Sócrates afirma, como fez na entrevista de quarta-feira à TVI, que não podia ter previsto a crise internacional e que os outros líderes europeus também não a previram. Mas o problema de Portugal já não é a crise: é a falta de confiança, interna e externa, é a trágica conjugação entre o défice e a dívida. E, sobre esta última, Sócrates foi avisado em devido tempo por muita gente, começando por Cavaco Silva e por Manuela Ferreira Leite. Estando fora de causa o recurso a eleições, das quais também não é certo que saísse uma maioria sólida neste momento, a última esperança de uma solução política que traçasse um rumo para o país estava no Parlamento. Ora, o debate orçamental provou que dali não virá o bom senso nem o sentido de responsabilidade que a situação exige. Temos, assim, um país encurralado pelos 'monstros' da dívida e do défice e politicamente bloqueado. De pouco valem as tiradas patrióticas do primeiro-ministro e as críticas àqueles que, estando o país à beira do abismo, encaram o recurso à UE e ao FMI como uma quase inevitabilidade. A menos que o Governo se transfigure, buscando apoio para suprir a sua fragilidade extrema e que ocorra na Assembleia um improvável milagre, dificilmente recuperaremos a confiança perdida sem uma caução externa. Os protagonistas não estão à altura do momento. Perdeu-se tempo, gastou-se energia, desbaratou-se a última réstia de credibilidade. Suspeita-se que seja tarde de mais. Mota e companhia

Duas notícias numa página do "Público": "António Mota e Filipe Soares Franco são arguidos no processo 'Operação Furacão'"; "António Horta Osório sai do Santander para assumir presidência do Lloyds, o maior banco britânico." Duas notícias de dois países que há em Portugal. Um que nos orgulha, outro que nos envergonha. Uma semana depois de António Borges ter sido nomeado diretor europeu do FMI, outro português, António Horta Osório, chega ao topo de um dos bancos mais prestigiados do mundo. Um e outro têm sido pouco considerados no seu país, mas prosseguem carreiras brilhantes no exterior em áreas que são das mais exigentes e competitivas. Pertencem ambos, como muitos outros por esse mundo, ao Portugal que nos orgulha. A 'Operação Furacão' - tal como a 'Face Oculta', a do BPN e outras - revela, pelo seu lado, uma parte do Portugal que nos envergonha. Numerosas "empresas de sucesso", incluindo bancos, que engordaram à conta do Estado e em promíscuo conluio com sucessivos governos, cometeram crimes de fuga e fraude fiscal de uma forma sistemática e organizada. Ninguém vai preso. Cada um paga a sua liberdade com os milhões devidos ao Estado, espera-se que com juros e multas a condizer. Mais chocante ainda é a naturalidade com que encaram a situação. Uma fonte da Mota Engil diz ao "Público": "O grupo pagará o que houver a pagar. Há uma discussão técnica, chega-se a um entendimento e paga-se." O crime e a fraude fiscal são uma questão técnica a negociar com a Justiça. Tudo se paga. Tudo se compra. Nem sinais de incómodo, nem vestígios de constrangimento. O despudor total. fjmadrinha@hotmail.com Texto publicado na edição do Expresso de 6 de novembro de 2010

O 'não' e as sondagens Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 5 de Novembro de 2010 Governo e PSD representam um país onde a irresponsabilidade política campeia mesmo nos momentos mais críticos. Basílio Horta, o presidente da Agência para o Investimento, perguntava na quinta-feira: "Quem paga isto?". Todos sabemos a resposta, mas nem por isso a pergunta deixa de fazer sentido. Enquanto o PSD e o Governo jogam ao gato e ao rato para ver qual deles ganha mais ou perde menos na operação teatral montada em volta do Orçamento, Portugal vai-se afundando, com os juros da dívida no sobe e desce da incerteza. Quem paga são todos os portugueses, obviamente, incluindo os eleitores que, na esmagadora maioria, costumam votar no PS e no PSD. E que os respetivos líderes têm confundido com os pequenos mundos dos seus conselheiros e fiéis seguidores. Há muito que teriam chegado a um acordo se conseguissem fazer a distinção entre esses dois universos. Portugal não paga esta briga absurda apenas em milhões de euros. Há um custo ainda mais alto pelo facto de estar a oferecer aos seus parceiros europeus e aos credores internacionais um autorretrato que nos envergonha: o de um país onde a irresponsabilidade política se afirma ao mais alto nível, incluindo nos momentos críticos. As negociações ditas 'técnicas' tiveram a triste sina que se sabe. E se não foram completamente inúteis, como diz agora o Governo, não foi só por se terem aproximado as posições dos dois partidos. Elas foram úteis porque desta vez se percebeu mais claramente que a intransigência não é exclusiva do PSD e que as culpas estão bem repartidas. Até Eduardo Catroga aparecer em palco, o PSD foi o mau da fita, por causa da estratégia desastrada que Passos iniciou no Pontal e pela sua posterior recusa de negociar com Sócrates; depois de Catroga se recolher foi o Governo que ficou em xeque. Já porque dele depende a palavra decisiva - e foi um "não" que disse, ainda que se revele provisório -, já porque a diferença dos valores em causa não justificava rutura alguma, muito menos com a desculpa de que o PSD não disse onde cortar porque, desta vez, disse-o em público e com clareza bastante. Tornou-se evidente que a opção de romper pertenceu ao Governo e que teve motivação política, não outra. Qual foi ela então? Uma hipótese é Sócrates não ter querido que o acordo fosse anunciado esta semana só para que não ficasse associado ao anúncio da recandidatura de Cavaco Silva. Seria uma razão mesquinha, mas não tão absurda como parece, tendo em conta o estado das relações com Belém e o facto de ter sido um amigo e ex-ministro de Cavaco o chefe da delegação do PSD. Outra hipótese é ter pretendido, de facto, jogar no tudo ou nada, apostando no chumbo do Orçamento e na demissão com que ameaçou o país há semanas. Na verdade, o Governo não deu mostras de se empenhar muito na aprovação do diploma, ou teria aberto outras portas de negociação - com o CDS, por exemplo - quando Passos abandonou. Daí que muitos tivessem levantado a hipótese de o primeiro-ministro se preparar para fugir do pântano, embora isso, de facto, pareça não estar nos seus genes, como, ainda há pouco, o próprio afirmou no Parlamento. Resta a aposta no confronto para abrir caminho a eleições logo que possível e enquanto lhe parece que as pode ganhar a Passos Coelho. E é aqui que entram as sondagens. Ao desequilibrarem a balança a favor do PSD, assustaram Sócrates e o PS. São talvez a razão essencial por que, num dia, o Governo se declara "inflexível" e rompe as negociações, mas, no dia seguinte - e duas sondagens depois -, o próprio primeiro-ministro, já pressionado pelos credores e pelos parceiros europeus, vem prometer "um novo esforço". O PSD, pelo seu lado, correu a mostrar disponibilidade. E fez bem. Esta é a sua derradeira oportunidade para salvar a face e seria estupidez perdê-la com a vertigem das sondagens. Basta olhar para as colunas dos inquiridos que não se pronunciam (cerca de metade, entre indecisos declarados e os que não sabem ou não respondem) para se perceber que os 42% de Passos são, de momento, uma promessa ilusória. Contas furadas

Tanto se esforçou por associar a sua recandidatura ao acordo para a viabilização do Orçamento, escolhendo a data a preceito, como explicou Marcelo Rebelo de Sousa e, afinal, saíram-lhe as contas furadas. Cavaco Silva é o primeiro Presidente que se declara recandidato e, no dia seguinte, tem de convocar o Conselho de Estado para responder a uma ameaça de crise política. Não se pode dizer que seja o melhor começo. A crise favorece-o porque, nos tempos de incerteza que aí estão, os eleitores tendem a agarrar-se ao que já conhecem. Por isso se percebe muito bem que invoque o trunfo da experiência. Mas nada está garantido. Muito menos quando o Presidente-candidato faz campanha contra si próprio em pleno discurso de apresentação. É o que acontece quando pergunta onde estaríamos hoje sem os seus apelos e alertas. Sabendo-se que dificilmente poderíamos estar pior, esta é a fórmula mais eficaz para tornar claro o rotundo fracasso de tais alertas. A pontaria da Justiça

