nortadas: TRIBUTO

31-05-2010
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Poema à MãeNo mais fundo de ti,eu sei que traí, mãe.Tudo porque já não souo menino adormecidono fundo dos teus olhos.Tudo porque tu ignorasque há leitos onde o frio não se demorae noites rumorosas de águas matinais.Por isso, às vezes, as palavras que te digosão duras, mãe,e o nosso amor é infeliz.Tudo porque perdi as rosas brancasque apertava junto ao coraçãono retrato da moldura.Se soubesses como ainda amo as rosas,talvez não enchesses as horas de pesadelos.Mas tu esqueceste muita coisa;esqueceste que as minhas pernas cresceram,que todo o meu corpo cresceu,e até o meu coraçãoficou enorme, mãe!Olha - queres ouvir-me? -às vezes ainda sou o meninoque adormeceu nos teus olhos;ainda aperto contra o coraçãorosas tão brancascomo as que tens na moldura;ainda oiço a tua voz:Era uma vez uma princesano meio de um laranjal...Mas - tu sabes - a noite é enorme,e todo o meu corpo cresceu.Eu saí da moldura,dei às aves os meus olhos a beber.Não me esqueci de nada, mãe.Guardo a tua voz dentro de mim.E deixo-te as rosas.Boa noite. Eu vou com as aves.Eugénio de Andrade in «Os Amantes Sem Dinheiro»Eugénio de Andrade, com a sua morte e a de Sophia, cumpriu-se a poesia portuguesa da segunda metade do séc. XX. Com Eugénio vivemos a poesia das palavras prenhes e saturadas de sentido. Todas oferecidas pela razão. Torturadas por uma incessante e incansável busca cuja matéria torna perfeita a sua forma. E ao mesmo tempo embebidas na mais profunda, fina e insustentável sensibilidade. Assim atingindo o fim último da Poesia: a tentativa de perscrutrar o tempo, buscar os aforismos da alma, definir as substâncias últimas da existência. E reconciliar-nos, enfim, com a nossa limitada condição.


Poema à MãeNo mais fundo de ti,eu sei que traí, mãe.Tudo porque já não souo menino adormecidono fundo dos teus olhos.Tudo porque tu ignorasque há leitos onde o frio não se demorae noites rumorosas de águas matinais.Por isso, às vezes, as palavras que te digosão duras, mãe,e o nosso amor é infeliz.Tudo porque perdi as rosas brancasque apertava junto ao coraçãono retrato da moldura.Se soubesses como ainda amo as rosas,talvez não enchesses as horas de pesadelos.Mas tu esqueceste muita coisa;esqueceste que as minhas pernas cresceram,que todo o meu corpo cresceu,e até o meu coraçãoficou enorme, mãe!Olha - queres ouvir-me? -às vezes ainda sou o meninoque adormeceu nos teus olhos;ainda aperto contra o coraçãorosas tão brancascomo as que tens na moldura;ainda oiço a tua voz:Era uma vez uma princesano meio de um laranjal...Mas - tu sabes - a noite é enorme,e todo o meu corpo cresceu.Eu saí da moldura,dei às aves os meus olhos a beber.Não me esqueci de nada, mãe.Guardo a tua voz dentro de mim.E deixo-te as rosas.Boa noite. Eu vou com as aves.Eugénio de Andrade in «Os Amantes Sem Dinheiro»Eugénio de Andrade, com a sua morte e a de Sophia, cumpriu-se a poesia portuguesa da segunda metade do séc. XX. Com Eugénio vivemos a poesia das palavras prenhes e saturadas de sentido. Todas oferecidas pela razão. Torturadas por uma incessante e incansável busca cuja matéria torna perfeita a sua forma. E ao mesmo tempo embebidas na mais profunda, fina e insustentável sensibilidade. Assim atingindo o fim último da Poesia: a tentativa de perscrutrar o tempo, buscar os aforismos da alma, definir as substâncias últimas da existência. E reconciliar-nos, enfim, com a nossa limitada condição.

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