No dia em que Cavaco se apresentou, tivemos, por coincidência, notícias do 'caso BPN'; em plenas negociações entre o Governo e o PSD, avançou, por mero acaso, o 'Face Oculta'. Desta vez, não se pode dizer que a direita tenha sido mais prejudicada do que a esquerda, ou vice-versa, com o calendário das operações: as coincidências atingiram ambas por igual. Mas nunca é demais constatar e enaltecer a extraordinária pontaria política da Justiça portuguesa. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 30 de outubro de 2010 Serão homens livres? Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 29 de Outubro de 2010 Se a guerrilha PS-PSD está a prejudicar os interesses do país, em nome de que interesses é feita? Muitos portugueses hão de interrogar-se sobre os verdadeiros motivos do espetáculo deplorável a que assistem em volta do Orçamento. E com razão. Sendo a situação tão dramática e penalizadora para a generalidade dos cidadãos, sendo tão urgentes as respostas necessárias, não se compreende que os partidos, no poder e na oposição, gastem o melhor das suas energias em braços de ferro que se traduzem em perdas de tempo com prejuízos enormes para o país. Prejuízos económicos ou financeiros e prejuízos para a imagem de Portugal no exterior, que também se contabilizam em milhões ou milhares de milhões, como acontece, por exemplo, com os juros da dívida. Qualquer português que veja televisão e mais não saiba sobre os meandros políticos dirá que este clima de briga estéril não tem o menor sentido quando estamos à beira de um abismo. Daí que se interrogue sobre os reais motivos da discórdia entre o PS e o PSD que, objetivamente, tem prejudicado o país - e muitíssimo. Ora, se os dois maiores partidos alimentam, até ao limite do sustentável, uma guerrilha que prejudica os interesses do país, é caso para se perguntar em nome de que interesses o fazem. Há 35 anos, quando estava em curso um processo revolucionário, os dirigentes políticos batiam-se por causas e ideologias. O país sabia que Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Freitas do Amaral tinham projetos diferentes quanto à organização do Estado e ao modelo de sociedade. Hoje, ainda que por razões meramente táticas, nem sequer o PCP e o BE põem em questão o regime - apenas a forma de governar. E entre os três restantes partidos, que estiveram no poder nas últimas três décadas, são muitas mais as semelhanças do que as diferenças. A ponto de, no caso do PS e do PSD, termos por vezes dificuldade de os distinguir - para o melhor e para o pior. E o pior pode explicar em parte o atual clima de crispação exacerbada, da mesma forma que explicará o acordo a que acabarão por chegar. O Orçamento do Estado num país como Portugal é o orçamento de muitas empresas e grupos económicos que dele dependem ou beneficiam. E ninguém duvida de que essas empresas e grupos condicionem certos comportamentos políticos. Condicionam-nos ou inibem-nos de forma pública, como se tem visto, mas também no plano individual, por razões que facilmente se compreendem. Se um alto dirigente partidário - ou um deputado da primeira fila - trabalha para a administração de um banco, como se pode esperar dele que defenda políticas contrárias aos interesses desse banco? Se recebe salário e mordomias de um grupo que vive das parcerias público-privadas, na saúde e no betão, como vai bater-se pelo fim dessas parcerias se elas se revelarem ruinosas para o Estado? Se faz lóbi político para empresas angolanas ou brasileiras, árabes ou asiáticas, como se pode confiar no que diz por essas televisões acerca do interesse nacional? Hoje, não sabemos quantos atores políticos de primeira linha, no poder e na oposição, são mesmo senhores de si. Muitos enredaram-se na teia dos interesses instalados, outros são, de facto, agentes desses grupos de interesses. Quer dizer, hoje não sabemos quantos dos nossos políticos pensam apenas no interesse público quando tomam uma decisão ou emitem uma opinião. Hoje não sabemos quantos deles são, na verdade, homens livres. Vigarista, disse ela

Manuela Ferreira Leite evidenciou, no seu consulado, uma tentação irresistível por palavras fortes e não raro insultuosas, talvez por pensar que, dessa forma, se faria ouvir e entender melhor. Não foi o caso, visto que, tendo a razão pelo seu lado, conseguiu perder umas eleições usando mal os bons argumentos que possuía. Parece, em todo o caso, que mantém essa velha atitude de falar grosso, agora em ambientes mais reservados. Esta semana, na reunião dos deputados do PSD com Passos Coelho, terá dito que o orçamento é vigarista e que quem o fez devia estar preso. Não tendo havido desmentido, presume-se que a frase foi dita e que a citação é correta. A violência da linguagem cresce ao ritmo da degradação da vida pública. Hoje, é frequente alguém chamar mentiroso a alguém em frente de uma câmara de televisão. É normal até, o presidente de uma associação de juízes, que são parte de um órgão de soberania, chamar ladrão ao Governo, dado que o acusa de roubo. Espanta a facilidade e a impunidade com que se chama a alguém, em público, vigarista, mentiroso, ladrão, usando estas palavras a seco, ou acrescentando-lhes 'político' ou 'politicamente' para disfarçar. A falta de reação dos insultados é outro mistério do nosso tempo. Diz o povo que quem cala, consente. A 'cacha' de Marcelo

Em geral, os comentadores não dão notícias, comentam-nas. Mas Marcelo Rebelo de Sousa foi jornalista e isso faz toda a diferença. Se tem uma notícia exclusiva, a velha 'cacha', não a guarda para si. Transmite-a com um largo sorriso de gozo. Sendo Marcelo conselheiro de Estado nomeado pelo Presidente, já se vê que o brilharete de noticiar a recandidatura de Cavaco com dia, local e hora exata resulta mais da bondade da fonte do que do esforço do repórter. Mas dificilmente a fonte teria encontrado melhor forma de fazer da notícia um caso, ou, para sermos fiéis à história de Marcelo, um verdadeiro 'facto político'. Não há dúvida de que Cavaco sabe ouvir o conselheiro certo para cada ocasião... Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 23 de outubro de 2010 Pág. 1 de 19 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

Pág. 1 de 19 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág. Pobreza de campanha Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 31 de Dezembro de 2010 O discurso dos candidatos sobre a pobreza serve para pouco mais do que disfarçar a pobreza da campanha. Se Fernando Nobre não fosse candidato, talvez a pobreza não tivesse entrado na campanha presidencial com tanta força e logo de início, apesar de a crise e a quadra serem propícias. A candidatura de alguém com o perfil do presidente da AMI teve o mérito de levar as restantes a darem uma atenção especial aos pobres, independentemente de serem genuínas as suas preocupações sociais e de cada um ter, neste domínio, pergaminhos para apresentar. O atual Presidente tem-nos, como lembrou Paulo Portas com o exemplo do 14º mês dos reformados, instituído por um dos seus governos, e como o atestam os roteiros para a inclusão, já em Belém. Mas duvida-se que, fora desta campanha eleitoral, tivesse apadrinhado o casamento de dois sem-abrigo e a distribuição das refeições que os restaurantes não vendem. Ou que viesse dizer que todos temos de nos sentir envergonhados com a existência de fome em Portugal, não acrescentando que alguns devem ter mais vergonha do que os restantes. Sem a candidatura de Fernando Nobre e a atenção às questões da solidariedade a que ela obrigou os seus concorrentes, também o primeiro-ministro não teria vindo a terreiro criticar aqueles que "não resistem à exploração mais descarada da pobreza", visando com isto Cavaco, mas visando especialmente o presidente da AMI ao atacar os que tomam a pobreza como "uma indústria" para retirar dela dividendos políticos. É verdade que a solidariedade e as organizações não-governamentais em geral se transformaram numa espécie de indústria. Mas essas organizações só existem porque atuam lá onde o Estado falhou, isto é, onde falharam os políticos. Que o líder de uma dessas organizações tente converter em força política a notoriedade alcançada no seu trabalho humanitário, como sucede com Fernando Nobre, pode ser uma via pouco ortodoxa de acesso ao poder, mas não é menos legítima. Pelo contrário, ele tem a legitimidade reforçada de quem não precisou do poder do Estado para fazer prova da sua entrega à causa da solidariedade. Sucede, além disso, que, em política, todos tentam sempre retirar dividendos da pobreza, seja quando apenas a lamentam, seja quando a combatem e se vangloriam de a ter combatido. Aliás, não foi somente por indignação pessoal com o aproveitamento político da pobreza que Sócrates entrou na campanha presidencial. Foi também com o cálculo político de desacreditar os dois adversários que mais danos causam ao seu candidato, Manuel Alegre, e à sua difícil missão de chegar a uma segunda volta. Numa sociedade onde há 20 por cento de pobres, onde muitos mais vivem com grandes dificuldades e onde a miséria tende a alastrar com a crise, mal seria que a pobreza não surgisse como tema forte das presidenciais. Mas, sabendo-se que o Presidente não governa, o pior serviço que os candidatos podem prestar aos pobres e a si próprios é não desfazerem este equívoco que o seu discurso alimenta. É fingirem que o combate à pobreza vale como desígnio e programa político quando o que aí temos é pobreza de campanha, isto é, uma simples bandeira para disfarçar ...a pobreza da campanha. Um buraco sem fundo

Ainda há pouco o ministro das Finanças não sabia onde cortar 500 milhões de despesa do Estado para satisfazer os compromissos assumidos com o PSD na negociação do Orçamento e cumprir o défice prometido. Agora tem na secretária um pedido de mais 500 milhões para aplicar num banco falido, não porque tenha sido apanhado pela especulação financeira internacional, mas porque foi usado para encher a pança, como diria Ary dos Santos, a um bando de ex-políticos rapaces disfarçados de banqueiros. A avaliar pelo que disse o ministro sobre os 500 milhões do Orçamento, com mais 500 milhões para o BPN o Governo não cumprirá o défice previsto para 2011. A não ser que, lá para o meio do ano, vá buscar esse dinheiro ao bolso dos contribuintes. A questão que se coloca, além de saber se todos os responsáveis e beneficiários desta burla gigantesca serão alguma vez chamados a responder, não só criminalmente mas com a devolução dos milhões que acumularam, é até quando - e até quanto - está o Governo decidido a enterrar dinheiro dos contribuintes. Estranha-se o silêncio do ministro sobre o que foi feito nestes dois anos e o que tenciona fazer com o BPN, quase tanto como se estranha o silêncio de Cavaco Silva, no debate com Francisco Lopes, quando confrontado com este caso. E estranha-se, sobretudo, que, não tendo nacionalizado em devido tempo a SLN, a empresa cujas ações davam ótimos rendimentos e que, pelos vistos, era a parte boa do grupo, o Governo não corra a nacionalizá-la agora para que o Estado recupere o que for possível dos milhares de milhões deitados neste buraco sem fundo. O Governo e a nação

Os comerciantes, habitualmente queixosos e pessimistas, não têm aparecido nas televisões, como aparecem todos os anos, a dizer que o Natal é uma desgraça. A SIBS explica porquê: só na semana passada, foram gastos 800 milhões em compras através dos terminais de pagamento (mais 4,8 por cento do que em 2009) e levantados 600 milhões nas caixas Multibanco (mais 1,6 por cento). Eis a prova que faltava da sintonia total entre o Governo e a nação: ambos sabem que precisam de poupar, mas não sabem onde cortar. Nem querem saber. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 23 de dezembro de 2010 Trabalhar para a abstenção Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 24 de Dezembro de 2010 A eleição presidencial ocorre na semana de janeiro em que a maioria dos funcionários públicos vai receber o seu primeiro vencimento reduzido, no fim de um mês em que foram confrontados, eles e todos os trabalhadores portugueses, com aumentos generalizados e significativos. Como se repercutirá na votação esse estado de espírito forçosamente negativo é uma das grandes curiosidades eleitorais. Mas não admirará se a abstenção, por alheamento ou como protesto, for um dos resultados mais relevantes. Neste quadro, os debates televisivos, embora distantes do dia do voto e com as Festas de permeio, têm a sua importância como fatores de mobilização eleitoral. Mas quem viu os dois primeiros só pode ter-se sentido ainda mais... desmobilizado. Francisco Lopes, mais baço do que se previa, dificilmente vai chegar ao próprio eleitorado do PCP; Fernando Nobre tenta disfarçar com agressividade contra os políticos a sua falta de consistência política; Defensor Moura é uma figura cordata que pode ter lá os seus votos em Viana, mas pouco ou nada pesará nos resultados e Manuel Alegre vive o drama do candidato tolhido na sua liberdade pelos apoios partidários que recebeu. Falta ver se Cavaco Silva deixa de contribuir também para a abstenção, com declarações infelizes como a de dizer que a fome existente no país deve envergonhar todos os portugueses. São os responsáveis políticos das últimas décadas, entre os quais se inclui, que têm de se sentir envergonhados. Despedimentos baratos

A ideia de facilitar os despedimentos, tornando-os mais baratos para as empresas, quando o desemprego é a maior chaga social do nosso tempo tem o seu quê de intrigante. Sobretudo porque a iniciativa partiu de um Governo que se afirma de esquerda, paladino do Estado social, defensor dos direitos adquiridos e não daquela direita a que o mesmo Governo logo chamaria troglodita se lhe tivesse ocorrido uma tal proposta. Quando um Executivo socialista se mostra mais criativo do que a direita e as confederações patronais na busca de facilidades para despedir, a conclusão só pode ser a de que perdeu o respeito ideológico por si próprio e aquele mínimo de coerência a que devia sentir-se obrigado. Ou, então - hipótese mais provável e cumulativa -, já não é ele quem governa. Limita-se a aplicar decisões que lhe sopram ou lhe impõem do exterior. Parece que o exemplo vem da Espanha socialista, esse farol de modernidade onde, por sinal, o desemprego galopa para lá dos 4 milhões de pessoas, 20% da população ativa. Mas o mais certo é Sócrates e Zapatero terem bebido na mesma fonte de inspiração de Bruxelas, que é de onde brotam a maior parte das ideias luminosas que estão a provocar profundas ruturas sociais na Europa e a mergulhar o continente na contestação e na violência. A obsessão dos eurocratas com as leis laborais não tem outra explicação que não sejam a ideologia ou o preconceito, visto que nem o patronato português, nem o patronato estrangeiro instalado em Portugal já consideram essa legislação um obstáculo. Ao seguir de forma acrítica os ditames daquela gente, o Governo vai cavando a sua própria sepultura e - o que é mais grave - vai destruindo o que resta de equilíbrio e coesão social entre nós. Danos colaterais

Um dos argumentos mais invocados para legitimar o processo de descredibilização da diplomacia dos EUA ensaiado pelo WikiLeaks, com os danos colaterais que estão à vista, é o de que, desta vez, os seus mentores não se limitaram a pôr na Net os telegramas pirateados. Parte deles foram entregues a jornais de referência que os divulgam em primeira mão. Só por si, o prestígio desses órgãos de informação não transforma em jornalismo de alta craveira a publicação dos telegramas em causa. Até porque estes têm sido editados, sim, mas sem tratamento jornalístico digno desse nome. Os textos são resumidos e enquadrados, mas nem os visados nem os autores, nem outras figuras da notícia são confrontados com eles. E nenhuma investigação adicional acrescenta o que quer que seja aos documentos originais. Uma vez que a autenticidade dos telegramas parece não estar em causa, é certo que dificilmente algum jornal desprezaria a oferta de Julien Assange. Mas, sendo praticamente nulo o seu contributo jornalístico para a procura da verdade, esses prestigiados meios acabam, afinal, por se reduzir à condição pouco prestigiante de megafones da WikiLeaks. Os telegramas em questão são relatos pessoais, necessariamente parcelares e eventualmente parciais, onde nem sempre se citam as fontes e onde se misturam factos com interpretações e opiniões. Daí que os visados, sejam culpados ou inocentes das malfeitorias que lhes atribuem, respondam tão facilmente com desmentidos, algo que lhes seria bastante mais difícil se, em vez do correio de um embaixador, estivéssemos perante uma investigação jornalística séria. Do ponto de vista de Julien Assange, a entrega dos telegramas aos cinco magníficos - "The New York Times", "The Guardian", "Le Monde", "El País" e "Der Spiegel" - foi um excelente negócio: dá força e credibilidade à sua luta. Do ponto de vista dos jornais em causa, embora se compreenda que a oferta era difícil de recusar, isso não quer dizer que estejamos perante uma página gloriosa do jornalismo mundial. Pelo contrário, a sua opção fez do jornalismo uma das vítimas de danos colaterais nesta guerra aos EUA declarada pelo WikiLeaks. fjmadrinha@hotmail.com Texto publicado na edição do Expresso de 18 de dezembro de 2010 Quem paga, manda Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 17 de Dezembro de 2010 Ficamos a saber hoje por Bruxelas aquilo que, mesmo contrariado, o Governo vai fazer amanhã. Uma das descobertas mais penosas desta crise é a confirmação de algo que o país pressentia há muito, mas que a dependência extrema em que nos encontramos veio tornar brutal e chocante: o Governo português - o atual e os que venham a suceder-lhe - deixou de mandar em Portugal. Os conselhos, as sugestões (ou as ordens?), que antes eram feitas em telefonemas discretos ou no recato das salas de reunião, chegam-nos agora, a nós e ao mundo inteiro, através da televisão. Hoje é o comissário europeu para a Economia, amanhã o presidente do Eurogrupo, no dia seguinte o presidente do Banco Central Europeu, todos têm "recomendações" a fazer, não já quanto a orientações de ordem geral, mas na definição de políticas concretas, como sucede com as leis laborais. Ficamos a saber hoje por Bruxelas aquilo que, mesmo contrariado, o Governo de Lisboa vai fazer amanhã. Enquanto o ministro das Finanças desaparece de circulação e já se limita a dar as Boas-Festas aos correspondentes, um primeiro-ministro cada vez mais só dá uma no cravo e outra na ferradura, ou mesmo o dito por não dito, expondo, com toda a crueza, a imagem de um Governo a reboque do diretório europeu. Tinha que ser assim? Talvez não se o ano de 2009 não tivesse sido ano de eleições e José Sócrates não as tivesse querido ganhar. Ou se os grandes da Europa não começassem a ficar também aflitos, com a própria Alemanha já na linha de fogo dos mercados. Agora é tarde. Só que esta forma de tratar um parceiro em dificuldades não deixa de ser humilhante, por mais que Bruxelas fale em nome de Lisboa, por ser público e notório que a voz de Lisboa pouco ou nada conta para os credores. Quem paga, manda, disse recentemente Manuela Ferreira Leite na Assembleia da República a propósito dos mercados. Isso mesmo se pode dizer hoje sobre o Banco Central Europeu, que substitui os mercados ao financiar-nos e ao comprar a nossa dívida. Mas a dignidade dos Estados-membros sempre foi acarinhada pelos pais fundadores da UE. Alguém devia lembrar esse bom princípio à comandita de Bruxelas. Justa celebração

Quando caiu a ministra Maria de Lurdes Rodrigues e, sobretudo, quando a sua sucessora começou a comprar com cedências várias a sempre efémera paz no Ensino, disse-se e escreveu-se, inclusive nesta página, que José Sócrates também deu um trambolhão. Isto porque o primeiro-ministro não se tinha limitado a ser solidário com as políticas da ex-ministra da Educação: empenhou-se pessoalmente e deu a cara por elas desde o primeiro ao último dia, mesmo quando Maria de Lurdes Rodrigues, tendo razão quanto ao essencial, já havia sido derrotada. Nessa altura, Sócrates pagou um custo político elevado. Agora que um estudo da OCDE, o PISA 2009, demonstra a bondade de algumas dessas políticas, apesar de o líder da Fenprof não o querer admitir, é justo reconhecer ao primeiro-ministro o direito à celebração. Tanto mais que o estudo em causa não é um mero registo estatístico, nem se baseia em dados suspeitos, ou de rigor duvidoso. Trata-se de testes reais efetuados por estudantes portugueses que, em circunstâncias idênticas, responderam a perguntas idênticas feitas a colegas da mesma idade e do mesmo nível de ensino um pouco por todo o mundo. Os resultados indicam melhorias assinaláveis, fazendo Portugal subir várias posições no ranking da OCDE. Não se pode atacar e responsabilizar o Governo sempre que os resultados são maus, mas aplaudir só os professores quando os resultados são bons. E quem tem menos autoridade moral e política para o fazer é precisamente a Fenprof, visto que esteve sempre contra as opções da ex-ministra, mobilizando os professores para greves e manifestações, mas pouco ou nada fazendo em prol do seu melhor desempenho. Nem precisava de o fazer, valha a verdade, porque os bons professores - tal como os maus - sempre existiram. São eles e os alunos quem deve partilhar com a ex-ministra e o chefe do Governo a celebração deste pequeno mas significativo progresso. Mal seria que o país ficasse deprimido quando os resultados são maus e ficasse igualmente deprimido quando são bons só porque amanhã podem voltar a ser menos bons. Jardim vezes dois

A jogada de Carlos César para "comprar votos" nos Açores, como disse Alberto João Jardim, é típica do chico-espertismo que domina a sociedade portuguesa e que se tornou norma de conduta de muitos altos responsáveis, no Estado, nas instituições e nas empresas. É por isso que cada vez menos se discute política entre nós e cada vez mais se discutem os lastimáveis comportamentos de políticos e de outras figuras gradas da nossa vida pública. A remuneração compensatória para que os funcionários da região que ganhem entre 1500 e 2000 euros não sejam atingidos pela redução de vencimentos prevista para toda a Administração Pública é uma artimanha que denota mais descaramento do que "sensibilidade social", como lhe chamou Manuel Alegre. E a forma desabrida como César reagiu às declarações do Presidente da República não é mais do que uma tentativa canhestra de virar o bico ao prego. É verdade que Cavaco Silva se calou demasiadas vezes perante os desmandos de Jardim, assim como é verdade que Sócrates nunca demonstrou com Jardim, exceto no desastre de fevereiro, a complacência que agora tem para César. Mas o problema para Portugal é que se um Jardim já é difícil de tolerar, dois é francamente de mais. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 11 de dezembro de 2010 Nas mãos da PT Fernando Madrinha 0:00 Sexta feira, 10 de Dezembro de 2010 Um Governo que salva o défice com o dinheiro da PT fica nas mãos da PT. A isto se resume a triste história dos dividendos sem impostos. Dizem que é uma forma simplista de olhar a realidade, mas a realidade é muito teimosa: no mesmo país onde se discute se o salário mínimo deve ser aumentado um pouco mais de oitenta cêntimos por dia e o Governo hesita, há empresas que embolsam milhões sem que o Estado lhes cobre um cêntimo de imposto. Argumenta-se que isto acontece há muitos anos e que se trata de uma espécie de direito adquirido, pelo que seria crime de lesa-capital pôr o fisco, sempre tão lesto e eficaz a cobrar uns poucos de euros ao assalariado, a fazer o seu trabalho no caso dos dividendos. Ora, a um Governo que ainda se declara socialista e que já eliminou ou pôs entre parêntesis tantos direitos adquiridos dos mais fracos, através de legislação ad hoc, não faltaria autoridade moral para taxar desde já os grandes lucros. O que lhe falta é coragem e força política, como se prova pelo facto de o primeiro-ministro dizer uma coisa na TVI e o grupo parlamentar fazer o contrário no Parlamento. Tudo se tornaria mais fácil se no centro da querela não estivesse a PT. Mas como pode um Governo que só salvará o défice de 2010 com o fundo de pensões da PT exigir aos acionistas da mesma PT que esperem por 2011 para pagarem mais impostos? Por mais que Francisco Assis se abespinhe é esta triste realidade que o obriga a um contorcionismo político capaz de lhe matar as ambições no pós-socratismo. O 'escândalo' Amado

O ministro dos Negócios Estrangeiros teve um comportamento exemplar no 'escândalo' desta semana: o caso do telegrama da embaixada dos EUA em Lisboa que foi divulgado com estrondo e aplauso de alguns sectores. O que diz esse telegrama? Que os EUA terão pedido a Portugal que permitisse o repatriamento de presos de Guantánamo através do espaço aéreo nacional. E que o Governo terá respondido - a mensagem apenas refere que esta é a "interpretação" que o Executivo faz da lei - com a exigência de garantias, por escrito, da parte dos países de destino, de que os presos não seriam torturados nem condenados à morte, pedindo ainda o compromisso, da parte dos EUA, de que eles seriam tratados de acordo com as convenções internacionais. Não sabemos se essas garantias foram dadas porque disso não fala o telegrama. Mas quanto ao que ele revela só há razões para felicitar o ministro pela forma irrepreensível como tratou o assunto. Mal se percebe, por isso, o motivo de tão grande excitação daqueles que se têm esforçado por crucificar Luís Amado. A menos que conheçam factos que não vieram a público, ou, então, que queiram pedir esclarecimentos sobre o conselho que o autor do telegrama dá a Washington para que o ministro português seja "muito acarinhado", o que parece, de facto, um excesso, mesmo tratando-se de um aliado... Tudo isto está, afinal, ao nível do mexerico em larga escala a que, até agora, se resumiu a maior parte das revelações do WikiLeaks. Que os seus mentores se arvorem em último farol do jornalismo quando mais não fazem do que espionagem e contrabando político, eis o que não deixa de ser prova de uma grande lata. A voz de um homem livre

Ernâni Lopes foi o ministro das Finanças que aplicou as políticas mais duras e austeras que o país conheceu, em democracia, até à crise em que está hoje mergulhado. Fê-lo com a determinação daqueles que, além da competência técnica e do conhecimento da natureza humana, sabem encarar o trabalho político como ele tem de ser encarado: como um serviço público perante o qual cedem todos os interesses particulares ou de grupo, sejam os de uma classe profissional, os de um partido político, ou os do próprio Governo, visto não haver nenhum que goste de tomar medidas impopulares. Ernâni Lopes prezava a sua independência e foi como independente que serviu nos dois postos que o trouxeram para o primeiro plano da vida pública: como um dos principais negociadores da entrada de Portugal na CEE, enquanto embaixador, e, depois, como ministro das Finanças do célebre bloco central. As duas missões sucederam-se no tempo e estão interligadas, pois se a primeira consistiu em pôr no papel os compromissos para a adesão, a segunda serviu para, no terreno, preparar a integração europeia, regulando as finanças públicas com o acompanhamento do FMI e criando o quadro económico e institucional necessário para que ela se cumprisse no prazo mais curto possível. Ernâni Lopes foi, assim, um dos artífices maiores do sonho europeu de Portugal e não deixa de ser irónico que parta num momento em que ele ameaça ruína. Se a intervenção política de Ernâni deixou marcas fortes, a sua intervenção cívica não deixou menos. Durante muito tempo manteve a rotina de uma grande entrevista anual ao caderno de Economia do Expresso, mas as suas preocupações centravam-se, já então, menos na economia pura e simples e muito mais nas atitudes e comportamentos que a condicionam, ao mesmo tempo que degradam a vida pública - a corrupção e o amiguismo, a partidarite e a promiscuidade entre o poder e os negócios, por exemplo. Pode-se dizer até que a moralização da vida pública foi a sua batalha principal nos últimos anos, a par da que travou contra a doença. Homem de princípios e de valores, de uma "absoluta integridade", como escreveu o Presidente da República, Ernâni Lopes parte quando mais precisamos de vozes desassombradas, lúcidas e corajosas como a sua. A voz de um homem livre, que é do que temos cada vez mais falta. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 4 de dezembro de 2010 Contra a fome Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 3 de Dezembro de 2010 Os deserdados do célebre Estado Social já batem à porta das instituições de solidariedade. Milhares de voluntários organizados pela rede do Banco Alimentar contra a Fome voltam este fim de semana aos supermercados de todo o país para mais uma operação de recolha de alimentos. Vão pedir a contribuição de todos - dos que têm muito e dos que ainda têm um pouco mais do que precisam - para aqueles que se encontram no limiar da sobrevivência. Os alimentos recolhidos serão, em seguida, canalizados para instituições particulares de solidariedade social (IPSS), as quais, por sua vez, os distribuirão a perto de 300 mil beneficiários. Acontece que, além das que já recebem auxílio, mais de cinco mil famílias estão a bater à porta das instituições, exauridas por força da procura. E não sabemos quantas mais o farão dentro de uns meses, quando as políticas de austeridade agora aprovadas começarem a produzir os seus efeitos. São reformados com pensões irrisórias, desempregados com subsídio exíguo ou já sem direito a subsídio algum, trabalhadores com salários de miséria, homens e mulheres encurralados pela crise, ou pela ilusão de prosperidade acalentada durante anos a fio por políticos e banqueiros, negociantes e publicitários. São os deserdados do célebre Estado social, que acabou para eles muito antes de vir a ser dado como extinto. O seu desespero e a fome dos seus filhos encontram-se agora em listas de espera. À espera de uma ajuda que só será eficaz se for praticada em larga escala e organizada por quem sabe fazê-lo. Por quem, acima de tudo, consegue potenciar o capital mais valioso de uma comunidade, felizmente ainda grande em Portugal, que é a capacidade de ser solidário. Numa sociedade perfeita, os bancos alimentares e as IPSS seriam dispensáveis. Infelizmente, as cinco mil famílias que estão à porta da miséria, mais os milhares que provavelmente se lhes juntarão em breve, não podem esperar por essa sociedade perfeita. Daí que a prática da solidariedade tenha deixado de ser uma opção mais ou menos reservada à consciência de cada um; tornou-se um imperativo urgentíssimo da nossa consciência coletiva. Um desabafo

Uma greve em Portugal é sempre um êxito retumbante, se forem os sindicatos a falar, ou um fracasso absoluto, se as contas forem do Governo. Mas quer tenham sido três milhões os "envolvidos" na greve geral desta semana, como disse, sibilino, o secretário-geral da CGPT, quer tenham sido centenas de milhar, como sugerem os cálculos do Governo, o descontentamento é grande. É, aliás, muito maior do que qualquer greve pode dar a entender, pelo que nem era preciso convocá-la. A questão que se coloca é a de saber para que serviu e contra quem foi decretada. Contra o Governo certamente, enquanto autor material das malfeitorias da austeridade. Mas nem os próprios sindicatos acreditam que ele possa mudar algo de substancial em relação ao que está previsto. Pela simples razão de que, verdadeiramente, o Governo já não manda no Orçamento. Podia ter tido inteligência e sensibilidade para distribuir melhor alguns dos sacrifícios e não sobrecarregar tanto os mais fracos. Essa era a sua margem de decisão própria. Agora é tarde para voltar atrás e, mais adiante, quando vier uma nova avalanche de medidas, não se sabe se será exatamente o Governo a decidi-las. A greve foi, assim, pouco mais do que um desabafo. Um protesto suave e civilizado perante uma grande aflição em perspetiva. Mas não deve o Governo iludir-se com tanta serenidade. A capacidade de resistência das pessoas só a partir de agora vai ser testada e nem os sindicatos sabem até que ponto conseguirão impor a sua moderação. Esbulhar o cliente

Os clientes da EDP que não olham para a fatura com atenção - decerto a esmagadora maioria - ficaram a saber esta semana que quase metade do que pagam pouco ou nada tem a ver com a eletricidade que consomem. Quarenta e dois por cento são 'custos de interesse económico geral', como se pode ler na fatura, a qual não indica, porém, a que itens em concreto correspondem esses custos. Um deles é o fomento das energias renováveis, que vale 800 milhões de euros anuais, quase exclusivamente pagos pelos consumidores domésticos, segundo a Deco. É essa verba que permite à EDP gastar milhares de milhões na compra de empresas nos EUA, além de, é claro, pagar ao ex-ministro Manuel Pinho para ministrar o célebre curso sobre energias renováveis na Universidade de Columbia. Nessa tal rubrica que corresponde a quase metade do valor total da fatura cabem também as rendas que a EDP paga aos municípios e a amortização daquilo a que chama défice tarifário acumulado. Diz a Deco, promotora de uma petição contra estes pagamentos extra, que bastaria reduzi-los em 10% para que, em vez do aumento de 3,8% previsto para 2011, os consumidores pudessem pagar menos 5% do que pagam hoje. A fatura da eletricidade tornou-se numa espécie de árvore de Natal, como dizia Teixeira dos Santos a propósito das deduções fiscais: desde que um antigo ministro, Almeida Santos, se lembrou de pôr lá a taxa da RTP e da RDP, cada Governo vai pendurando mais um custo para o consumidor de eletricidade e um rendimento adicional para a EDP. Vivendo ela em regime de quase monopólio e contando com esta colaboração empenhada do Governo para esbulhar os clientes, não admira que os seus administradores sejam geniais e com direito a prémios de milhões. Texto publicado na edição do Expresso de 27 de novembro de 2010 Aliados à força? Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 26 de Novembro de 2010 É pena que, em vez de refletir no que diz Amado, o país político discuta as suas motivações. À parte a questão insólita de ser o "número dois" de um Governo a reconhecer que, nas atuais circunstâncias, esse mesmo Governo já não vai lá sem ajuda - por isso pede "uma grande coligação" com caráter de urgência -, a entrevista de Luís Amado ao Expresso tem um mérito que não foi devidamente sublinhado. É o de trazer a debate uma ameaça de que o país ainda não tem consciência e que nem o primeiro-ministro nem o ministro das Finanças alguma vez admitiram com esta clareza: a de que, a pretexto da crise, está lançada, a partir da Alemanha, uma "dinâmica de reconfiguração" da Europa. E Portugal pode ficar de fora se não cumprir, em matéria de défice e de dívida, regras idênticas às que a mesma Alemanha começou por estabelecer para si própria. Até hoje, o Governo não se deteve nesta vertente da crise e nas suas possíveis consequências. Por razões compreensíveis: nenhum primeiro-ministro gostaria de ficar para a História como coveiro do euro português, além de que assumir o risco de uma calamitosa saída do eurogrupo corresponderia a cavar a sua própria sepultura eleitoral. Da mesma forma que o reconhecimento público dessa possibilidade pelo ministro das Finanças seria a confissão do seu fracasso absoluto e só faria sentido em simultâneo com um pedido de demissão. Amado diz o que Sócrates tem calado porque, ao contrário do primeiro-ministro, não tem um partido para dirigir, com todos os seus interesses políticos e eleitorais. Mas é por ter consciência das perspetivas que se apresentam ao país que o ministro faz o seu apelo dramático a um acordo político estável. Algo por que o Governo inteiro devia ter-se batido desde o início, em vez de entrar numa disparatada lógica de confronto e resistência política a pensar em eleições antecipadas. Num mundo perfeito, o toque a rebate do MNE teria tido outro eco, visto tratar-se de alguém com conhecimento e informação privilegiada de múltiplas proveniências e, ao mesmo tempo, com menos envolvimento direto nos assuntos internos e no combate partidário. Talvez o país político devesse dar-lhe um pouco de atenção antes de se pôr a conjeturar sobre as motivações pessoais que o possam ter levado a falar. Mas as coisas são o que são. E Amado falha porque o seu apelo à concórdia, ou, pelo menos, a "um compromisso de boas maneiras", cai num ambiente já minado pela desconfiança total entre o Governo e o PSD, com este cada vez mais convencido de um regresso ao poder a breve prazo. Não há aliados à força e daí que o apelo do ministro, lido como uma perfídia, tenha, afinal, o seu quê de ingénuo. O partido da devassa

As escutas realizadas no âmbito de um processo judicial servem apenas para ajudar a Justiça a encontrar um criminoso. Verdade? Mentira. Em Portugal servem também para outros fins, incluindo o combate político. Se não, vejamos. O "Correio da Manhã" publicou no sábado excertos de uma conversa entre Edite Estrela e Armando Vara, supostamente gravada para o processo 'Face Oculta'. Mas essa conversa, que ocorre por altura das eleições europeias, nada tem que ver com sucata e corrupção. Os interlocutores falam sobre os eurodeputados do PS. E Estrela, líder do grupo, considera-os "insuportáveis": esta é uma "descabelada", a outra uma "fingida", aquele foi "uma má escolha", o outro é um "vaidosão". Nada disto tem que ver com o objeto da escuta, nem se descortina vestígio de crime: pura má-língua numa conversa privada. Mas é o bastante para, uma vez divulgada, desestabilizar um grupo parlamentar. Quem guardou as escutas, em vez de as destruir, e quem as encaminhou para um ou mais órgãos de informação, sabia que assim era. Fez política - e política baixa - com instrumentos postos nas mãos da Justiça para combater o crime. E é necessariamente alguém da Justiça que assim procede, visto ter sido a Justiça a ordenar as escutas e elas terem ficado à sua guarda. Como se tal não fosse já suficientemente grave, há jornais que se prestam a divulgar tudo o que lhes chega, ainda que o interesse público seja menos do que nulo. Isto acontece sem que juízes e procuradores, polícias e funcionários judiciais - os grupos que estão na primeira linha de suspeitos num caso como este - deem o menor sinal de incómodo. E sem que se oiça uma palavra crítica dos reguladores dos media nem dos órgãos representativos de uma classe, a dos jornalistas, que devia ser a primeira a distanciar-se desta institucionalização da devassa. Arrogância que mata

O ministro que esta semana leu, no encerramento de um congresso, o mesmo discurso que o seu secretário de Estado-adjunto tinha feito na abertura garantiu a entrada direta para o anedotário político nacional. Mas António Mendonça já merecia essa distinção. Ao anunciar o início das obras do TGV Poceirão-Caia para o primeiro trimestre de 2011, reservando para "momento oportuno" a ligação a Lisboa, tudo indica que deu um passo maior do que a perna, visto não se fazer ideia de quando será o tal "momento oportuno". Ignorou o acordo com o PSD sobre parcerias público-privadas e dispensou-se de qualquer explicação, fosse o risco de se perderem apoios da UE ou qualquer outro argumento, a existir. A arrogância política é um dos fatores que mais penalizam um Governo. Sobretudo quando exercida por alguém sem lastro nem legitimidade política própria que a justifique ou desculpe. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 20 de novembro de 2010 Um homem derrotado Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 19 de Novembro de 2010 Quando mais precisávamos de alguém seguro e incontestável, temos nas Finanças um homem cansado e um ministro derrotado. Fernando Teixeira dos Santos já foi a válvula de segurança deste Governo: quando tudo parecia correr mal - e corria mesmo, como sabemos agora -, dava uma entrevista à televisão e o nervosismo acalmava. Em novembro de 2008, o jornal "The Financial Times" considerou-o o pior ministro das Finanças entre 19 Executivos europeus. Mas nem isso abalou, em Portugal, o perfil de seriedade e competência que projetava e que manteve mais ou menos incólume até ao dia de 2009 em que veio admitir que um défice inicial de 3,9 por cento começou por resvalar para os 5,9 e acabou nos 9,3 por cento. Em circunstâncias normais, esse teria sido motivo suficiente para demissão, mas, infelizmente, desde há muito que não vivemos em circunstâncias normais. Entre as razões eleitorais e as razões da crise, como justificação para o descalabro orçamental, ficou alguma margem de dúvida. E o ministro, que tinha a seu crédito o êxito da redução do défice para 2,6 por cento em 2007, foi resistindo, até pela sua capacidade de manter a serenidade e o bom senso num Governo cada vez errático e inseguro. Desde então, com o fracasso dos PEC 1 e 2, mais o chamado "buracão" de 2010, algo parecido com dois mil milhões de euros, a confiança em Teixeira dos Santos declinou inexoravelmente. E é assim que, quando o país mais precisava de um ministro das Finanças seguro e incontestável, no plano interno e no plano externo, no plano político e no plano técnico, temos no Terreiro do Paço um homem cansado e um político derrotado. Por culpas próprias e alheias, já que, além dos condicionalismos externos, recaem sobre ele as culpas de todos os outros membros do Governo, começando no primeiro-ministro e acabando no secretário de Estado mais irrelevante, que também mexe no orçamento. Ao afirmar, numa entrevista ao Expresso, que a hipótese de Portugal recorrer a apoios internacionais "começa a colocar-se" no caso de as taxas de juro da dívida "se aproximarem dos sete por cento", o ministro não cometeu apenas uma gafe política. A sua afirmação corresponde também a uma avaliação técnica errada, visto que declarava, na mesma entrevista, não acreditar que os juros chegassem tão alto. E eles chegaram, em escassas semanas. Por mais injusto que isto seja para o cidadão Teixeira dos Santos, cujo esforço e boa intenção não se questionam, esgotou-se como ministro das Finanças. Se continua é porque José Sócrates jamais tomará a iniciativa de o sacrificar. Deve-lhe reconhecimento e gratidão e não tem, provavelmente, ninguém melhor para o lugar. Além disso, uma remodelação faz sentido quando um Governo dá ainda sinais de algum vigor. E, no caso de uma avaliação de desempenho do atual Executivo, o mais difícil seria encontrar ministros em condições de escaparem, sem favor, a uma remodelação que se pretendesse útil e séria. Donos do Estado

O secretário de Estado adjunto das Obras Públicas, Paulo Campos, estranha que se estranhe a circunstância de ter nomeado para os CTT dois gestores que foram seus sócios numa empresa. Tal como já estranhara o facto de se achar estranho o trânsito de dois assessores do seu departamento: um que foi para a administração de uma empresa fornecedora de chips de matrícula que o Governo queria usar nas SCUT e outro que foi nomeado para o Ministério depois de este ter adjudicado estudos sobre as SCUT, por ajuste direto, à empresa onde ele se encontrava então. E à qual, segundo as notícias da altura, manteve o vínculo. Chegámos a um ponto em que, na verdade, já nada se devia estranhar de certos governantes. Em resposta às suspeitas de falta de transparência, de amiguismo ou de eventual conflito de interesses, fazem-se de vítimas |- é "jogo político", sentenciou o secretário adjunto - e acenam com os resultados das empresas dos seus nomeados, como se este fosse o único fator a ter em conta na gestão da coisa pública. No fundo, desprezam as críticas, ou nem sequer as compreendem porque se consideram donos do Estado. Um leitor atento, a que já aqui me referi, pergunta todas as semanas: "Quando é que isto acaba?" Lamentavelmente, não sei responder. Respeito, sff!

O pior está para vir, mas para muitos já começou: a onda de despedimentos desta semana é o prenúncio de sucessivas vagas que nos esperam em 2011, segundo as previsões de economistas, analistas e gurus das mais diversas especialidades. Ora, o despedimento é mau que baste em si mesmo, não tem de ser agravado pelo insulto. Aquilo de que menos precisa um trabalhador condenado ao desemprego - em muitos casos à miséria e a uma espécie de morte lenta - é que, no próprio ato do despedimento, a empresa de que fez parte, por vezes durante décadas, o maltrate sem motivo. Em agosto, houve notícia de que uma fábrica de calçado em Arouca despediu as operárias nas férias e por mensagem de telemóvel. A TAP e a sua Groundforce, que não são propriamente empresas de vão de escada, não descem tão baixo: comunicam um despedimento coletivo por e-mail. Para os tempos duros que aí vêm, não fica mal aos patrões e aos gestores, especialmente os de administrações tão gabadas nos media como as da TAP, um pouco de coragem e frontalidade, a par de um mínimo de respeito pelas pessoas - por sinal repetidamente citadas na página eletrónica da Groundforce como "o nosso maior bem". Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 13 de novembro de 2010 Um país encurralado Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 12 de Novembro de 2010 Não havendo milagres em São Bento, só com uma caução externa poderemos recuperar a confiança perdida Um país que deve muito mais do que produz num ano inteiro e que precisa de pedir mil milhões todas as semanas para se sustentar não tem que se queixar dos credores; deve dar graças por haver ainda quem lhe compre dívida, se bem que a juros incomportáveis. E não admira que, esta semana, os juros tenham subido em vez de descerem. Afinal, só a situação caricata a que chegámos pode explicar que se considere um feito extraordinário a aprovação de um Orçamento do Estado, que é a mais elementar ferramenta para que ainda se possa dizer de um país que ele tem governo próprio. Mesmo que o orçamento já seja ditado de fora. E que a sua aprovação tenha resultado de um acordo anedótico. É verdade, como afirma José Sócrates, que existem fatores externos a empurrar os juros para cima. A perspetiva de os investidores privados virem a ser penalizados no caso de entrarem em incumprimento os países aos quais emprestam dinheiro é um torniquete eficaz. Mas nada nos garante que, sem esse aviso de Angela Merkel, caído, por coincidência ou não, em cima do debate orçamental português, os juros baixassem significativamente. Primeiro, porque os números são poderosos e o historial dos últimos dois anos só pode gerar desconfiança: em 2009, o défice saltou, em escassos meses, da casa dos cinco por cento para a dos nove; em 2010, dois PEC depois, foi preciso ir buscar 2,6 mil milhões à PT e ainda não sabemos como ficará o défice no fim do ano. Depois, porque os factos políticos em torno do orçamento emitiram uma mensagem claríssima: PS e PSD pensam em eleições; o CDS, que faz maioria com o PS, é ignorado e, à esquerda, há dois partidos inúteis para efeitos de governação porque consideram que é com greves e manifestações que se baixam os juros da dívida. Num ambiente social pesadíssimo e com uma greve geral em marcha, o clima político entre os dois partidos que se reuniram à força para viabilizar o orçamento é de desconfiança absoluta. Nem se dão ao incómodo de fingir um entendimento mínimo, como recomendou Manuela Ferreira Leite. E muito menos emitem sinais de algum propósito de cooperação. Era difícil conceber pior cenário, embora ele fosse previsível desde que começou o triste espetáculo oferecido ao país e aos credores nas semanas que precederam o falso acordo orçamental, incluindo as inenarráveis cenas de última hora. O debate desta semana confirmou que, embora enchendo a boca com o interesse nacional, é de trunfos eleitorais que Governo e PSD se ocupam. De que mais precisam os credores, já alertados pelas desastrosas execuções de 2009 e 2010, para desconfiarem de que o orçamento seja cumprido? Sócrates afirma, como fez na entrevista de quarta-feira à TVI, que não podia ter previsto a crise internacional e que os outros líderes europeus também não a previram. Mas o problema de Portugal já não é a crise: é a falta de confiança, interna e externa, é a trágica conjugação entre o défice e a dívida. E, sobre esta última, Sócrates foi avisado em devido tempo por muita gente, começando por Cavaco Silva e por Manuela Ferreira Leite. Estando fora de causa o recurso a eleições, das quais também não é certo que saísse uma maioria sólida neste momento, a última esperança de uma solução política que traçasse um rumo para o país estava no Parlamento. Ora, o debate orçamental provou que dali não virá o bom senso nem o sentido de responsabilidade que a situação exige. Temos, assim, um país encurralado pelos 'monstros' da dívida e do défice e politicamente bloqueado. De pouco valem as tiradas patrióticas do primeiro-ministro e as críticas àqueles que, estando o país à beira do abismo, encaram o recurso à UE e ao FMI como uma quase inevitabilidade. A menos que o Governo se transfigure, buscando apoio para suprir a sua fragilidade extrema e que ocorra na Assembleia um improvável milagre, dificilmente recuperaremos a confiança perdida sem uma caução externa. Os protagonistas não estão à altura do momento. Perdeu-se tempo, gastou-se energia, desbaratou-se a última réstia de credibilidade. Suspeita-se que seja tarde de mais. Mota e companhia

Duas notícias numa página do "Público": "António Mota e Filipe Soares Franco são arguidos no processo 'Operação Furacão'"; "António Horta Osório sai do Santander para assumir presidência do Lloyds, o maior banco britânico." Duas notícias de dois países que há em Portugal. Um que nos orgulha, outro que nos envergonha. Uma semana depois de António Borges ter sido nomeado diretor europeu do FMI, outro português, António Horta Osório, chega ao topo de um dos bancos mais prestigiados do mundo. Um e outro têm sido pouco considerados no seu país, mas prosseguem carreiras brilhantes no exterior em áreas que são das mais exigentes e competitivas. Pertencem ambos, como muitos outros por esse mundo, ao Portugal que nos orgulha. A 'Operação Furacão' - tal como a 'Face Oculta', a do BPN e outras - revela, pelo seu lado, uma parte do Portugal que nos envergonha. Numerosas "empresas de sucesso", incluindo bancos, que engordaram à conta do Estado e em promíscuo conluio com sucessivos governos, cometeram crimes de fuga e fraude fiscal de uma forma sistemática e organizada. Ninguém vai preso. Cada um paga a sua liberdade com os milhões devidos ao Estado, espera-se que com juros e multas a condizer. Mais chocante ainda é a naturalidade com que encaram a situação. Uma fonte da Mota Engil diz ao "Público": "O grupo pagará o que houver a pagar. Há uma discussão técnica, chega-se a um entendimento e paga-se." O crime e a fraude fiscal são uma questão técnica a negociar com a Justiça. Tudo se paga. Tudo se compra. Nem sinais de incómodo, nem vestígios de constrangimento. O despudor total. fjmadrinha@hotmail.com Texto publicado na edição do Expresso de 6 de novembro de 2010

O 'não' e as sondagens Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 5 de Novembro de 2010 Governo e PSD representam um país onde a irresponsabilidade política campeia mesmo nos momentos mais críticos. Basílio Horta, o presidente da Agência para o Investimento, perguntava na quinta-feira: "Quem paga isto?". Todos sabemos a resposta, mas nem por isso a pergunta deixa de fazer sentido. Enquanto o PSD e o Governo jogam ao gato e ao rato para ver qual deles ganha mais ou perde menos na operação teatral montada em volta do Orçamento, Portugal vai-se afundando, com os juros da dívida no sobe e desce da incerteza. Quem paga são todos os portugueses, obviamente, incluindo os eleitores que, na esmagadora maioria, costumam votar no PS e no PSD. E que os respetivos líderes têm confundido com os pequenos mundos dos seus conselheiros e fiéis seguidores. Há muito que teriam chegado a um acordo se conseguissem fazer a distinção entre esses dois universos. Portugal não paga esta briga absurda apenas em milhões de euros. Há um custo ainda mais alto pelo facto de estar a oferecer aos seus parceiros europeus e aos credores internacionais um autorretrato que nos envergonha: o de um país onde a irresponsabilidade política se afirma ao mais alto nível, incluindo nos momentos críticos. As negociações ditas 'técnicas' tiveram a triste sina que se sabe. E se não foram completamente inúteis, como diz agora o Governo, não foi só por se terem aproximado as posições dos dois partidos. Elas foram úteis porque desta vez se percebeu mais claramente que a intransigência não é exclusiva do PSD e que as culpas estão bem repartidas. Até Eduardo Catroga aparecer em palco, o PSD foi o mau da fita, por causa da estratégia desastrada que Passos iniciou no Pontal e pela sua posterior recusa de negociar com Sócrates; depois de Catroga se recolher foi o Governo que ficou em xeque. Já porque dele depende a palavra decisiva - e foi um "não" que disse, ainda que se revele provisório -, já porque a diferença dos valores em causa não justificava rutura alguma, muito menos com a desculpa de que o PSD não disse onde cortar porque, desta vez, disse-o em público e com clareza bastante. Tornou-se evidente que a opção de romper pertenceu ao Governo e que teve motivação política, não outra. Qual foi ela então? Uma hipótese é Sócrates não ter querido que o acordo fosse anunciado esta semana só para que não ficasse associado ao anúncio da recandidatura de Cavaco Silva. Seria uma razão mesquinha, mas não tão absurda como parece, tendo em conta o estado das relações com Belém e o facto de ter sido um amigo e ex-ministro de Cavaco o chefe da delegação do PSD. Outra hipótese é ter pretendido, de facto, jogar no tudo ou nada, apostando no chumbo do Orçamento e na demissão com que ameaçou o país há semanas. Na verdade, o Governo não deu mostras de se empenhar muito na aprovação do diploma, ou teria aberto outras portas de negociação - com o CDS, por exemplo - quando Passos abandonou. Daí que muitos tivessem levantado a hipótese de o primeiro-ministro se preparar para fugir do pântano, embora isso, de facto, pareça não estar nos seus genes, como, ainda há pouco, o próprio afirmou no Parlamento. Resta a aposta no confronto para abrir caminho a eleições logo que possível e enquanto lhe parece que as pode ganhar a Passos Coelho. E é aqui que entram as sondagens. Ao desequilibrarem a balança a favor do PSD, assustaram Sócrates e o PS. São talvez a razão essencial por que, num dia, o Governo se declara "inflexível" e rompe as negociações, mas, no dia seguinte - e duas sondagens depois -, o próprio primeiro-ministro, já pressionado pelos credores e pelos parceiros europeus, vem prometer "um novo esforço". O PSD, pelo seu lado, correu a mostrar disponibilidade. E fez bem. Esta é a sua derradeira oportunidade para salvar a face e seria estupidez perdê-la com a vertigem das sondagens. Basta olhar para as colunas dos inquiridos que não se pronunciam (cerca de metade, entre indecisos declarados e os que não sabem ou não respondem) para se perceber que os 42% de Passos são, de momento, uma promessa ilusória. Contas furadas

Tanto se esforçou por associar a sua recandidatura ao acordo para a viabilização do Orçamento, escolhendo a data a preceito, como explicou Marcelo Rebelo de Sousa e, afinal, saíram-lhe as contas furadas. Cavaco Silva é o primeiro Presidente que se declara recandidato e, no dia seguinte, tem de convocar o Conselho de Estado para responder a uma ameaça de crise política. Não se pode dizer que seja o melhor começo. A crise favorece-o porque, nos tempos de incerteza que aí estão, os eleitores tendem a agarrar-se ao que já conhecem. Por isso se percebe muito bem que invoque o trunfo da experiência. Mas nada está garantido. Muito menos quando o Presidente-candidato faz campanha contra si próprio em pleno discurso de apresentação. É o que acontece quando pergunta onde estaríamos hoje sem os seus apelos e alertas. Sabendo-se que dificilmente poderíamos estar pior, esta é a fórmula mais eficaz para tornar claro o rotundo fracasso de tais alertas. A pontaria da Justiça

No dia em que Cavaco se apresentou, tivemos, por coincidência, notícias do 'caso BPN'; em plenas negociações entre o Governo e o PSD, avançou, por mero acaso, o 'Face Oculta'. Desta vez, não se pode dizer que a direita tenha sido mais prejudicada do que a esquerda, ou vice-versa, com o calendário das operações: as coincidências atingiram ambas por igual. Mas nunca é demais constatar e enaltecer a extraordinária pontaria política da Justiça portuguesa. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 30 de outubro de 2010 Serão homens livres? Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 29 de Outubro de 2010 Se a guerrilha PS-PSD está a prejudicar os interesses do país, em nome de que interesses é feita? Muitos portugueses hão de interrogar-se sobre os verdadeiros motivos do espetáculo deplorável a que assistem em volta do Orçamento. E com razão. Sendo a situação tão dramática e penalizadora para a generalidade dos cidadãos, sendo tão urgentes as respostas necessárias, não se compreende que os partidos, no poder e na oposição, gastem o melhor das suas energias em braços de ferro que se traduzem em perdas de tempo com prejuízos enormes para o país. Prejuízos económicos ou financeiros e prejuízos para a imagem de Portugal no exterior, que também se contabilizam em milhões ou milhares de milhões, como acontece, por exemplo, com os juros da dívida. Qualquer português que veja televisão e mais não saiba sobre os meandros políticos dirá que este clima de briga estéril não tem o menor sentido quando estamos à beira de um abismo. Daí que se interrogue sobre os reais motivos da discórdia entre o PS e o PSD que, objetivamente, tem prejudicado o país - e muitíssimo. Ora, se os dois maiores partidos alimentam, até ao limite do sustentável, uma guerrilha que prejudica os interesses do país, é caso para se perguntar em nome de que interesses o fazem. Há 35 anos, quando estava em curso um processo revolucionário, os dirigentes políticos batiam-se por causas e ideologias. O país sabia que Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Freitas do Amaral tinham projetos diferentes quanto à organização do Estado e ao modelo de sociedade. Hoje, ainda que por razões meramente táticas, nem sequer o PCP e o BE põem em questão o regime - apenas a forma de governar. E entre os três restantes partidos, que estiveram no poder nas últimas três décadas, são muitas mais as semelhanças do que as diferenças. A ponto de, no caso do PS e do PSD, termos por vezes dificuldade de os distinguir - para o melhor e para o pior. E o pior pode explicar em parte o atual clima de crispação exacerbada, da mesma forma que explicará o acordo a que acabarão por chegar. O Orçamento do Estado num país como Portugal é o orçamento de muitas empresas e grupos económicos que dele dependem ou beneficiam. E ninguém duvida de que essas empresas e grupos condicionem certos comportamentos políticos. Condicionam-nos ou inibem-nos de forma pública, como se tem visto, mas também no plano individual, por razões que facilmente se compreendem. Se um alto dirigente partidário - ou um deputado da primeira fila - trabalha para a administração de um banco, como se pode esperar dele que defenda políticas contrárias aos interesses desse banco? Se recebe salário e mordomias de um grupo que vive das parcerias público-privadas, na saúde e no betão, como vai bater-se pelo fim dessas parcerias se elas se revelarem ruinosas para o Estado? Se faz lóbi político para empresas angolanas ou brasileiras, árabes ou asiáticas, como se pode confiar no que diz por essas televisões acerca do interesse nacional? Hoje, não sabemos quantos atores políticos de primeira linha, no poder e na oposição, são mesmo senhores de si. Muitos enredaram-se na teia dos interesses instalados, outros são, de facto, agentes desses grupos de interesses. Quer dizer, hoje não sabemos quantos dos nossos políticos pensam apenas no interesse público quando tomam uma decisão ou emitem uma opinião. Hoje não sabemos quantos deles são, na verdade, homens livres. Vigarista, disse ela

Manuela Ferreira Leite evidenciou, no seu consulado, uma tentação irresistível por palavras fortes e não raro insultuosas, talvez por pensar que, dessa forma, se faria ouvir e entender melhor. Não foi o caso, visto que, tendo a razão pelo seu lado, conseguiu perder umas eleições usando mal os bons argumentos que possuía. Parece, em todo o caso, que mantém essa velha atitude de falar grosso, agora em ambientes mais reservados. Esta semana, na reunião dos deputados do PSD com Passos Coelho, terá dito que o orçamento é vigarista e que quem o fez devia estar preso. Não tendo havido desmentido, presume-se que a frase foi dita e que a citação é correta. A violência da linguagem cresce ao ritmo da degradação da vida pública. Hoje, é frequente alguém chamar mentiroso a alguém em frente de uma câmara de televisão. É normal até, o presidente de uma associação de juízes, que são parte de um órgão de soberania, chamar ladrão ao Governo, dado que o acusa de roubo. Espanta a facilidade e a impunidade com que se chama a alguém, em público, vigarista, mentiroso, ladrão, usando estas palavras a seco, ou acrescentando-lhes 'político' ou 'politicamente' para disfarçar. A falta de reação dos insultados é outro mistério do nosso tempo. Diz o povo que quem cala, consente. A 'cacha' de Marcelo

Em geral, os comentadores não dão notícias, comentam-nas. Mas Marcelo Rebelo de Sousa foi jornalista e isso faz toda a diferença. Se tem uma notícia exclusiva, a velha 'cacha', não a guarda para si. Transmite-a com um largo sorriso de gozo. Sendo Marcelo conselheiro de Estado nomeado pelo Presidente, já se vê que o brilharete de noticiar a recandidatura de Cavaco com dia, local e hora exata resulta mais da bondade da fonte do que do esforço do repórter. Mas dificilmente a fonte teria encontrado melhor forma de fazer da notícia um caso, ou, para sermos fiéis à história de Marcelo, um verdadeiro 'facto político'. Não há dúvida de que Cavaco sabe ouvir o conselheiro certo para cada ocasião... Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 23 de outubro de 2010 Pág. 1 de 19 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

marcar artigo